Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
O preocupante excesso de lesões nos playoffs da NBA
A temporada de 2021 era uma das mais importantes para a NBA em algum tempo. Lidando com a brutal queda de receita causada pela pandemia de covid, esse ano deveria ser a ponte entre a temporada interrompida de 2020 e a normalidade em 2022. O número de jogos estaria mais próximo dos 82, acima dos mínimos estabelecidos nas cotas de televisão. O calendário ainda começaria muito depois do comum, mas a ideia era acabar em julho e abrir caminho para uma normalização no ano seguinte, enquanto fãs voltavam a encher os ginásios.
Esse projeto era voltado para o lado financeiro, mas dentro de quadra tem encontrado problemas. Em especial, a temporada 2021 pode acabar ficando marcada por algo bem específico: um excesso de lesões definindo os resultados da pós-temporada.
Agora, é importante ter em mente que lesões sempre foram parte do jogo. Você pode pegar qualquer ano, e vai ver algum jogador importante se contundindo nos playoffs. Porém, ao mesmo tempo, eu não me lembro de ver uma pós-temporada tão marcada e devastada por lesões, com tantos favoritos ao título e jogadores chave machucados. Essas contusões têm sido tão decisivas em moldar os resultados dos playoffs que é muito possível que o título acabe se resumindo a "Quem teve mais sorte com lesões".
Nenhum time ilustra melhor esse ponto do que o Phoenix Suns, que na primeira rodada enfrentou o atual campeão Los Angeles Lakers. O Suns saiu em vantagem, mas uma lesão no ombro do seu melhor jogador ameaçou estragar tudo: com Paul limitado, o Suns se tornou presa fácil para o Lakers, que dominou e virou a série nos Jogos 2 e 3. Isto é, até Anthony Davis machucar a perna e perder o resto da série, o que virou novamente o equilíbrio do confronto a favor dos Suns, que venceu os três jogos seguintes na ausência do astro do Lakers. Phoenix, então, avançou para a segunda rodada e varreu um time do Denver Nuggets que, alguns meses atrás, era considerado um dos mais fortes candidatos ao título... antes de perder seu segundo melhor jogador, Jamal Murray, com uma lesão no joelho. Denver acabou chegando aos playoffs sem dois titulares e três dos seus principais armadores, e ainda teve de lidar com outra lesão em Michael Porter Jr. ao longo da série.
Embora menos extremo, a outra semifinal do Oeste também teve sua cota, e a ausência de Mike Conley tem sido parte importante de porque o ataque do Jazz tem sofrido tanto contra o small ball dos Clippers. As trocas frequentes da equipe de LA impediram que Utah abra os espaços de costume com seu ataque de movimento constante, e a grande forma de bater esse tipo de defesa é desmontando a primeira linha a partir do drible, como Mitchell tem feito. Ter seu armador titular em Conley daria a Utah um segundo criador capaz de fazer esse papel, e alguém melhor que Mitchell usando esses espaços para criar para outros e colocar em movimento a engrenagem do ataque. Utah, aliás, ainda não perdeu nesses playoffs com o quinteto titular completo. Sua única outra derrota veio contra Memphis, em um jogo no qual Mitchell ainda estava fora, com uma lesão no pé. E o Clippers, jogando sem Serge Ibaka —fora da temporada com uma lesão nas costas— tem de tirar proveito disso, assim como soube aproveitar a lesão no pescoço que limitou Luka Doncic na primeira rodada.
Então, praticamente todas as séries do Oeste estão sendo gravemente impactadas e até decididas por lesões, mas pelo menos o Leste está mais tranquilo... certo?
Bem, vocês talvez tenham ouvido falar sobre Bucks vs Nets. Os Nets perderam um dos melhores jogadores da NBA com a saída de James Harden logo no primeiro minuto do Jogo 1, mas continuaram dominando em casa mesmo sem ele. Até que, no Jogo 4, foi a vez de Kyrie Irving machucar o tornozelo e sem duas estrelas, a série virou de vez a favor do Mikwaukee Bucks —que, embora com uma lesão obviamente menor, também está sem um titular importante em Donte DiVincenzo. E os Nets, vale lembrar, chegaram até aqui vencendo um Boston Celtics que chegou ao final da pós-temporada sem TRÊS titulares, enquanto os Bucks venceram outro time baleado no Miami Heat.
