Como história da NBA ajuda a explicar força do boicote dos jogadores
Quando o elenco do Milwaukee Bucks se recusou a entrar em quadra ontem (26), contra o Orlando Magic, como forma de protesto contra a violência policial e o racismo estrutural nos Estados Unidos, um novo capítulo da história da NBA começou a ser escrito. O admirável gesto de engajamento político dos jogadores ganha força com o raro histórico de jogos que foram cancelados ou adiados desde o início da liga profissional americana de basquete.
É muito raro ver jogadores causando unilateralmente a não realização de jogos da NBA. Existem partidas que foram adiadas ou até canceladas, por exemplo, por causa de nevascas que dificultaram o acesso das equipes a ginásios. Em 2010, detritos que caíram do teto do Madison Square Garden levantaram preocupação a respeito de possíveis partículas de amianto, o que fechou a casa do New York Knicks por alguns dias.
Assim, o cancelamento de jogos da NBA esteve quase sempre associado a fatores externos. A liga profissional americana já havia sofrido um choque do tipo no dia 11 de março, quando resolveu suspender a temporada depois que o pivô Rudy Gobert, do Utah Jazz, foi diagnosticado com coronavírus. Isso ajuda a entender porque o boicote dos jogadores é algo sem precedentes.
A história da liga está cheia de manifestações políticas, antirracistas e de empoderamento negro. Em 1964, por exemplo, o All-Star Game foi ameaçado de boicote a 15 minutos de seu início, quando mais de 13 mil pessoas esperavam a bola subir no Boston Garden, porque jogadores se desentenderam com J. Walter Kennedy, então presidente da liga, enquanto cobravam o estabelecimento de um plano de pensão.
As discussões a respeito haviam começado em 1957, quando os jogadores chegaram a ameaçar uma greve e Maurice Podoloff, que então comandava a liga, autorizou a criação da associação de jogadores da NBA - a mesma NBAPA que teve importante papel no boicote de ontem.
Porém, entre 1957 e 1964 os jogadores conseguiram poucos avanços na questão do plano de pensão, e os donos das franquias ainda ofereciam resistência na aceitação da NBAPA. Cerca de três horas do início do All-Star Game no Boston Garden, jogadores de peso, como Bill Russell, exigiram a Kennedy uma reunião com os dirigentes. O encontro foi negado, o que provocou a ameaça do boicote ao jogo festivo.
Não se sabe exatamente o que fez os jogadores mudarem de ideia. Há relatos de que Elgin Baylor e Jerry West, então astros do Los Angeles Lakers, foram ameaçados de demissão caso não fossem à quadra. Mesmo com a aparente derrota dos atletas na queda de braço, foi plantada ali uma importante semente de empoderamento.
Em 1961, um restaurante se negou a atender Russell e seus colegas negros de Boston Celtics antes de um amistoso, o que levou os jogadores do time a um histórico boicote da partida. O incidente chamou atenção na época, mesmo não se tratando de um jogo oficial. Isso ajuda a dar a dimensão do que acontece hoje, em meio aos playoffs, no momento mais importante da temporada.
Outros precedentes são o adiamento de quatro jogos em 1968, na semana do assassinato de Dr. Martin Luther King Jr., e de dois jogos de 1992, depois que o manifestante Rodney King foi espancado por policiais em meio a um protesto social.
Assim como vários destes casos, o protesto de 2020 também tem a ver com o racismo estrutural nos Estados Unidos. Segundo relatos da imprensa americana, os jogadores conversam entre si sobre a importância do voto e exigem das autoridades uma significativa reforma policial. O levante se deu após o negro Jacob Blake ser alvejado com sete tiros pelas costas na frente da esposa e dos seus três filhos.
Jornalistas que estão na bolha montada em Orlando para a retomada da temporada acreditam que os jogadores podem boicotar todo o restante dos playoffs, o que faria com que a NBA não tivesse um campeão pela primeira vez. Uma prova da força do protesto em uma liga que dificilmente cancela ou adia partidas.
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