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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sóbis aposentou, mas a história perpetua

Jogadores do Cruzeiro levantam Rafael Sóbis após a vitória sobre o Brusque, que marcou a despedida do atacante - Gustavo Aleixo
Jogadores do Cruzeiro levantam Rafael Sóbis após a vitória sobre o Brusque, que marcou a despedida do atacante Imagem: Gustavo Aleixo

Com Augusto Zaupa

13/11/2021 04h00

Toda vez que vejo um colega que jogou ao meu lado anunciando a aposentadoria, independentemente do tamanho do clube em que esteja ou o motivo que o fez tomar a decisão - problemas físicos, idade ou desmotivação naquele momento - vejo ali uma atitude corajosa. É complicadíssimo ter que dizer não para si mesmo, ter que começar uma nova vida aos 30 e poucos anos e se sentir perdido ao não ter mais a rotina do futebol no dia a dia. Nos sentimos sem chão.

Portanto, aplaudo a decisão do Rafael Sóbis, que se despediu nesta semana do Cruzeiro e da carreira que se dedicou por cerca de duas décadas. É preciso ter muita sabedoria e convicção para chegar a essa resolução aos 36 anos.

Me entristece ver um atleta de tamanho gabarito - bicampeão da Libertadores e da Copa do Brasil e vencedor também do Brasileirão e Copa do Nordeste - deixando os gramados. Mas é preciso ter muita noção do tempo ideal para bater este martelo. Mas este 'time' é de suma importância para que o atleta siga colhendo os frutos da profissão que se entregou por longos anos.

Apesar da distância - ele em Belo Horizonte e eu em Porto Alegre -, tenho uma relação muito íntima e próxima com o Sóbis. Ao lado do saudoso Fernandão, fui padrinho do seu primeiro casamento. A nossa relação vitoriosa em campo no Internacional transcendeu os gramados e se tornou de muita amizade.

Tinga e Rafael Sóbis durante treino do Internacional  - Marcelo Campos / Divulgação - Marcelo Campos / Divulgação
Tinga e Rafael Sóbis durante treino do Internacional em 2006
Imagem: Marcelo Campos / Divulgação

Por ser um dos mais jovens daquela geração multicampeã do Colorado, o Alemão teve dificuldades no início, mas nós os abraçamos e o protegemos porque entendíamos que ele era o nosso jogador mais perigoso e letal, mesmo com a pouca idade e a torcida pegando no seu pé. Porém, o Muricy Ramalho e os jogadores mais calejados passaram confiança a ele, tanto que foi o nosso artilheiro no Brasileirão de 2005, com 19 gols. Sóbis foi de extrema importância para ajudar a mudar a história do Inter.

Desde cedo conseguimos prever que o Alemão seria um monstro em campo, visto que foi importantíssimo nas duas vezes em que o Inter conquistou a América. Ele chamou a responsabilidade e foi protagonista ao fazer gols nas duas decisões, contra o São Paulo (2006) e o Chivas Guadalajara (2010).

Apesar da nossa diferença de idade (sete anos), aprendi muito com o Alemão, pela coragem dele de encarar jogos grandes sem nenhuma tensão. Pelo contrário, tentava sempre descontrair o grupo com brincadeiras para aliviar a atmosfera no vestiário. Não era falta de foco, longe disso, já mostrava o grau de concentração que ele tem para encarar estes jogos decisivos. Presenciei isto de perto nas duas Libertadores que ganhamos juntos no Beira-Rio. Fechamos depois a trinca de títulos juntos no Cruzeiro, ele de chuteiras e eu de sapato (como dirigente), ao conquistarmos a Copa do Brasil (2017).

Rafael Sóbis se despediu do futebol na partida entre Cruzeiro e Brusque - Gustavo Aleixo/Cruzeiro - Gustavo Aleixo/Cruzeiro
Rafael Sóbis chora ao anunciar sua aposentadoria após vitória do Cruzeiro
Imagem: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

O Sóbis não se limitou apenas em se dedicar dentro de campo, ele sempre teve um olhar macro, queria saber e aprender sobre os detalhes dos bastidores de um clube. Quando eu fui gerente de futebol do Cruzeiro, em 2017, ele já me questionava em relação à função. Recentemente, voltou a me procurar para conversarmos sobre a engrenagem do futebol e como é a vida de um ex-jogador de futebol (no caso eu), pois já estava certo que meses depois iria, enfim, pendurar as chuteiras.

A difícil decisão de parar

Quando ainda era atleta de alto rendimento, pensava que no dia em que fosse aposentar iria dizer simplesmente que nunca mais iria jogar. Não pretendia ficar postergando para chamar atenção da mídia ou dos torcedores.

O próprio anúncio do Sóbis foi espontâneo, ele revelou a um membro da comissão técnica do Cruzeiro que iria fazer o comunicado caso a Raposa vencesse o Brusque e garantisse a permanência na Série B do Brasileiro, nem a família dele estava ciente da resolução. Dito e feito.

Normalmente quando o cara é realizado, soube curtir bem o futebol, ele consegue escolher a hora certa de sair, e não o futebol o expulsar dos gramados.

Nada contra jogos de despedida, mas não servem para mim. É uma nostalgia de momento. Não vejo motivo de celebrar o fato de não exercer a minha profissão porque o corpo já não está mais respondendo como era antes.

Parafraseando o Sóbis: "a vida é assim. O tempo passa. Uns têm que sair para outros chegarem."

A carreira acabou, caro Alemão. Mas a história perpetua.

Podes dizer aos teus filhos que tu ajudaste a tornar o Internacional, de fato, internacional. Como colorado, quero te agradecer por estas enormes conquistas.

Agora, volta para Porto Alegre que essa terra te ama.