Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O futebol precisa de referências, e elas do futebol
Na semana passada, resolvi convidar algumas personalidades do futebol em um jantar na minha casa em Porto Alegre. Entre os presentes, estavam ex-jogadores, treinadores, dirigentes, jornalistas e empresários. Foram cerca de 14 amigos. Apenas solicitei que trouxessem os vinhos que iriam desfrutar durante a noite. Por brincadeira, os recebi com um garrafão de uma popular marca de vinho que havia deixado sobre a mesa e todos riram quando se depararam com aquela cena.
Dunga, Roger Machado, Celso Roth, Índio, Paulo Paixão, Hugo de Léon, Francisco Novelletto, entre outros parceiros, ficaram horas conversando sobre passado, presente e futuro do futebol. Alguns estão afastados dos gramados por vontade própria, mas, infelizmente, outros não.
A ideia de juntar este grupo ocorreu depois da celebração dos 15 anos pelo primeiro título da Copa Libertadores conquistado pelo Inter. No reencontro com ex-colegas no Colorado, constantemente alguém questionou por onde andava fulano e o que sicrano estava fazendo na atualidade. Constantemente nos pegamos lembrando de colegas de colégio, faculdade, trabalhou ou de outra esfera em algum momento de nossas vidas.
O círculo do futebol é cruel. Ao mesmo tempo que um atleta pode ganhar fama repentina, ele também pode cair no ostracismo em um curto espaço de tempo. Fico ainda mais chateado quando vejo personagens que fizeram muito pelo nosso esporte serem escanteados.
Todas as figuras que tiveram ou ainda têm carreiras consolidadas no futebol — seja jogando, treinando, participando de comissões técnicas ou dirigindo —, se dedicaram, no mínimo, uma década ao futebol. Ao longo destes anos, (foram) são constantemente acionadas pela imprensa, patrocinadores, torcedores... Quando tu estás em evidência, os convites para entrevistas, festas em camarotes fechados, campanhas publicitárias, aniversários, jogos comemorativos, ou seja, qualquer evento, não param de chegar.
Mas basta perder um pouco o foco dos holofotes que acabamos caindo no esquecimento. Em muitos destes casos, estes profissionais sequer se aposentaram e ainda buscam uma recolocação no mercado. Este afastamento forçado é maléfico até à saúde destas pessoas, pois se sentem rejeitados e todos os anos dedicados ao trabalho (estudando ou colocando em prática) parecem que foram em vão.
Desligado do Fluminense há cerca de três semanas, o Roger Machado comentou que já estava sendo sondado por alguns times brasileiros, enquanto o Dunga é constantemente chamado para assumir clubes daqui, do exterior e até seleções. Talvez por injustiça, outros esperam um pouco mais para serem lembrados para novos compromissos. Este hiato faz com que muitos comecem a conjurar que eles já se aposentaram. Nestas resenhas, fico indignado que profissionais que fizeram muito e sabem tanto de futebol não estarem empregados pelo tanto de expertise que carregam, é muito valor desperdiçado. O futebol precisa destes caras, como eles também precisam do futebol.
O Roth é uma figura que representa muito bem isto. Comandou por quatro vezes o Grêmio e outras quatro o Internacional, marca alcançada por poucos (ou somente por ele) — sei o quanto isto é quase impossível de ser alcançado por ter jogado no lado azul e no lado vermelho por duas vezes. Além da dupla Gre-Nal, o Celso esteve à frente de Palmeiras, Santos, Cruzeiro, Atlético-MG, Vasco, Flamengo, Botafogo, Sport... São três décadas dedicadas ao futebol, que foram coroadas com o título da Copa Libertadores de 2010, pelo Colorado.
Como tenho amigos de várias gerações, alguns que nem chegamos a trabalhar juntos, gosto de organizar estes encontros porque, desde cedo, me deparei com esta gangorra de atenções a qual já mencionei. Tenho o prazer de fazer o telefone destes colegas tocarem, independentemente se estão em evidência ou não. Isto não me custa nada, pelo contrário, me enriquece internamente, pois é um novo aprendizado a cada encontro. Faço apenas o que gostaria que fizessem por mim se estivesse numa situação como esta.
