O dia em que fui campeão da América em duelo de brasileiros
Após quase 15 anos, Palmeiras e Santos fazem neste sábado (30), no Maracanã, a final da Copa Libertadores da América. Encho a boca para falar que tive a honra de estar em campo na última decisão entre dois clubes do Brasil. Em 2006, vestindo a camisa do Internacional, participei da campanha vitoriosa do Colorado, que bateu o forte time do São Paulo — no anterior, o Tricolor paulista já havia sido campeão ao superar o Athletico-PR e era apontado como favorito para levar o tetra.
Estar na final da Libertadores já é uma grande emoção, fazer um gol no jogo derradeiro torna isso ainda mais especial. E isto é potencializando quando se trata do gol que nos deu o título naquele empate por 2 a 2 no segundo encontro com o São Paulo — ganhamos o primeiro por 2 a 1, no Morumbi.
Agora, imagine que 14 anos antes daquela decisão da Libertadores, o último grande título do Colorado havia sido a Copa do Brasil, em 1992. Naquele 13 de dezembro, eu estava na Coreia do Beira-Rio — espaço que era destinado ao povão e tinha baixos preços das entradas. Como torcedor, presenciei no estádio o Pinga sofrer o pênalti, aos 38 minutos do segundo tempo, e o Célio Silva converter a cobrança na vitória do Inter por 1 a 0 sobre o Fluminense.
Ali na extinta e saudosa Coreia do Beira-Rio, testemunhei e participei de toda a festa da torcida ao lado de amigos e parentes. Todo mundo se abraçando, negro, branco, pobre, rico...
De repente, 14 anos depois, numa noite fria de 16 de agosto de 2006, lá estava eu dentro do gramado do estádio Beira-Rio lotado, com mais de 57 mil pessoas, fazendo o gol mais importante, até aquele momento, da história do Internacional. Uma década e meia antes, eu era apenas um torcedor na arquibancada.
A partir daquele dia, tudo mudaria, pois estávamos buscando o que a gente sempre almejou e via no arquirrival Grêmio, que era o título da América. Eu cresci escutando que o Inter não tinha nada a nível internacional, mesmo levando esta alcunha em seu nome, o que era motivo de chacota dos gremistas. E vivi isso até internamente, pois iniciei a minha carreira no Grêmio, que via naquela época Palmeiras, Boca Juniors e River Plate como os grandes rivais da América. Já o Inter era apenas o adversário do Gauchão.
Por ser de Porto Alegre, conheço muito bem a cultura e a rivalidade local. Por isso, tinha a certeza da importância do título da Libertadores para os colorados, uma vez que o lado azul do Rio Grande do Sul já havia sido campeão da América duas vezes.
As semanas que antecederam a partida no Morumbi foram intensas, fui cobrado diariamente pelos torcedores tête-à-tête, não havia esta força de agora das redes sociais. O porteiro do meu prédio chegou a me revelar que estava vendendo bens pessoais para conseguir o ingresso para a partida no Beira-Rio. O frentista do posto de gasolina me falava que a vida dele estava em jogo. A pressão era enorme.
Já na madrugada do dia 9 de agosto, horas antes da primeira partida com o São Paulo, estava na concentração e o meu celular tocou. Era um amigo de infância, que havia se criado comigo. Ele cumpria pena no Presídio Central de Porto Alegre há seis anos. No meio da gritaria nas celas ele me disse: "Aqui é a ala colorada, temos que ganhar este jogo". Não falava com ele há anos e foi um momento de muita emoção. Este amigo acabou morrendo anos depois.
Fizemos um baita jogo no Morumbi contra o atual campeão da América e do mundo e vencemos por 2 a 1, com dois gols do Rafael Sóbis. Ao voltarmos para casa, a pressão só aumentou. Mas sabíamos que poderíamos ficar marcado na história do Inter como o time que alcançaria o primeiro título da Libertadores.
Dois dias antes da partida no Beira-Rio, sonhei já na concentração que faria o gol do título. Logo eu, que não havia marcado naquela temporada. Liguei para a minha esposa e pedi a ela para fazer uma camisa agradecendo a Deus pelo feito que iria alcançar.
Aquela fração de segundos, entre o Fernandão tocar a bola para mim — quando o jogo estava empatado em 1 a 1 — e eu escorar de cabeça para marcar o segundo gol do Inter, pareceu horas para mim. Pensei em tudo o que havia passado, nas três vezes que fui reprovado no time do meu coração, entre os meus 13 a 15 anos, com a justificava que eu era pequeno, que não era pela minha técnica, e sim pelo porte físico. Por ironia, lá estava eu fazendo um gol de cabeça, sem nem precisar pular. Naquele momento, não me lembrei que já tinha um amarelo e levantei a camisa para mostrar a frase estampada na camiseta debaixo que eu havia pedido à Milene.
Não me arrependo de ter sido expulso, repetiria tudo novamente. Deus me deu tudo o que tenho, meu conhecimento, minha estatura, minha técnica.... Passei ali o momento mais difícil naquela Libertadores, foram longos minutos de angústia no vestiário entre o gol/expulsão e apito final da partida. Foi um momento de dúvida: eu me tornaria um ídolo do clube por ter feito o gol do título ou seria o vilão pelo cartão vermelho? Soma-se a isso o meu passado no Grêmio e o fato de eu já estar vendido para o Borussia Dortmund, tanto que embarcaria à Alemanha no dia seguinte.
Sabia que estava numa linha muito tênue. Mas a zaga se defendeu bem, o Clemer fez milagres e fomos campeões. Aprendi muito com aquela expulsão. A partir daquela final de 2006, estipulei que não me sentiria o melhor homem do mundo em momentos de sucesso nem que me sentiria inferior em caso de fracassos.
Neste sábado, me verei em campo no Maracanã. Vou me recordar do dia em que ajudei a "libertar" o torcedor colorado de poder cantar que é campeão da América. Carrego isto até hoje, fui campeão outras vezes por outros clubes, defendi a camisa da seleção brasileira, joguei na Europa, mas nada foi mais importante na minha carreira do que ter sido campeão da Libertadores em 2006.
Festa brasileira
Sempre é uma grande satisfação ver quando tem, ao menos, um brasileiro na final da Libertadores. Todo jogador que já foi campeão desta competição se sente representado naquele momento. Quando há dois times dos nosso país na decisão as emoções ganham uma proporção ainda maior porque você sabe que de alguma maneira, seja na vitória ou na derrota, a taça vai ficar dentro de casa, no nosso território.
A derrota para um time conterrâneo pode se tornar ainda mais amarga, visto que, quando você está disputando algo grandioso como a Libertadores, festa será distante, em outro país, em caso de derrota. Com dois times brasileiros, a festa vai acontecer ao teu lado, com jornais e TVs abordando o assunto a todo momento e torcedores celebrando a campanha vitoriosa. Isso irá durar por um tempo. A dor da derrota não será esquecida tão logo.
No caso de Palmeiras e Santos, os dois têm a mesma gana de conquistar a América, ainda mais porque são dois times do Estado de São Paulo, o que acirra ainda mais a rivalidade. Talvez a festa seja no teu vizinho de porta, por ele ser um torcedor palmeirense ou santista.
Tenho amigos nos dois lados, mas não tenho envolvimento com nenhum dos finalistas porque nunca os defendi em campo. Espero assistir a uma grande decisão no Maracanã e torço para que o Soteldo seja eleito o melhor jogador da Libertadores. Consigo me enxergar um pouco nele, porque sei que este jovem venezuelano também passou por dificuldades por causa da sua estatura.
*Com colaboração de Augusto Zaupa
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