Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Dependência de droga também é epidemia, mas cadê o interesse?
Com Augusto Zaupa
É nítido e notório que esta pandemia pegou em cheio as finanças de milhares de famílias brasileiras, aumentando o desemprego, o déficit educacional, o abismo social e a fome no nosso país. Esta semana, no entanto, outro ponto me chamou atenção ao andar pelas ruas de Porto Alegre: o grande número de usuários de drogas pelas cracolândias espalhadas pela capital gaúcha. Hoje este não é um problema atrelado apenas a São Paulo.
Vejo desinteresse de parte das autoridades em ajudar essas vidas perdidas, seja homem, mulher, grávida, jovens... Parece que estes cidadãos não têm mais importância à sociedade. Vejo nas redes sociais campanhas com frases afirmando que todas as vidas importam, mas na prática a história é completamente outra.
Sei o quanto é polêmica o assunto quando abordamos as internações compulsórias, que é necessário o consentimento do usuário ou de algum familiar. É uma situação extremamente delicada porque o dependente químico dificilmente estará em sã consciência para tomar estar decisão. Mas acredito que os nossos governantes poderiam ter mais força de vontade para brecar o aumento deste consumo de drogas que tomou as ruas das cidades brasileiras.
O que acho contraditório é que nos primeiros meses desta pandemia de Covid-19 as autoridades tiveram o braço forte de impedir de sair de casa milhões de pessoas conscientes que precisavam trabalhar e não conseguiram (e ainda não conseguem) internar dependentes químicos que estão fora da realidade de suas vidas Onde estão estes políticos quando se trata de outro problema envolvendo a saúde pública que é este aumento do consumo de drogas?
Esta crise levou inúmeras famílias a deixarem as suas casas por falta de dinheiro para pagar alugueis, contas de luz, água... Desta forma, famílias inteiras, incluindo jovens e crianças, estão à mercê das drogas, pois são involuntariamente vizinhas destas cracolândias.
Há quase dez anos, o meu amigo de infância Sandro dos Santos Leote idealizou e criou a Associação Beneficente Caverna de Adulão - a história deste local está na Bíblia, pois foi na Caverna de Adulão que Davi se refugiou quando precisou fugir da perseguição de Saul. Ajudei a buscar parceiros para o projeto que tem como objetivo ajudar pessoas que desejam deixar o vício das drogas. A instituição, situada em um sítio no bairro da Restinga, em Porto Alegre, é gerenciada pelo Sandro, que é o meu braço direito também no Projeto da Fome de Aprender, entre outros.
Conheço o Sandro há mais de 30 anos, tenho total confiança nele. Crescemos juntos. Eu segui o caminho do futebol, enquanto ele teve recaídas numa época da sua vida e caiu no mundo das drogas e do crime. Porém, ele está limpo há 14 anos e se dedica afinco para ajudar outras pessoas que estão naquela situação que o Sandro viveu por anos difíceis.
Perdi o contato com o Sandro por alguns anos. Quando o reencontrei, ele recém havia cumprido pena. Eu estava deixando uma igreja e ele veio até a mim dizendo que precisava mudar, mas que estava com dificuldades para encontrar trabalho. Pedi a ele que fosse até a minha casa no dia seguinte e o ofereci uma vaga para ser motorista da minha família, para ajudar na locomoção do meu filho, então com 2 anos à época, e da minha esposa quando necessário. Entreguei a chave do carro e disse que estava transferindo a ele o meu maior bem, que era o meu filho.
Ali, começamos uma forte parceria, de muita confiança. Anos depois, o Sandro idealizou a Caverna de Adulão. Começamos em 2012, com três ou quatro pessoas. Oferecemos ajuda médica, psicológica e social, além de teto e alimentação. Inicialmente, levávamos amigos para ajudar, voluntariamente ou financeiramente, neste processo de reabilitação. Atualmente, o nosso sítio comporta cerca de 25 pessoas. Ao longo de dez anos, mais de 1.000 usuários passaram pelo projeto. Apesar do percentual de usuários que se livram das drogas ser baixo, cerca de 10%, é de extrema valia e satisfação poder ajudar esta parcela da população que é excluída da sociedade.
Redirecionamos as pessoas que conseguem se recuperar para prestar serviços dentro da comunidade da Restinga. Já os que estão em processo de recuperação são acompanhamos por monitores da instituição em outras atividades, como cuidar das instalações de escolas, praças e parques do bairro ao cortar grama, pintar paredes ou outros serviços semelhantes.
Dependência não se limita ao usuário
Ao decidir abordar este assunto que tantos evitam se aprofundar, pedi o testemunho do meu amigo Sandro Leote, que foi usuários de drogas por mais de duas décadas.
"A minha experiência com a droga não serviu para nada. O nome droga já define tudo. Fui usuário de droga por 25 anos, de crack por dez anos. A única condição que a droga me trouxe na vida foi de destruição social, familiar, sentimental, financeira... Me levou às ruinas. O final da droga é a derrota. Ninguém vence a droga, todo mundo que usa acaba sendo derrotado. Algumas pessoas dizem que é preciso saber usar a droga, mas é ela que usa a pessoa. Ninguém consegue controlar o uso de droga, a pessoa acaba se transformando em dependente porque já está controlado por ela. Ela tem esse domínio. Seja qual for a droga, a maconha, cocaína, crack, bebida, todas elas dominam a vontade e o desejo da pessoa. Se fosse contrário, qualquer pessoa teria o poder de parar.
A minha experiência com a droga foi lamentável, muito triste, que acabou gerando muita tristeza e perda que acabou me excluindo da vida social, do convívio familiar. A droga distorce o teu caráter, a tua personalidade, teus valores. A experiência com a droga é a pior que o ser humano pode ter.
O maior perigo do crack não está somente no seu efeito individual no usuário, mas no impacto social e familiar, pois todos aqueles que convivem com o usuário acabam sendo afetados, tanto que hoje já há um tratamento para codependentes, que são aqueles que convivem com o dependente químico."
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