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OPINIÃO

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Precisamos falar sobre Jair Ventura

Jair Ventura comanda o Sport em jogo contra o Corinthians na Neo Química Arena - Marcello Zambrana/AGIF
Jair Ventura comanda o Sport em jogo contra o Corinthians na Neo Química Arena Imagem: Marcello Zambrana/AGIF

26/02/2021 04h00

Após adentrar 2021, o Campeonato Brasileiro, enfim, foi encerrado na noite de ontem (25). Parabenizo o Flamengo pelo título, além de Luciano e Claudinho pela artilharia. Porém, hoje não quero me ater em ressaltar a arrancada flamenguista na conquista do segundo título consecutivo do Nacional. Quero enaltecer o trabalho de Jair Ventura à frente do Sport.

Em ano atípico de pandemia e com os cofres mais enxutos, o futebol brasileiro foi mais tímido na busca por reforços — à exceção de três clubes: Atlético-MG, Flamengo e Palmeiras, todos classificados à próxima Libertadores da América (assim como São Paulo, Santos, Inter, Grêmio e Fluminense).

Jair Ventura mostra bilhete que recebeu do torcedor Sport que entregou seu lanche - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Jair Ventura mostra bilhete que recebeu do torcedor Sport que entregou seu lanche
Imagem: Reprodução/Instagram

Por que então enaltecer o trabalho de um treinador que brigou para não ser rebaixado à Série B? Simples. O Sport não abriu a carteira para se reforçar neste último Brasileirão, pois não gastou nada — trouxe atletas livres no mercado ou que foram emprestados. Somado a isso, Jair ficou afastado dos gramados por quase dois anos, pois aproveitou o período para curtir a filha recém-nascida e aprimorar-se com presença em palestras e treinamentos.

Ele assumiu o Leão da Ilha do Retiro em momento complicado no Nacional. O rubro-negro havia somado apenas quatro pontos em cinco rodadas e figurava na zona de rebaixamento.

Pelo grau de dificuldades que enfrentou, aponto o Jair Ventura como um dos destaques deste Brasileirão, logo atrás do Abel Braga, que fez um trabalho de reconstrução no Inter e, ainda assim, foi vice-campeão. É difícil reconhecermos no Brasil quem está abaixo na tabela. Normalmente, no nosso país, o bom é só o campeão. Do segundo colocado para baixo, ninguém serve.

Gosto de avaliar treinadores que encaram trabalhos complicados e, ao meu ver, o Sport era um time condenado a cair à segunda divisão antes de o Jair assumir o grupo. O time havia feito fraca campanha no Pernambucano e chegou a brigar para não cair no Estadual. Além disso, foi eliminado nas quartas de final da Copa do Nordeste. Desta forma, esperava-se o pior cenário no Brasileirão que estava por vir.

A gestão pessoal com os atletas também é muito relevante. Em um bate-papo com o Jair, este lado dele me chamou atenção. Tanto que, ao garantir a permanência na elite do Nacional, ele apontou os jogadores como responsáveis pelo feito. "Não adianta boas ideias se não tiver um grande elenco para executá-las", disse na ocasião. Por também ser jovem, 41 anos, e ter sido jogador, sabe bem como tratar o seu elenco.

Torcedor do Sport faz tatuagem de Jair Ventura - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Torcedor do Sport faz tatuagem de Jair Ventura após permanência na Série A
Imagem: Reprodução/Instagram

Para quem é botafoguense, acredito que veja naquele time do Jair Ventura como o último que deu orgulho ao torcedor. Ele dirigiu o time carioca em 2016 e 2017 e obteve boas campanhas, como a reação da zona de rebaixamento até a classificação à Libertadores, a chegada à semifinal da Copa do Brasil e às quartas de final da Libertadores. Aquele time do Botafogo foi quem mais complicou a vida do Grêmio naquela conquista da América do time gaúcho em 2017.

Jair teve um início muito bom à frente do Botafogo, visto que a sua relação com o clube era algo à parte, pois viveu quase dez anos dentro de General Severiano. Alguns apontam que ele não teve sucesso no Estado de São Paulo, quando dirigiu Santos e Corinthians. Não concordo com esta avaliação. Ele levou o Corinthians à final da Copa do Brasil de 2018, mas, por detalhes, acabou perdendo a decisão para o Cruzeiro. Ali, poderia ter sido campeão e entrar para o hall de treinadores vencedores.

Até me assustei ao presenciar o mercado ter se fechado para ele. O Jair, no entanto, deu a volta por cima e mais uma vez num time sem grandes investimentos fez um trabalho digno de palmas. "Não senti muita diferença [em relação a clubes do eixo Rio-São Paulo], encontrei um clube com uma boa estrutura, um CT muito funcional. Só a distância para os jogos, que sofremos um pouco mais que as demais equipes", me revelou em conversa por telefone.

A rota contra o rebaixamento do Sport também contou com outro aliado. Depois de passar por um período de turbulência no Cruzeiro e no Grêmio, Thiago Neves encaixou muito bem no Leão da Ilha. A parceira Jair e Thiago, aliada aos demais membros do elenco, lógico, engrenou rapidamente. O Jair voltou a despertar a vontade de jogar do Thiago, que retribuiu em campo.

Thiago Neves comemora gol de bicicleta anotado contra o Bahia - Rafael Vieira/AGIF - Rafael Vieira/AGIF
Thiago Neves comemora gol de bicicleta anotado contra o Bahia
Imagem: Rafael Vieira/AGIF

"Fiquei muito surpreso, a maneira positiva como o Thiago Neves [recebeu o convite]. Quando eu liguei para ele, para vir trabalhar comigo, deu para ver a vontade dele mesmo no celular, se mostrou muito interessado e feliz com esse desafio na sua carreira. Chegando aqui, ele me deu a resposta que eu precisava, foi decisivo em vários jogos com gols e assistências. Um líder técnico e muito competitivo. Seu GPS tem sempre bons números, está sempre entre os melhores do nosso grupo. Estou muito feliz com a resposta dele aqui no Sport", me disse o Jair.

Pelo seu método de trabalho e gestão de grupo, vejo o Jair Ventura com totais condições de trabalhar em qualquer clube do país, do primeiro ao último colocado do Brasileirão. Por tanto, fico pasmo ao ver essa prioridade dos clubes brasileiros em buscar treinadores estrangeiros desconhecidos do nosso público.

Temos que olhar com mais carinho aos nossos profissionais, como o Roger Machado (agora no Fluminense) e o Maurício Barbieri, que fez ótima campanha com o Red Bull Bragantino.

*Com colaboração de Augusto Zaupa