Depressão é ameaça pós-carreira no futebol
Quando um grande clube de futebol passa por momento de crise, sempre surgem especulações para tentar explicar o fraco rendimento. Nesta semana, surgiu o boato de que Luan, meia-atacante do Corinthians, estaria sofrendo com depressão e por isso não tem se destacado. Ele teve que vir a público, por meio das suas redes sociais, para esclarecer que não passava de uma mentira.
Como o próprio Luan enalteceu, depressão é coisa séria e não devemos ser levianos em relação a esta doença.
De acordo com levantamento da FIFPro (Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol), jogadores profissionais sofrem mais de doenças psiquiátricas do que o público em geral — dos 607 atletas entrevistados, 38% relataram sofrer com sintomas de depressão ou ansiedade. Ou seja, num grupo de 25 atletas, nove profissionais de um clube podem ter sintomas de transtornos mentais comuns, tais como angústia, ansiedade ou depressão. E vale lembrar que são poucos clubes da elite do futebol brasileiro que possuem equipe de psicólogos para acompanhar o elenco.
É fácil recordar de casos recentes de jogadores brasileiros que sofreram com a depressão, como Nilmar (ex-Inter e Corinthians), Alex (ex-Inter e Corinthians), Thiago Ribeiro (ex-São Paulo, Cruzeiro e Santos), Pedrinho (ex-Vasco e Palmeiras, atualmente comentarista do SporTV), Cicinho (ex-São Paulo e Real Madrid) e até Ronaldo Fenômeno, que sofreu sério desgaste psicológico devido à grave lesão no joelho que o tirou dos gramados por alguns anos antes de brilhar na Copa do Mundo de 2002, quando conquistamos o penta.
Este índice alarmante divulgado pela FIFPro salta ainda mais quando falamos de jogadores que deixaram as quatro linhas. A aposentadoria repentina pode ser um trauma para atletas que não estavam preparados para assumir outras funções profissionais.
Não considero que tenha sofrido algum processo de depressão quando ainda atuava, talvez porque nunca fiz exames ou fui me consultar com especialistas. O que sofri foram vários impactos de mudanças emocionais quando fui jogar fora, principalmente no Japão, quando atuei no Kawasaki Frontale. Mas é importante ressaltar que este é um processo natural quando você vai morar no outro lado do mundo, sem amigos e familiares ao redor, com língua diferente, costumes alimentares que não estão na nossa rotina, além do choque cultural. Isto foi em 1999, quando esta doença ainda não era tão esplanada. A depressão sempre foi tratada de uma forma muito delicada, talvez ainda seja um tabu.
Mas fiquei em alerta quando comecei a cogitar a minha aposentadoria. Para não sofrer ainda mais os processos de confusão emocional, queda de autoestima e dúvidas, eu me preparei antes de parar. Pensei o que iria fazer da minha vida quando deixasse o esporte o qual me dediquei por quase duas décadas. Me abracei aos estudos, aos projetos sociais e ao empreendedorismo e, principalmente, evitei o saudosismo.
Quando ainda jogava no Cruzeiro, tive uma experiência que mudou muita coisa. Fomos jogar numa cidade e fui liberado após a partida. Aproveitei para visitar um amigo já em inatividade, que havia sido meu companheiro de Grêmio no início da minha jornada. Ele me recebeu em sua casa num espaço muito legal, com uma churrasqueira, várias camisetas de clubes, troféus, medalhas e outras alusões aos tempos em que foi profissional. Até parecia um mini estádio. Ele se emocionou muito ao falar daquelas recordações, pareceu que aquilo o deixou angustiado ao invés de o deixar feliz.
Aquilo mexeu comigo. Então, eu prometi para mim que não iria guardar nada que me recordasse os meus tempos de profissional. Não tenho nenhuma camisa de time, nenhuma medalha dos títulos que ganhei, nada que me faça voltar ao tempo. Pelé fez mil gols, mas eu garanto que tinha mais camisetas de clubes do que ele. Sempre fui agraciado pelos roupeiros, que eram os meus parceiros, e toda a equipe de staff. Ou seja, ganhava camisas e camisas de futebol. Mas hoje não tenho uma sequer em minha casa. Leiloei tudo em prol de projetos sociais. Essas memórias poderiam me deixar para baixo. Tenho orgulho de tudo que fiz, mas tenho que me orgulhar ainda mais pelas coisas que farei daqui para frente.
Este processo foi construído antes mesmo de fazer a minha despedida. Entrei em contato com colegas mais velhos que atuaram comigo e se aposentaram antes de mim. Perguntei quais foram as maiores dificuldades que encontraram nesta adaptação.
O ambiente também é fundamental, porque o jogador profissional mora em diferentes cidades pelo mundo ao longo da carreira. Se perguntar para o atleta onde ele pretende viver ao deixar o futebol, a maioria não sabe dizer o local escolhido. Pode ser que ele tenha criado raízes numa determinada cidade enquanto está em atividade, com filhos na escola, casa montada, mas, no fim das contas, esta cidade não tem nada a ver com os seus laços culturais. A maioria saiu de bairros e vilas simples ou favelas. São vários conflitos. Antes mesmo de parar, já havia decidido que iria morar em Porto Alegre e qual o ambiente que iria ter ao meu redor.
O jogador de futebol também sente muito a ausência do cotidiano do clube, das concentrações, dos contatos com os colegas. Nestes cinco anos que estou afastado dos gramados, recebi vários jogadores que estão perto de parar ou que já pararam e não sabem o que fazer de suas vidas. Aconselho que voltem a estudar, mostro a eles os ambientes da minha residência e exponho que não há nenhum item que me remete aos meus tempos de jogador.
Outro fator complicador é a rotina. Desde a infância, o jogador é disciplinado com o deve fazer na hora em que acorda até o fim do dia, com horários para tudo - refeições, palestras, treinos, academia, descanso...
É importante buscar novos ares, novas amizades, novos afazeres, um novo nicho. Devido ao excesso de jogos e viagens, o atleta está habituado a conviver com os seus colegas de clube, pois eles são mais próximos até do que familiares. Mas devido às diferenças de faixa etária e naturalidades, estes vínculos vão se desfazendo, pois cada um busca o seu canto e as duas raízes, o que ocasiona o distanciamento destes vínculos.
Busquei no beach tennis uma forma de não sofrer com este afastamento do futebol e evitar o saudosismo. É um grupo que não está habituado com o futebol, e isto é ótimo. A relação com outro esporte foi um fator extremamente importante para me adaptar a minha nova rotina, sem problemas emocionais.
Corri do futebol nos meus primeiros anos como aposentado. Me fez mal a primeira vez que fui jogar com colegas quando já havia parado, pois só se falava dos tempos como profissional. Evitei por um tempo assistir aos jogos pela TV e, atualmente, só acompanho quando há uma grande partida que realmente desperte minha atenção.
É preciso se planejar com antecedência, pois a aposentadoria repentina pode ser traumática aos jogadores que não estavam preparados para exercer outros afazeres. A depressão e o sentimento de abandono são consequências para os que não possuem a capacidade para a rápida de adaptação.
* Com colaboração de Augusto Zaupa
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