Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Como triplos-duplos estão ofuscando o brilhantismo de Russell Westbrook
Alguns jogos atrás, Russell Westbrook garantiu que vai terminar a temporada 2020-21 novamente com um triplo-duplo de média - ele pode ter 0 pontos, 0 rebotes e 0 assistências em todos os jogos restantes do Wizards que ainda vai acabar com duplo dígitos em pontos, rebotes e assistências. Essa vai ser a quarta temporada que ele atinge o feito, um que apenas outro jogador - Oscar Robertson em 1962 - atingiu na história da NBA. Com mais três TDs, Russ vai passar Oscar como o atleta com mais triplos-duplos oficiais.
Eventualmente, a apreciação pela grandeza de Westbrook acabou se tornando uma admiração cega pelas suas estatísticas; o argumento "ele tem média de triplo-duplo" foi o que impulsionou Westbrook a um polêmico MVP em 2017. Eu, pessoalmente, sempre achei isso uma estupidez: não que seus triplos-duplos não sejam impressionantes - se fosse fácil, mais gente estaria fazendo - mas os números brutos podem ser superficiais; o que importa não são os números em si, mas como eles se relacionam com seu impacto no resto do time em quadra. Isso não significa que Westbrook não fosse um dos grandes jogadores da NBA, mas o foco excessivo em estatísticas arbitrárias acabou substituindo análises mais completas sobre suas forças e fraquezas, simplificando o que deveria ser um dos jogadores mais complexos e interessantes da NBA e até mesmo (a meu ver) elevando Westbrook a um patamar exagerado.
Mas algo estranho começou a acontecer em 2021. Westbrook, agora no Washington Wizards, teve um começo de temporada - assim como o do resto da equipe - desastroso; em certo ponto, ele tinha o pior +/- de toda a NBA. E então, 17 jogos atrás, a atenção dos fãs de basquete voltou a se focar no ex-MVP: com uma sequência insana de triplos-duplos (14 nesses 17 jogos), Westbrook fez uma arrancada espetacular rumo ao recorde de TDs de Robertson e reacendeu o interesse no Rei do Triplo-Duplo e seus números sensacionais.
No entanto, para um jogador que por tantos anos viu seu jogo ser enaltecido com base nesse critério arbitrário, pela primeira vez estamos vendo o efeito contrário: o excesso de atenção nos números e nos TDs e nos recordes está ofuscando e impedindo as pessoas de apreciarem o que talvez seja a melhor sequência da carreira de Westbrook. Por que para mim os 14 TDs em 17 jogos, ou as (incríveis) médias de 22-14-13 de Russ nesses jogos, não são relevantes. Só existe um número nessa sequência que realmente importa: o Wizards está 13-4 nesses jogos.
Para deixar claro, avaliar jogadores individualmente com base na campanha coletiva sempre é problemático. Você sempre vai encontrar jogadores tendo temporadas individuais excepcionais em times com campanhas medíocres (Stephen Curry, por exemplo), e também times com excelentes campanhas que atingiram esse resultado muito mais por um esforço coletivo do que por ser impulsionado por um jogador (como o Utah Jazz). Mas quando você coloca os números de lado e assiste a esses jogos, é impossível não perceber quanto dessa virada espetacular está passando diretamente pelas atuações de Westbrook.
Antes da sequência começar, o Wizards vinha de terríveis 4 vitórias em 18 jogos - nos quais Russ também teve média de triplo-duplo - e sua temporada parecia acabada. Washington estava em 13o no Leste, quatro jogos atrás da última vaga do play-in. E hoje o Wizards não só está em décimo lugar e praticamente garantido no play-in, como ainda tem caminho para brigar pelo oitavo lugar. De uma temporada perdida, agora Washington é o time mais quente da NBA e um que, você pode apostar, ninguém está ansioso para encontrar nos playoffs. Mas se os números de Westbrook são quase iguais nessas duas sequências, como pode ser o seu jogo que está fazendo a diferença entre um time péssimo e um repentinamente ótimo?
