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Vinte e Dois

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Como sérvio escolhido durante propaganda do Taco Bell virou o melhor da NBA

Nikola Jokic, do Denver Nuggets, recebe o prêmio de MPV antes do jogo contra o Phoenix Suns - Garrett Ellwood/NBAE via Getty Images
Nikola Jokic, do Denver Nuggets, recebe o prêmio de MPV antes do jogo contra o Phoenix Suns Imagem: Garrett Ellwood/NBAE via Getty Images

Vitor Camargo

Colunista do UOL

13/06/2021 04h00

O Draft de 2014 da NBA, na época, era um dois mais aguardados e antecipados dos últimos tempos. As suas duas primeiras escolhas, Andrew Wiggins e Jabari Parker, eram consideradas futuras superestrelas. A terceira escolha, Joel Embiid, era considerado ainda melhor - caso conseguisse ficar saudável. Mesmo o resto do Top10 era composto por vários jogadores vistos como possíveis estrelas ou, pelo menos, bons jogadores de NBA.

Mas, sete anos depois, o primeiro jogador dessa classe de Draft a ser eleito MVP da NBA não foi nenhum deles. Na verdade, não foi sequer um jogador escolhido na primeira rodada.

Nikola Jokic foi selecionado pelo Denver Nuggets com a escolha de número 41 nesse Draft, na segunda rodada. E, apesar de desconhecido nos Estados Unidos à época, a escolha de Jokic chamou a atenção por um motivo inusitado: ela foi anunciada enquanto a transmissão oficial do Draft passava uma propaganda da rede de restaurantes Taco Bell.

Como jogador, a escolha de Jokic não provocou muitas reações. Na época, Jokic era um pivô de 19 anos que jogava pela equipe sérvia KK Mega Basket e estava apenas começando a ganhar minutos com o time principal, e o próprio fato de ter sido selecionado na escolha #41 diz muito sobre como ele era visto. Jogadores escolhidos na segunda rodada não são cotados como futuras estrelas; a maioria das equipes fica mais do que satisfeita se achar um jogador de rotação nessas escolhas, e isso é ainda mais verdade com jogadores internacionais, que muitas vezes fazem carreira na Europa e sequer chegam a ir para a NBA.

São muitos os motivos que levaram tantos times profissionais a passarem Jokic. Além de jogar em um time menor da Europa e de um certo preconceito que os times tendem a ter com prospectos europeus (só ver três times passando Luka Doncic alguns anos depois), Jokic não se encaixava nos moldes dos pivôs que a NBA procura. Gordinho, lento e pouco atlético, Jokic é o exato oposto do padrão que é visto como o ideal para a posição, jogadores fortes e atléticos, que protegem o aro na defesa e jogam acima do aro no ataque; e, em uma NBA que cada vez mais caminhava na direção de um jogo de perímetro mais rápido e veloz que nunca, eram legítimas as dúvidas sobre como um jogador lento e pesado como Jokic faria para sobreviver defensivamente.

Mas o Denver, liderado pelo seu olheiro internacional Rafal Juc, enxergou algo diferente naquele pivô. Eles serão os primeiros a admitir que não esperavam que Jokic se tornasse um futuro MVP, é claro, mas Juc se interessou pela combinação única de tamanho, passe, arremesso e inteligência de jogo do sérvio, e viu nele alguém que poderia um dia se tornar um sólido titular na NBA. Com sua terceira escolha naquele Draft, Denver achou que valia a aposta.

Jokic jogou mais um ano na Sérvia antes de ir para a NBA em 2015. Inicialmente vindo do banco no time dos Nuggets, Jokic logo se estabeleceu como jogador de futuro, assumindo a titularidade definitiva da equipe depois do All-Star Game e terminando em terceiro na votação para Calouro do Ano. O problema é que Denver já tinha usado outra escolha do mesmíssimo Draft de 2014 (a #15) em outro pivô europeu, o bósnio Jusuf Nurkic, e agora o time se via na posição de ter dois pivôs titulares ao mesmo tempo e precisar escolher um para ficar. Denver tentou jogar com os dois juntos e adiou de todas as formas possíveis ter que tomar uma decisão, mas finalmente os Nuggets optaram por Jokic: no meio da temporada 2016-17 Nurkic foi trocado para Portland. A troca não apenas deu a Jokic oficialmente a posição de pivô titular do futuro na franquial, mas também estabeleceu Jokic de vez como o pilar da reconstrução do Denver Nuggets.

