Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Angustia ao ver o Cruzeiro perder o seu brilho
Me bateu uma tristeza profunda nesta semana ao saber do anúncio da greve que partiu do elenco do Cruzeiro por atraso no pagamento de salários - lógico, os jogadores têm este direito e os apoio. A postura foi mantida pelo time do sub-20 e vale ressaltar a hombridade destes jovens que, mesmo no início de carreira, são a única renda financeira de uma família. Meu lamento é pelo caos que o clube se encontra.
Tenho apreço muito grande pelo clube, pois foi nele que passei o momento mais difícil da minha carreira: quando decidi me aposentar. Recebi todo o aporte necessário para fazer esta transição de ex-jogador para empresário que sou hoje. Sou grato à diretoria e jogadores cruzeirenses daquela época pela saúde mental que tenho hoje, de como proceder com o fato de não ser mais um atleta profissional (e não lamentar nem sentir saudades). Todos aceitaram bem a situação e respeitaram a minha decisão.
Fico angustiado pela situação que o Cruzeiro se encontra. Até há alguns anos, todo grande jogador desejava defender este manto estrelado. Esta agremiação tinha sossego nos centros de treinamento que são referências e não deixam a desejar nada em relação às potências europeias e pagava tudo direitinho (na carteira), em dia.
Fui um dos primeiros a chegar naquele grupo vencedor que conquistou o bicampeonato brasileiro (2013 e 2014) e foi montado pelo Alexandre Mattos. Era uma espécie de braço direito do Mattos fora de campo, pois costumava passar a mão no telefone para ajudar a convencer alguns colegas para se juntar ao nosso grupo, como Borges, Ceará, Diego Souza e o próprio Everton Ribeiro, que foi eleito o Craque do Brasileirão naquelas duas conquistas não tão distantes. Já contei aqui na coluna que o Mattos me passou a missão na penúltima rodada do Nacional de 2012 de colar no atual camisa 7 do Flamengo para fazer a cabeça dele para se juntar a nós em Belo Horizonte.
À época, não tinha como prever que o Cruzeiro amargaria a queda à Série B — infelizmente, deve ficar mais um ano fora da elite do Brasileirão — e acumularia dívidas de cerca de R$ 1 bilhão. Seria leviano da minha parte dizer que tudo isto iria ocorrer. Mas aquele Cruzeiro leal e honrado ficou no passado. Portanto, concordo plenamente com a decisão do atual grupo em cruzar os braços em protesto pelos constantes atrasos salariais e falta de pagamento de outras garantias trabalhistas. Este problema ocorre há seis meses e afeta, principalmente, funcionários do clube.
A minha conduta de manifestar apoio ao elenco cruzeirense também vale como se eu ainda participasse do grupo ou até mesmo seguisse atuando como diretor de futebol. Quando fui gerente de futebol na Toca e surgiam reclamações desta forma (salários ou bichos atrasados), sentia como se eu estivesse devendo para eles, ficava muito incomodado. Prefiro pagar todas as minhas contas antes e ver só depois o quanto restou para saber o que irei comer naquele mês. Nunca pretendi administrar o lado financeiro do clube, mas fazia de tudo para convencer o presidente ao buscar o que era melhor ao grupo. Seguindo esta linha de conduta, decidi encerrar a minha breve carreira de dirigente.
Qualquer trabalhador tem o direito de reclamar quando não cumprem o que foi acordado, independentemente se é um jogador de futebol ou se for um gari. É um absurdo ainda ouvirmos que o atleta não pode lutar pelas suas garantias porque ganha muito ou porque o time está passando por uma sequência negativa de resultados em campo, ou seja, se a sua empresa não estiver alcançando as metas você não tem o direito de receber?
Já deixei o Cruzeiro há mais de cinco anos e moro a 1.700 kms de distância de Belo Horizonte, mas tenho conhecimento de jogadores que tiraram do próprio bolso para ajudar estes funcionários que ganham um salário mínimo, alguns, inclusive, me procuravam até recentemente pedindo ajuda por causa destes atrasos nos vencimentos mensais.
Promessas ficam no papel
Sem que soe como se fosse um ataque pessoal, visto que o conheço pessoalmente, parece até ironia que a greve eclodiu justamente quando o presidente Sérgio Santos Rodrigues estava em Portugal dando palestras no evento Global Football Management, que abordava os desafios da gestão moderna de futebol no Brasil.
Me policio para evitar o máximo falar sobre gestão no futebol, principalmente porque, quando estamos lá dentro, me deparei com as dificuldades para colocar em prática tudo aquilo que desejava. O correto fica apenas no papel, e não na prática. Durante cerca de um ano como gerente de futebol, senti na pele os percalços e vi o início do processo de deterioração na relação diretoria/jogadores, pois as promessas começaram a não serem mais cumpridas. Transferência é fundamental em todas as minhas relações.
Além de ser contraditório, vejo o fato de o Sérgio Santos Rodrigues palestrar sobre gestão no futebol brasileiro em meio à crise como desrespeito aos que estavam em Minas Gerais lutando por recolocar o Cruzeiro no topo. No futebol o que te defende é a verdade, então coloque na mesa a realidade e não seja leviano.
Todos os clubes por onde passei peguei emprestado as suas grandezas no processo de construção da minha carreira e valorizo muito isso. Tenho gratidão tamanha pelo Cruzeiro. Sinto que recebi mais em troca do que eu ofereci. Fiz o máximo que podia dentro de campo, doei todas as minhas energias, mas a balança não ficou equilibrada, uma vez que não obtive alta performance devido às lesões e problemas físicos que enfrentei na reta final como profissional, talvez pela idade, pois estava com 37 anos.
Apreensivo, mas com fé, torço que as estrelas que representam a constelação Cruzeiro do Sul, estampadas no escudo, voltem a guiar a Raposa e retomem o seu brilho.
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