É ai que realmente você precisa sentar, assistir e analisar os jogos para pegar os nuances e as diferenças, que é quando você realmente enxerga não só quais números estão sendo registrados, mas como esses números estão sendo registrados - e como estão contribuindo ou não para o sucesso da equipe. Mas existe um número pelo qual vale começar: antes dessa sequência de 17 jogos, o Wizards tinha um saldo de -6.6 com Russ em quadra, e -2.3 com ele no banco. Isso não quer dizer que Westbrook estivesse prejudicando o time - números de dentro/fora de quadra são bastante afetados por rotações e matchups - mas eles indicam que Westbrook não vinha fazendo uma diferença positiva para o Wizards. Desde então? +7.7 com ele, +2.3 sem ele. O saldo positivo sem Westbrook mostra que a melhora não é exclusiva de um jogador e sim do time em geral, mas começa a apontar na direção de um impacto muito maior.
Analisando os jogos, a maior diferença que se faz notar é o quão mais em controle Westbrook tem jogado. Russ sempre foi um jogador extremamente explosivo e veloz, mas por vezes ele era veloz demais; seu raciocínio, a bola e o jogo em si não acompanhavam essa velocidade, o que levava a muitas jogadas descontroladas e sem sentido. Mas, ultimamente, estamos vendo muito menos disso...
E muito mais disso.
Russell sempre foi bom usando sua explosão para desmontar defesas e fazer passes, mas agora ele está mostrando muito mais paciência para deixar a jogada se desenvolver e criar situações de passe antes que ele precise atacar em alta velocidade - levando a mais bons passes e menos turnovers.
Isso não quer dizer, é claro, que Russell tenha deixado de lado suas jogadas explosivas - essa agressividade e ferocidade é parte do que fazem dele especial, e não faz sentido Westbrook abandonar essa característica. Mas para um jogador que por anos as pessoas cobravam mais paciência e menos imprudência, Westbrook parece ter caminhado recentemente na direção de um equilíbrio um pouco mais saudável para si e para seu time. E, se procurar, vai encontrar reflexos sutis disso nas estatísticas também: se antes Westbrook dava 2 assistências para cada turnover, nesses 17 jogos esse número explodiu para 2,96 assistências por turnover.
E também tem uma parte que é simplesmente Russ fazendo coisas espetaculares que não estava fazendo antes. Para alguém tão explosivo e atlético, Westbrook sempre foi um finalizador surpreendentemente fraco perto do aro, acertando apenas 59% desses chutes. Claro, ele era um dos melhores em CRIAR arremessos perto do aro - um dos mais valiosos do basquete - então o saldo ainda era positivo, mas agora a eficiência também está aparecendo: Westbrook está arremessando incríveis 68% no aro durante esses 17 jogos, e embora mais paciência e cadência estejam ajudando, algumas são simplesmente finalizações de outro planeta:
Também ajuda que Westbrook, o segundo pior arremessador de três pontos (em alto volume) da história da NBA, está sendo muito mais seletivo com essas bolas. São apenas 3 delas por jogo nessa sequência - seria sua menor marca em 9 anos - e acertando respeitáveis 33% delas.
E também tem o seguinte: ninguém tem sido melhor nos finais de jogos esse ano que Westbrook. Em situações definidas como "clutch" (últimos 5 minutos de jogos, diferença abaixo de 5 pontos) Russell deu 73 arremessos (#10 da NBA) e acertou incríveis 57.1% deles, a melhor marca em toda a NBA entre jogadores qualificados. Em situações "superclutch" (2 minutos, 3 pontos), Westbrook fica atrás apenas de Jokic e Lillard. Nos momentos decisivos, o Wizards tem recorrido de novo e de novo a Westbrook - o que é mais impressionante quando você lembra que Washington tem um dos melhores pontuadores da NBA em Bradley Beal - e Russ tem correspondido.
Se essa sequência vai impulsionar Westbrook para ganhar algum prêmio individual, eu acho difícil; os prêmios são para o ano todo, não apenas a reta final, e os primeiros 2/3 da temporada de Westbrook (e do Wizards em geral, embora valha lembrar que foi um dos times mais afetados por COVID) foram desastrosos. Mas não é a falta de um voto para MVP ou time All-NBA que vai diminuir o impacto do que Russ tem feito nas últimas semanas; ele está em meio talvez à melhor sequência da carreira, e o Wizards passou de ser um pária para um dos times mais empolgantes da NBA. A sua temporada está salva, os playoffs deixaram de ser um sonho distante, e de repente tudo parece muito melhor em Washington.
E, como eu sou um otimista, quem sabe isso nos ensine a olhar através dos números superficiais de triplos-duplos para apreciar Westbrook - tanto o bom como o não tão bom - como ele é de verdade.
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