Porque Denver tinha entendido algo que passou desapercebido ao resto da NBA durante o Draft. Apesar da evolução do basquete nessa direção mais baixa, veloz, com ênfase nas bolas longas e passes rápidos criar realmente algumas dificuldades defensivas para o lento Jokic (que não acabou sendo nem de longe tão vulnerável quanto se pensava), o seu conjunto único de habilidades fazia dele o pivô perfeito do outro lado da quadra para o basquete moderno. E não só isso, mas esse basquete espaçado e diversificado também era perfeito para tirar o melhor das habilidades de Nikola Jokic: não apenas como ótimo arremessador, o que permitia ao time manter o espaçamento no ataque sem abdicar ao tamanho que Jokic traz no garrafão, mas principalmente com seus passes.

Não é exagero nenhum dizer que Jokic é o melhor pivô passador da história da NBA, e foi exatamente ao redor dessa habilidade que os Nuggets decidiram que iriam montar o seu time. Jokic é capaz de achar qualquer jogador, em qualquer lugar da quadra, então Denver focou em adquirir jogadores que pudessem se movimentar fora da bola, raciocinar em alta velocidade e finalizar após receber o passe do pivô. E a incrível habilidade de Jokic traz benefícios que vão muito além de simplesmente conseguir gerar ataque para companheiros mesmo que eles não sejam tão bons criando o próprio chute: como seus companheiros sabem que Jokic vai conseguir entregar a bola para qualquer jogador que se encontre em boa situação e com espaço, eles nunca param de se mover, de cortar, de fazer corta-luz e buscar as aberturas, transformando o ataque dos Nuggets em uma máquina de movimento perpétuo que desgasta até o adversário mais bem preparado. Se Jokic não era como os outros pivôs da NBA, bem, azar da NBA!

Uma vez esse estilo de jogo definido, as assistências de Jokic foram subindo a cada ano e elas também cresceu a estrela do pivô, que passou de de jovem promessa para titular absoluto, depois All Star e All-NBA. O único ingrediente que faltava para Jokic, e que acabou sendo decisivo para seu salto até ser eleito o MVP da NBA em 2020-21, era ser mais dominante com a pontuação; não que Jokic não fosse capaz de pontuar em altíssimo nível - pelo contrário, é um dos pontuadores mais completos e versáteis da NBA, capaz de pontuar de qualquer lugar e de todas as formas - mas ele sempre demonstrou uma certa passividade em dominar demais a bola, preferindo jogar com seus passes na maioria do tempo. 2021 foi o ano que Jokic finalmente juntou essa peça final ao seu jogo, assumindo um papel cada vez maior no ataque: seus arremessos por jogo subiram em 3, seus pontos por jogo em 7, e tudo isso sem perder sua incrível eficiência - o que por sua vez só forçou as defesas a se preocuparem mais com o pivô e abriu ainda mais linhas de passe, fazendo da sua distribuição de jogo ainda mais mortal. Ainda que muitos busquem diminuir os feitos do pivô - em grande parte pelos mesmos estigmas e preconceitos que fizeram ele cair no Draft em primeiro lugar - não pode existir nenhuma dúvida de que se trata de um dos melhores jogadores da NBA, e um MVP extremamente merecedor desse prêmio.

E, claro, a ascensão de Jokic também se traduziu em um crescimento do próprio Denver Nuggets, que em um período de cinco anos passou de time em reconstrução para time de playoffs, para finalista de conferência, e para e candidato ao título. E ainda que alguns usarão a eliminação dos Nuggets na segunda rodada dos playoffs - nas quais Jokic teve três dos seus quatro melhores companheiros machucados, vale citar - para desmerecer o seu prêmio de MVP, é importante frisar que Jokic há muito já se estabeleceu como um dos melhores e mais dominantes jogadores de pós-temporada da sua geração, com médias de 26 pontos, 11 rebotes, 7 assistências por jogo e aproveitamento de 51-41-84 em 42 partidas, levando Denver não apenas a uma final de conferência como a TRÊS vitórias em Jogos 7, incluindo a épica virada sobre o favoritíssimo Clippers em 2020.

A essa altura, simplesmente não tem mais falhas no currículo de Jokic, e nem pode existir nenhuma dúvida de que se trata de um dos melhores jogadores da NBA, um dos melhores jogadores ofensivos de todos os tempos, e alguém que caminha a passos largos para entrar no Panteão dos grandes da história do esporte. E considerando o quão novo Jokic (26 anos) e o resto do núcleo dos Nuggets ainda é, é bem possível que esse não seja o último MVP do sérvio, e quem sabe tenha um título de NBA (ou mais) no seu futuro.

Nada mal para quem foi escolhido na segunda rodada do Draft durante um comercial do Taco Bell.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL