NBA tem cada vez mais bolas de 3. Diversidade de ideias está ameaçada?
Quando um clube como o Bahia troca Roger Machado por Mano Menezes, técnico com convicções diferentes das sustentadas por seu antecessor, costuma vir à tona a ideia de que existem várias maneiras de jogar futebol. Enquanto isso, em uma liga que investe cada vez mais no acúmulo e no processamento de dados, os times da NBA entram em quadra com objetivos cada vez mais uniformes. Será, então, que a diversidade do esporte pode estar em extinção?
A ascensão de profissionais ligados à análise de desempenho e ao processamento de dados - como Erik Spoelstra, técnico do Miami Heat, e Daryl Morey, gerente-geral do Houston Rockets - é acompanhada por uma revolução analítica na NBA. Explicando a grosso modo, as equipes buscam cada vez mais o arremesso de 3, o mais valioso do basquete, e bandejas e enterradas, cujo aproveitamento é maior do que qualquer outro tipo de finalização.
Assim, arremessos de dois pontos feitos de longe do aro têm sido cada vez menos encorajados. É o que mostram os mapas de calor de arremessos dos playoffs de 2000 e de 2020, feitos por Kirk Goldsberry, analista da ESPN americana.
Por isso, arremessos de três pontos passam a ser cada vez mais importantes na liga. Além da óbvia vantagem de seu valor, eles ainda tendem a abrir a defesa, o que abre caminho para enterradas e bandejas. Ainda segundo Goldsberry, este é o primeiro ano que as bolas da longa distância geram mais pontos nos playoffs do que jogadas no garrafão.
Isso também pode ser visto segundo levantamento de Seth Partnow, comentarista do site americano The Athletic. Os jogadores que têm maior usagem - ou seja, que mais ficam com a bola na mão - têm conseguido cada vez mais bandejas ou enterradas em jogadas individuais, sem a necessidade de assistências.
Isso não quer dizer que todos os times da NBA jogam do mesmo jeito. A análise e o processamento de dados permite cada vez mais ideias para potencializar os jogadores no ataque e limitar os adversários na defesa. Além disso, existem maneiras cada vez mais inteligentes e diversas de se conseguir os arremessos desejados, seja de longa distância ou próximo ao aro.
Mas não há como negar que os times entram em quadra com objetivos cada vez mais parecidos, ainda que as formas para se chegar a ele sejam variadas. Por mais diferentes que sejam os esportes, é possível afirmar que a Fórmula 1 também passou por um processo semelhante.
Durante a pandemia do coronavírus, que suspendeu competições esportivas por todo o mundo, alguns canais recorreram a reprises. A Globo, por exemplo, reexibiu o Grande Prêmio de Suzuka de Fórmula 1, que deu a Ayrton Senna seu primeiro título mundial. Na comparação com as corridas modernas, chamou atenção a diversidade na forma dos carros, que hoje em dia, pela televisão, parecem ter apenas as pinturas como diferença entre si.
Colunista do UOL Esporte, Julianne Cerasoli explicou como os carros foram ficando cada vez mais parecidos entre si. Assim como na NBA, isso tem a ver com o acúmulo e o processamento de dados:
Foi só na década de 1990 que as equipes começaram a construir seus próprios túneis de vento, que foram ficando maiores e mais potentes até chegarem à escala de 100% do carro. Com testes ilimitados e cada vez mais dados sobre peças aerodinâmicas que melhorariam o desempenho dos monopostos, além de enormes orçamentos vindos de empresas tabagistas e de montadoras, os monopostos de Fórmula 1 foram ganhando várias pequenas asas e outros chamados "penduricalhos" aerodinâmicos e ficando cada vez mais semelhantes.
Enquanto isso, no futebol, não parece haver um processo de uniformização do tipo. Mesmo clubes que têm conceitos mais enraizados, como o Barcelona, trabalham na base de valores, preferências e conceitos subjetivos, pouco ligados à coleta e o processamento de dados. Mas isso não significa que o esporte esteja necessariamente atrasado em relação a outras modalidades.
O futebol é disputado em um palco muito maior do que o do basquete, com muito mais jogadores, o que cria muito mais variáveis. Em curso do Footure ministrado por Renato Rodrigues, comentarista da ESPN Brasil e coordenador do Data ESPN, sobre o uso de dados na produção de conteúdo, foi mostrado um dado que chama atenção. LeBron James finaliza em média 19,9 vezes por jogo, contra cerca de 5,4 de Lionel Messi. Assim, é muito mais fácil coletar uma grande quantidade de informações sobre o primeiro do que sobre o segundo.
Mesmo assim, já há correntes que utilizam dados para na criação e execução de modelos de jogo. É o caso do RB Leipzig, que por acreditar que é mais fácil fazer gols nos 15 primeiros segundos de posse de bola chegou ao extremo de devolver a bola para o adversário. Até o Flamengo de Jorge Jesus pode estar nessa.
Em julho, depois que o Flamengo venceu o Boavista pelo Campeonato Carioca, um áudio vazado de um jogador do time derrotado diz que os atletas rubro-negros utilizariam termos pouco comuns durante a partida, como "pula uma casa" e "entra no 3". Para o jornalista Caio Alves, isso pode ter a ver com um estudo geográfico do campo de futebol.
Questionado sobre o tema, o lateral Rafinha não quis detalhar os segredos daquele time. "Foi bem engraçado o áudio do Everton. É um jogador que passou aqui e por outros clubes, temos total respeito. Ficou engraçado, mas é bom um elogio da forma que foi. Tudo que é positivo é bem-vindo. Viralizou. As falas são segredo de Estado. Não pode sair nada (risos)", brincou, na ocasião.
Por enquanto, ainda é possível afirmar que existem diversas maneiras de se jogar futebol competitivamente. Mas o basquete e a Fórmula 1 mostram que investir no processamento de dados pode ser um caminho sem volta para a diversidade de ideias no esporte.
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