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Vinte e Dois

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

A defesa do Blazers sobre o MVP da NBA, e a série mais parelha dos playoffs

Nikola Jokic durante jogo Denver Nuggets x Portland Trail Blazers - Matthew Stockman/Getty Images/AFP
Nikola Jokic durante jogo Denver Nuggets x Portland Trail Blazers Imagem: Matthew Stockman/Getty Images/AFP

Vitor Camargo

Colunista do UOL

31/05/2021 04h00

Tirando uma grande surpresa, Nikola Jokic, do Denver Nuggets, vai ser eleito o MVP da NBA em 2020-21 - e não vai ser por pouco. Eu já escrevi uma coluna inteira a respeito, então não vou me estender no assunto aqui, mas é a combinação de Jokic de pontuação eficiente e passes magistrais que faz dele um dos mais dominantes jogadores ofensivos da NBA e o pilar de um time que era considerado um forte favorito ao título antes da infeliz lesão de Jamal Murray.

Dado isso, portanto, não é nenhuma surpresa que o grande foco do confronto entre Nuggets e Blazers fosse justamente o pivô sérvio, e como o Portland Trail Blazers iria fazer para tentar parar aquele que foi considerado o melhor jogador da temporada.

Defender Jokic é um desafio gigante, e não só por uma questão de talento. Jokic consegue pontuar de qualquer lugar da quadra: ele é imparável no garrafão com sua combinação de tamanho, agilidade e toque na bola, mas também consegue chutar de meia distância ou de três pontos, tanto a partir do drible como recebendo passes, parado ou em movimento. E, é claro, ele também é o melhor pivô passador da história da NBA.

Deixe Jokic sozinho, e ele consegue pontuar sobre qualquer defensor; botando a bola no chão contra jogadores mais altos, arremessando por cima dos mais baixos, e usando seu ótimo jogo de costas para a cesta. Mas dobre a marcação ou envie ajuda, e Jokic vai usar seus passes para dissecar a defesa e achar seus companheiros livres de novo e de novo. Defender o Nuggets é o perfeito exemplo de cobertor curto; é impossível tirar todas as armas que a equipe tem à sua disposição de uma vez, então o que resta é escolher onde concentrar seus esforços e viver com o resto.

E para o confronto com o Nuggets na primeira rodada dos playoffs, o Blazers tomou uma decisão interessante: eles decidiram tirar do jogo o Jokic passador, e forçar o pivô a ser um pontuador.

Durante a temporada regular, Jokic teve média de 8.3 assistências por jogo, a sexta maior marca de toda a NBA, e 75 passes por jogo, #2 na liga. Nos quatro primeiros jogos da série, esses números despencaram para 3 assistências e 65 passes por jogo. Em contrapartida, seus arremessos subiram de 18 para 22 por jogo. Olhando superficialmente, alguém poderia concluir que Jokic simplesmente está sendo um pouco mais individualista e buscando mais seu próprio ataque, mas não é o caso. Jokic não está fazendo isso por conta própria; é a defesa do Blazers que está forçando o pivô a isso.

Desde o primeiro minuto da série, o Blazers entrou com um plano claro: não deixar nenhum jogador do Nuggets livre quando Jokic tem a bola. Mesmo que isso signifique deixar Jokic atacar um missmatch, ou que gere arremessos livres para o pivô, o Blazers simplesmente não está enviando ajuda. Quando alguma ação envolvendo Jokic é executada - um pick-and-roll ou handoff, por exemplo - os defensores diretamente envolvidos são os responsáveis por defender a jogada, e todos os demais defensores ficam colados no seu homem sem tentar ajudar e possivelmente abrir linhas de passe para o sérvio. O mesmo é verdade em jogadas de isolação ou post ups.

A contrapartida dessa estratégia é óbvia: Jokic tem muito mais espaço para pontuar por conta própria, e ele está massacrando os defensores do Blazers que aparecem na sua frente. O Joker tem 31 pontos por jogo de média e está arremessando 54 FG%, 46 3PT% e 90 FT%, números de outro planeta. O Blazers tem talvez o jogador que melhor defende Jokic em toda a NBA em Jusuf Nurkic, e que tem feito um ótimo trabalho, mas não é suficiente: Jokic tem recursos demais para ser defendido no mano-a-mano, e nas duas vitórias do Nuggets anotou 36 e 38 pontos.

E o Nuggets também se ajustou para tirar proveito da estratégia defensiva do Blazers. Normalmente, Denver gosta de usar Jokic de forma mais estacionária no ataque, recebendo a bola em uma posição de tripla ameaça enquanto seus companheiros se movimentam fora da bola. Mas, com o Blazers marcando tão de perto essas ações e se recusando a dobrar em Jokic, Denver começou a fazer o oposto, colocando Jokic em mais ações e movimentações fora da bola para. Se Portland envia ajuda contra a movimentação, arrisca se expor aos passes do sérvio; mas, se mantiver a postura de não ajudar defensivamente, deixa Jokic ainda mais livre do que o normal. O Blazers optou pelo segundo, e Jokic tem aproveitado:

Mas o Blazers estava ciente disso quando montou seu plano de jogo; eles sabem que Jokic vai pontuar a vontade, e estão dispostos a se arriscar para segurar o jogo de passes de Denver. Com Jamal Murray machucado, Denver perde no seu jogo a dois com Jokic a melhor opção que tem para iniciar o ataque e quebrar defesas na pós-temporada, e o elenco baleado do Nuggets carece de outras boas opções para a criação. Facu Campazzo tem feito um ótimo trabalho infiltrando, mas é notório o quanto o Blazers não respeita o argentino como ameaça perto da cesta, mantendo seus os defensores em posição; o mesmo vale para Monte Morris. Michael Porter tem jogado muito bem ofensivamente, mas o Blazers sabe que ele não vai elevar ninguém ao seu redor. Jokic pode fazer 40 pontos por conta própria dessa maneira, mas o Blazers acredita que é um preço justo a se pagar para podar todo o resto do poder de fogo ofensivo do Nuggets e tirar a equipe do Colorado do seu ritmo. É uma aposta de risco, mas um risco calculado.

Mas, isso posto, a pergunta que realmente importa é: funcionou? O risco tem valido a pena para o Blazers, impedindo o ataque do Nuggets de ser tão poderoso como foi na temporada regular?

Os números dizem que não. Nos quatro jogos da série, Denver tem anotado 118,9 pontos por posse de bola, acima da sua marca de 116,3 da temporada regular - ainda que valha destacar que os números ofensivos como um todo estão mais altos na pós-temporada. Essa figura inclui ainda um atípico Jogo 4 para Denver; nos três primeiros jogos da série os números foram ainda melhores, espetaculares 124,4 por 100 posses, e mostraram a tradicional dominância de Denver com o seu pivô em quadra.

Estatisticamente, não tem nada indicando que a estratégia ousada do Blazers tenha dado resultado até aqui. Mas basquete como esporte não é tão linear assim, especialmente quando falamos de séries de sete jogos. É fácil descartar um Jogo 4 no qual o ataque de Denver foi muito mal (e Jokic também) como sendo o ponto fora da curva, um time cansado vendo o oponente abrir cedo uma grande vantagem e desligando a energia sabendo que ainda tem mando de quadra, mas pode ser também que o desgaste acumulado de Jokic tendo que carregar essa carga ofensiva e o resto do ataque precisando trabalhar mais pelos seus arremessos tenha pesado. É difícil saber, e esse é o desafio que os técnicos enfrentam nos playoffs: separar tendência de acaso.

O Blazers, por sua vez, está apostando no segundo cenário - que todo esse esforço acumulado em um jogo diferente do que o Nuggets está acostumado possa ir aos poucos afetando o resto do seu jogo. As esperanças de vitória do Blazers - e o fator decisivo nas duas vitórias do time para igualar a série - estão com seu ataque, não sua defesa, mas as duas coisas não são independentes: o Blazers está atacando Jokic defensivamente o tempo todo, colocando o pivô em espaço e forçando ajuda para acionar o perímetro e as bolas de três (que são seu grande trunfo na série), e é muito mais difícil para Jokic defender consistentemente essas ações arremessando 20, 25 vezes do outro lado da quadra. Jokic teve uma boa temporada defensiva, mas tem sido explorado pelo Blazers desde o Jogo 1; será que essas dificuldades defensivas tem a ver com sua carga do outro lado, ou é apenas coincidência? O mesmo vale para os coadjuvantes: com o ataque vindo com mais dificuldade sem os passes de Jokic, será que o resto do time do Nuggets gastando essa energia extra pode ser um fator? Ou será que o Blazers é simplesmente um matchup ruim para essa defesa o tempo todo, e as duas coisas não tem nenhuma relação?

A verdade é que é impossível saber com certeza; as séries da NBA são curtas demais para realmente separar o que é variância do que não é. Mas o Blazers fez a sua aposta, tem executado à perfeição a proposta que criou, e está conseguindo manter a série apertada até aqui, então alguma coisa parece estar funcionando. Agora são duas vitórias para cada lado, e a série volta para Denver na terça feira (dia 1) para mais um jogo decisivo, mais uma chance para o MVP da NBA dominar, ou então o Blazers tomar o controle da série de uma vez por todas.