Tenho ciência do vazio que estes caras sentem por estarem longe do futebol. Já escrevi aqui neste espaço que a aposentadoria pode ser um trauma aos atletas que não estavam preparados para assumir outras funções profissionais, alguns até sofrem de depressão. O meu caso foi diferente, pois não exerço função de comentarista, dirigente ou empresário por opção própria. Somado a isso, me preparei psicologicamente para deixar os gramados.
Valorizar sempre, e não apenas no sucesso
Encaro estes encontros como um ato simples, mas que fazem importância para alguns que estão envolvidos. Eles são importantes a todo momento, não apenas quando estão em atividade.
"É super prazeroso, é uma aula de futebol real, porque não são pessoas que vão te contar, que estudaram em livros ou ouviram falar. Trocamos as ideias e as informações naquilo que nós vivemos no futebol do dia a dia. Cada um conta as suas experiências, como resolveram os problemas, como apresentaram situações, as dificuldades que tiveram, como reagiram... Hoje, o futebol está muito teórico por quem nunca jogou, por quem nunca esteve lá dentro do campo, nunca passou por uma crise, por uma dificuldade. Reunir este pessoal ajuda a montar um quebra-cabeça, com as tuas convicções, se tomou as decisões certas, se foi a mais adequada", analisou o meu amigo Dunga.
"Hoje, o futebol vive de uma utopia. Os caras querem jogar a segunda divisão como se fosse o Barcelona do Guardiola. O próprio Manchester City não joga como aquele Barcelona do Guardiola. Aí, se tu comentas com os caras, escutamos que não queremos estudar e que estamos atrasados. Mas, na verdade, eles que estão atrasados. O Guardiola que comanda hoje do Manchester City não joga mais como era com o Barcelona porque eram outros tipos de jogadores. Uma coisa que é muito forte nos treinadores brasileiros é o fato de se adaptarem aos jogadores que têm à disposição. Eles montam os times com as características dos seus jogadores. Querem fazer jogo de transição, de intensidade, com jogadores de 38/39 anos. Isto não quer dizer que eles não podem jogar, mas precisam fazer outro tipo de jogo. Todo mundo quer copiar o outro. Se não fizer aquele determinado tipo de jogo, está atrasado, não está no futebol moderno, não aprendeu, não evoluiu", completou o capitão do tetra e treinador da seleção na Copa do Mundo de 2010.
Todo mundo gosta de ser lembrado, de sentir o respeito e a gratidão pelo que foi construído numa jornada. É ótimo se sentir relevante. Aprendo e descubro muitas coisas nestas resenhas. Por exemplo, não sabia que o Dunga e o Hugo de Léon haviam jogado juntos no Corinthians na década de 80. O Francisco Novelletto conhece todos, pois foi presidente da Federação Gaúcha de Futebol por mais de 15 anos e atualmente é um dos vices da CBF. Já o Celso Roth foi o meu treinador e do Índio no Inter, além de ter comandado o Roger nos tempos de Grêmio. Atualmente, são colegas de profissão.
"No primeiro momento, foi uma surpresa pelo fato de um ex-jogador convidar o seu ex-treinador para um jantar. Fui muito mais agradável e enriquecedor quando cheguei lá [casa do Tinga] e revi todas aquelas pessoas que, em um determinado momento, trabalhamos juntos. A exceção foi o De León, que não tive a felicidade de trabalhar ao seu lado, mas que tive a felicidade de conhecê-lo pessoalmente. Naquela noite, aconteceram coisas maravilhosas, que dentro de uma rotina de trabalho não temos condições de fazer. Rememoramos histórias, passagens incríveis da nossa intimidade, sem a preocupação de falar determinados assuntos perto de outras pessoas", conta aqui o Celso Roth.
"Por sermos profissionais, dificilmente temos a oportunidade de nos soltarmos para falarmos o que passou, do que estamos pensando de tudo e de todos. Foi espetacular a ideia do Paulo César. Foi a primeira vez que fui à casa dele e a primeira vez que tivemos a oportunidade de reunir tantas pessoas públicas, conhecidas e que sempre trabalharam no mesmo segmento, que é o tal do futebol. Acrescentou, somou, revivemos momentos incríveis que tivemos juntos, de vitórias e derrotas, e isto sempre enriquece. Já me prontifiquei ao falar para o Tinga que ele repita estes momentos. Certamente vamos nos encontrar de novo para aumentar este nosso convívio", completa o Celsão.
Exerço uma linha de raciocínio: valorize sempre, e não apenas quando os teus estão em evidência.
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