E tem o confronto entre Sixers e Hawks, no qual não só ambos os times estão sem titulares importantes —DeAndre Hunter para os Hawks, Danny Green para os Sixers— como toda a série parece depender do estado de saúde de Joel Embiid, que está atuando com um menisco rompido. No Jogo 4, um Embiid visivelmente limitado teve uma performance historicamente ruim com 4-20 nos arremessos. Isso foi determinante para o Atlanta Hawks empatar a série em 2-2: apesar dos problemas de Embiid, ainda foi um jogo de três pontos no qual Philly teve a bandeja da vitória faltando 7 segundos (Trae Young, que arremessou apenas 8-26, também estava jogando com uma lesão no ombro).
Embiid vinha sendo a força mais dominante desses playoffs, mas foi notável o quanto a falta de mobilidade afetou o jogador, impedindo que ele engolisse os arremessos perto do aro e se limitando a um papel mais imóvel de arremessador. Eu destaquei na prévia da série como a saúde de Embiid era um ponto crítico, e isso tem se provado verdade: com Embiid saudável, Philly tem sido o melhor time; com Embiid baleado, os Hawks têm uma chance real. Como ele vai ficar daqui para frente, com apenas 1 dia de descanso entre os jogos, vai ser crucial.
Então, se você está contando, essa é a lista apenas das estrelas que tiveram lesões nesses playoffs: LeBron James, Russell Westbrook, Bradley Beal, Anthony Davis, Trae Young, Jamal Murray, Chris Paul, Luka Doncic, Mike Conley, Donovan Mitchell, Jaylen Brown, Kemba Walker, Joel Embiid, Kyrie Irving e James Harden —isso sem contar os coadjuvantes importantes como DiVincenzo ou Hunter.
E não é só impressão. De acordo com dados da ESPN, essa é de longe a temporada com mais jogos perdidos por lesão desde que começou a coletar informações em 2009 —e isso sem contar jogos perdidos por covid e problemas relacionados. Em termos de All Stars, os números são ainda mais estarrecedores: mais de 19% dos jogos foram perdidos por esses jogadores devido a lesões, a maior marca da história da NBA desde que se tem notícia. Os dados têm corroborado a percepção: a temporada 2021 está vivendo uma epidemia de lesões única no basquete moderno.
A pergunta que fica é: isso é apenas azar, ou tem algo a mais por trás dos números? Sim, lesões fazem parte da NBA, e algumas contusões são fatalidades inevitáveis, como a de Kyrie Irving. Mas é difícil ignorar que essa foi, de longe, a temporada mais fisicamente desgastante da NBA moderna em termos de calendário, e que esse tipo de desgaste físico costuma ter uma correlação direta com o aumento de lesões.
E essa maratona desgastante, por sua vez, é consequência direta do plano da NBA de voltar à normalidade e começar a recuperar as perdas financeiras da pandemia já em 2021. Com menos tempo por causa da paralisação, a NBA poderia ter feito uma temporada menor, que permitisse aos times mais tempo de descanso; mas, isso teria custado dinheiro de televisão, e preferiram encaixar mais jogos em um período muito menor. A NBA poderia ter estendido a data final da temporada para espaçar melhor esses jogos, mas isso teria significado começar 2021-22 atrasado e ganhar menos dinheiro com estádios lotados, então, não fizeram. No final, o que acabou acontecendo é que os jogadores da NBA tiveram sua menor offseason na história moderna, enfrentaram o calendário mais condensado e com menos descansos dos últimos tempos, e tudo isso em um momento no qual a NBA está abertamente proibindo seus times de descansarem seus jogadores com regularidade. Dada essa verdadeira maratona física, não é à toa que estamos tendo um boom de lesões inédito em 2021.
É importante lembrar que esse plano de retomada não é uma imposição unilateral por parte da NBA, ele foi acordado junto à associação dos jogadores, a NBPA, que por sua vez é comandada pelos principais e mais bem pagos jogadores da liga —e que teriam mais a perder financeiramente com um plano mais conservador. A liga e os representantes dos jogadores estão juntos nesse plano que colocou a saúde financeira em primeiro lugar em relação à saúde dos seus atletas. Agora estamos vendo o que podem ser as consequências dessa decisão dentro de quadra, conforme lesões continuam a devastar o que deveria ser uma das pós-temporadas mais parelhas e interessantes dos últimos tempos.
E, com ainda metade dos playoffs pela frente, só nos resta torcer para que tenhamos um título decidido na bola, não no departamento médico.
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