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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Vida longa ao Rei Pelé

Pelé é carregado nos braços após a conquista da Copa do Mundo de 1970 - Alessandro Sabattini/Getty Images
Pelé é carregado nos braços após a conquista da Copa do Mundo de 1970 Imagem: Alessandro Sabattini/Getty Images

Com colaboração de Augusto Zaupa

25/09/2021 04h00

Tenho acompanhado atentamente ao noticiário sobre o estado de saúde do nosso principal ícone atualmente: o Rei Pelé. O Atleta do Século está internado em um hospital de São Paulo se recuperando de cirurgia para retirada de tumor no cólon.

Pelé é uma referência, é a imagem representativa do esporte mais popular do mundo, a imagem de um cara vencedor (com três títulos de Copas do Mundo), abriu as portas aos brasileiros em todos os cantos dos cinco continentes. Mesmo que não tenha sido criado por nós, todos associam o Brasil como o país do futebol, muito disto é graças ao senhor Edson Arantes do Nascimento.

Sinto uma gratidão enorme pelo o que o Pelé realizou, talvez nem ele perceba os feitos que alcançou, as barreiras que derrubou. Em uma época complicada, com o racismo contra os negros muito visível, foi uma das maiores figuras/celebridades do mundo. Independentemente de ele se posicionar publicamente ou não sobre o tema, realizou feitos que ninguém jamais conseguiu pela causa no esporte. Pelé deu notoriedade a nós negros. Talvez, por ele, tenho orgulho de ser chamado de Negrão. Claro, sei quando é pejorativo e quando é amigável.

As palavras comovem, mas o que arrasta multidões são as atitudes. É incalculável quantas casas o Pelé 'adentrou sem pedir licença' e foi recebido como uma ilustre visita ou como um parente por tudo que realizou dentro das quatro linhas pelas imagens que passavam na TV ou nas transmissões de rádio. É imponderável ao analisarmos quantas pessoas o Pelé atingiu, os fazendo mudar o seu olhar perante aos negros. Ele chegou a parar uma guerra na Nigéria, em 1969, ao jogar um amistoso em Benin City.

Já cansei de ouvir as pessoas dizendo: "bah, o Pelé não se posiciona, se exime de lutas raciais e sociais". Tem tanta gente que esperneia, mas não mostra nas ações. Quer maior posicionamento que chegar em qualquer canto do mundo, todo mundo desconfiado, revistando todo mundo, achando que é terrorista, você mostra o passaporte e falam: 'ah, Brasil, Pelé!", com aquele sorriso estampado? Cada um tem o seu jeito de lutar. Somado a isto, o Pelé já participou de centenas de projetos sociais ao longo de décadas, basta fazer uma simples busca nos sites de pesquisa.

Pelé posa para foto à frente de coleção de camisas de futebol - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Pelé posa para foto à frente de coleção de camisas de futebol
Imagem: Reprodução/Instagram

Eu me incomodo quando me convidam para participar de convenções, palestras, cursos, entre outros eventos, que logo no título estampam a palavra "negro" nos cartazes de divulgação o evento. Por exemplo, 'O Negro no Empreendedorismo' ou 'O Pioneirismo Afro'.

São anos de luta jogados no lixo, pois já colocam no título do evento aquilo que não gostávamos (e seguimos não gostando) que é a separação racial. Sim, precisa haver representatividade, mas sem essa necessidade de divisão de cor, raça, etnia, orientação sexual... Todos podem fazer juntos, sem que haja uma denominação particular para um determinado lado.

É nítido e notório que o futebol brasileiro tem perdido prestigio nos últimos anos, talvez por não ganhar uma Copa há quase 20 anos, talvez por não ter um jogador eleito o melhor do mundo por mais de uma década, mas o respeito que nos resta tem ligação com o Pelé. Sem ele e a geração que esteve ao seu lado, não seríamos a única seleção do planeta pentacampeã.

Pelé e Maradona no sorteio dos grupos da Copa do Mundo da Rússia - Michael Regan - FIFA/FIFA via Getty Images - Michael Regan - FIFA/FIFA via Getty Images
Pelé e Maradona no sorteio dos grupos da Copa do Mundo da Rússia
Imagem: Michael Regan - FIFA/FIFA via Getty Images

Pelé fez tanto por nós que a cada geração tentam compará-lo com outros grandes jogadores, como Maradona, Messi e Cristiano Ronaldo. É interessante ver estes debates, mas o padrão para diferir estes jogadores é a Copa do Mundo. Qual destes ergueu mais vezes a taça de campeão mundial? Tirando Maradona, em 1986, somente Pelé conseguiu este feito em três ocasiões. Somente o Rei do Futebol tem esta marca na carreira.

Sem mágoas

As oscilações de humor e os momentos de queda nas nossas vidas podem nos fazer guardar rancores por momentos em que fomos magoados, mas não consigo suprir sentimentos negativos com o Pelé.

Certa vez, quando fui convocado pelo técnico Luiz Felipe Scolari para jogo da seleção brasileira contra o Paraguai, pelas Eliminatórias à Copa de 2002, o Rei do Pelé criticou a lista dos convocados. Ao me apresentar, logo de cara ouvi do Felipão que era a partida da nossa vida, se não ganhássemos não iríamos ao Mundial da Ásia nem poderíamos pisar na rua devido à hostilidade dos torcedores.

Se eu já estava com receio, a insegurança aumentou ao ouvir e ler as críticas do Pelé na imprensa sobre a minha presença naquele grupo. Atuei como titular, vencemos por 2 a 0 em pleno estádio Olímpico lotado, com cerca de 51 mil torcedores. Claro, fiquei abalado à época, mas não tenho nenhuma mágoa, pelo contrário, só gratidão.

Caso eu pudesse falar com o Pelé pessoalmente iria agradecer em vida por tudo o que ele fez, porque, infelizmente, muitos merecedores só são reconhecidos e agraciados após a morte. Em vida, ídolos são apedrejados, viram alvo de julgamentos negativos.

Que Deus possa dar muitos e muitos anos de vida ao Pelé, e espero que seja agraciado com isto porque é um fenômeno, uma força.

Obrigado, obrigado, obrigado...

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL