Solidariedade em campo, e Dunga segue como nosso capitão
Atualmente, quando um jogador de futebol aparece de forma negativa na mídia, inicia-se o processo de fritura e apedrejamento moral nas redes sociais. Virou rotina vincular este grupo de atletas à pecha de mimados, irresponsáveis, egoístas e aquém da realidade.
Na contramão de tudo isso, prefiro não generalizar e gosto de recordar dos que costumam fazer o bem à sociedade, pois muitos jogadores utilizam a sua influência e fama para criar e tocar projetos sociais para ajudar os que mais necessitam.
Não são apenas os jogadores mais badalados e midiáticos que utilizam a força do futebol em reunir multidões em prol dos necessitados, como Lionel Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar e Ronaldo Fenômeno, que fazem trabalhos fantásticos.
Também acompanhado outras ações incríveis, como a do Magrão (ex-volante do Inter, Palmeiras, Corinthians e São Caetano) em Heliópolis, uma das maiores favelas da América Latina e onde cresceu em São Paulo; do Willian Bigode e do Raphael Veiga, que dá assistência a crianças carentes em Angola; do Marcelo Grohe e do Jael em Porto Alegre; além dos voluntariados encabeçados pelo D'Alessandro (Lance de Craque) e pelo Dunga (Seleção do Bem), que também são meus parceiros em trabalhos sociais.
Nestes meses de pandemia da Covid-19, no entanto, presenciei vários colegas se sensibilizado à causa. Durante o confinamento social, alguns ajudaram com doações e camisetas autografadas para serem leiloadas, enquanto outros foram às ruas para alimentar os que precisam. Claro, cada um ajuda como pode, e isto é de suma importância.
O brasileiro sempre foi engajado em doações. Do nicho que conheço melhor, que é o futebol, mais do que as doações, o que me alegrou foi testemunhar o engajamento da entrega presencial. Sempre digo que doar é muito bom, é importante, mas a diferença que impacta mesmo é na entrega, porque se fazer presente é se colocar em lugares que muitas vezes não estão na nossa realidade. Ir à rua é praticar a empatia, ver como os esquecidos vivem.
Uma vez escutei em uma palestra do empresário Rony Meisler, abordando os problemas sociais, que não existe nenhuma possibilidade de educar alguém com a barriga vazia. Antes de resolvermos o problema da educação, precisamos resolver o problema da fome. Aquilo ficou por mais de três anos na minha cabeça.
Então, em 2019, participei de uma palestra na Marcopolo, líder do mercado brasileiro no segmento ônibus e uma das maiores fabricantes do mundo. Pedi para conhecer a estrutura da fábrica e acompanhei como aquele amontado de ferro se transformava em um ônibus de luxo. Perguntei se seria possível criar uma cozinha e uma biblioteca dentro de um ônibus.
Expliquei que tinha como sonho criar o projeto Fome de Aprender, que ligasse a fome e o aprendizado. Eles toparam embarcar nesta ideia. Como havia vendido recentemente uma sala comercial que praticamente me deu problemas durante dez anos com inquilinos, prometi investir todo o dinheiro num projeto social. Vendi a sala, comprei o ônibus e mandei o veículo para Caxias do Sul, onde fica a sede da Marcopolo, para fazer toda a transformação.
Mas, em determinado momento, acabou a verba para finalizar o ônibus. Então, fiz ao Tite o mesmo convite que havia feito a cerca de 25 empresários que são meus amigos e embarcaram nesta jornada para conseguir custear todo este sonho. Expliquei que havia ganho cerca de 1.000 livros da editora L&PM, mas que precisava de apoio para bancar os alimentos que seriam doados, além de quatro profissionais que iriam ajudar na cozinha e na biblioteca itinerante — o que também iria gerar emprego para alguns profissionais. O Tite topou logo de cara e doou uma pomposa quantia para terminar a adaptação do ônibus e dar início ao projeto nas ruas.
Acertamos que cada participante cederia mensalmente uma quantia referente a um excelente jantar com familiares e amigos. O dinheiro seria utilizado para alimentar cerca de 100 moradores de rua por dia, de segunda a sexta-feira. Além da comida, também havia o plano de incentivá-los à leitura.
Como o veículo foi entregue apenas em fevereiro, encaramos essa pandemia logo nas primeiras semanas do projeto nas ruas. Não nos abalamos e expandimos de 100 para 300 refeições ao dia. A ampliação só foi possível porque conseguimos fechar outras parcerias que nos ajudam a custear todos os gastos, uma delas tem a participação da Gisele Bündchen, por meio da BrazilFoundation.
Faço questão que todos os envolvidos conheçam pessoalmente o nosso ônibus e acompanhem in loco a entrega destes almoços. E, claro, ajudem a servir os sem-teto.
Também costumo a ser convocado pelo Dunga, assim como o D'Alessandro, para entregarmos toneladas de alimentos que foram doadas. O Dunga lidera o projeto social Seleção do Bem, que conta ainda com a participação de empresários e já arrecadou mais de 132 toneladas de frutas, verduras e alimentos e distribuiu quase 3 mil marmitas desde o início da pandemia. Além disso, são entregues sacos de dormir feitos de lona para encarar as noites frias da capital gaúcha. O grupo ainda ajuda a reformar casas inacabadas, que muitas vezes sequer possuem teto ou piso, e doa materiais de limpeza e itens de higienize.
O meu caminho com o do Dunga já havia se cruzado em 1999, quando o já capitão da seleção brasileira na conquista do tetra defendia o Internacional e eu estava saindo do Grêmio para jogar no Japão. Ele estava iniciando o projeto Esporte Clube Cidadão, em uma grande quadra na Restinga, bairro humilde onde cresci em Porto Alegre. Este projeto anda firme até hoje e tem como objetivo o resgate da cidadania de crianças, adolescentes e idosos, em situação de risco social por meio do esporte educacional.
Apesar de eu ter me criado na Restinga, bairro pobre de Porto Alegre, eu ainda não tinha este olhar de trabalho social. Então, o Dunga me chamou para ajudar e aquilo me impactou. Passado mais de 20 anos, hoje cada um tem o seu projeto social, mas sempre estamos promovendo ações em conjunto. Acredito que o Dunga seja a pessoa física, sem ajuda governamental, que tem mais trabalhado no Brasil em prol dos desfavorecidos neste período de pandemia.
Como somos amigos e vizinhos no mesmo condomínio em Porto Alegre, costumo dizer isto ao Dunga até hoje, o quanto aquele convite me abriu os olhos e se tornou o maior legado que ele poderia ter deixado na minha vida. Por isso, gosto de frisar o quanto é importante deixarmos esta mensagem de conduta social, principalmente ao esportista, ao artista e qualquer que seja a celebridade que esteja em evidência.
Esta árvore sempre estará dando frutos, sem dar o mérito a quem plantou, a quem regou ou quem a mostrou. O que importa é que precisamos ajudar aos precisam usufruir deste fruto.
*Com colaboração de Augusto Zaupa
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