Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A melhor consciência é a oportunidade e sempre ter respeito
Empreender é uma forma de recomeçar, de buscar novos ares, ir atrás do que realmente você acredita. Mas é um processo complicado, que ficou ainda mais difícil em tempos de recessão ocasionado pela pandemia. Acredite, este cenário pode ser ainda mais árduo quando você é mulher e negra.
Não à toa, ontem (19), foi celebrado o Dia do Empreendedorismo Feminino, à véspera do Dia da Consciência Negra, data que faço questão de enaltecer. É de suma importância abordarmos este tema, pois somos o país com maior número de empreendedores no mundo e, segundo o Sebrae, 48% deste nicho é formado por mulheres.
No empreendedorismo feminino há um abismo quando miramos na raça delas. Apenas 35% das mulheres brancas apostam em negócios pessoais por necessidade, enquanto que 51% das negras precisam disto para sobreviverem. Somado a isso, apenas 21% das mulheres negras são registradas com CNPJ, metade do índice quando falamos das mulheres brancas.
Durante a pandemia, o setor de empreendedores mais afetado foi o de mulheres negras. Ainda de acordo com dados do Sebrae, 36% delas fecharam suas empresas ou pararam seus negócios, visto que não possuíam infraestrutura para oferecer serviços de delivery ou online.
Tive o prazer de conviver com várias mulheres negras batalhadoras, que suaram muito nesta jornada do empreendedorismo, mas quero destacar neste espaço duas em especial: Ana Leide e Flávia Paixão. No Dia da Consciência Negra acho muito importante ressaltar o trabalho delas, pois fui criado em uma comunidade humilde de Porto Alegre apenas pela minha mãe, uma mulher negra e simples, que me mostrou o real valor do trabalho.
Conheci a Ana entre 2008 e 2009, quando fui passar férias em Búzios (RJ), durante a minha primeira temporada no Borussia Dortmund. Cheguei na casa em que havíamos alugado pela madrugada, com os meus dois filhos ainda pequenos (1 e 4 anos), sem nenhum mantimento, não tivemos tempo para passar em um supermercado. Pela manhã do dia seguinte, acordei já pronto para ir à padaria, mas a pessoa que havia sido encarregada de nos ajudar na residência já estava na cozinha nos esperando com um banquete à mesa. Não havíamos pedido nada a ela, mas a Ana estava de prontidão.
Em menos de uma semana, a minha esposa já estava fazendo a minha cabeça para levarmos a Ana para nos ajudar na Alemanha. Dito e feito, lá foi a Ana conosco depois de eu ter lutado muito com o ex-chefe dela para liberá-la. Baiana, de família pobre, a Ana não havia tido oportunidade de estudar, era pouco instruída. Mesmo assim, estava disposta a aprender, batalhar e virou membro da nossa família em Dortmund, Belo Horizonte e Porto Alegre, sempre conosco.
Sabíamos do que ela era capaz e a incentivamos de estudar, ir atrás do que almejava. Após realizar inúmeros cursos, se especializar, ela resolveu empreender e exerce técnicas de estética em uma clínica situada num shopping em Balneário Camboriú (SC). Ali não importou se ela era baiana, negra e pouco instruída, a força de vontade dela que foi fundamental.
Já a Flávia Paixão é uma amizade recente, de cerca de dois meses, mas que me impactou muito logo de cara. Ela é uma empreendedora, sabe muito sobre tecnologia, endomarketing, marketing digital, influente, tem colunas em veículos de comunicação na Bahia. Com cerca de dez anos de experiência, ela "trabalha ajudando empreendedores a transformarem a sua paixão em negócios de sucesso", como ela mesmo se descreve.
Criadora de conteúdo no Canal Empreender com PAIXÃO, com mais 38 mil inscritos, a Flávia é especializada em gestão de pequenos e médios negócios e em gestão integrada. Ela tem a expertise de ter estudado na Inglaterra e ter impactado mais de 600 mil empreendedores no YouTube e presencialmente por meio de mentorias, cursos e palestras.
Por estas de outras, aceitei o convite da Flávia para participar de uma live. O foco era sobre o meu conhecimento, meu talento, no que decidi empreender depois que larguei o futebol. Em nenhum momento foi dito, pautado, limitado, que estava sendo convidado por eu ser negro. Ela e eu não gostamos de intitular palestras e cursos que se referem à nossa cor, ou seja, "O Negro no Empreendedorismo". Respeito aos que defendem este padrão.
Não me limito à nossa raça, estudo e passo o meu conhecimento a todo momento, independentemente de cor, sexo, raça, padrão social... Sou contra este separatismo, prefiro enaltecer a luta dos meus antepassados, sem precisar de distinções. Fiquei tão impactado com o trabalho da Flávia que, logo no segundo dia de contato com ela, consultei um dos meus sócios para trabalharmos com ela em alguns projetos.
Quando me deparo com mulheres negras, batalhadoras, empreendedoras, logo vejo a figura da minha mãe. A dona Nadyr foi e ainda é o meu espelho. Já escrevi aqui nesta coluna que a via todas as noites sair de casa às 22h, indo até a parada de ônibus, levando apenas uma sacolinha bem pequena. Ela trabalhava a madrugada inteira num clube social, cuidava do banheiro durante casamentos e formaturas. No dia seguinte, logo cedo, ela abriu a porta de casa com sacolas cheias de comida, suco, refrigerante... Era o que sobrava das festas.
Não importa se é Dia da Consciência Negra, da consciência branca, de espernear por eu ser negrão, de apelar ao vitimismo... O que importa realmente é termos a consciência para concedermos oportunidades.
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