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Vinte e Dois

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Os heróis improváveis que deixaram os Bucks a uma vitória das Finais da NBA

Jrue Holiday em ação pelo Milwaukee Bucks contra o Atlanta Hawks nos playoffs da NBA - Patrick McDermott/Getty Images/AFP
Jrue Holiday em ação pelo Milwaukee Bucks contra o Atlanta Hawks nos playoffs da NBA Imagem: Patrick McDermott/Getty Images/AFP

Vitor Camargo

Colunista do UOL

03/07/2021 04h00

O Jogo 5 entre Bucks e Hawks foi tão estranho quanto você imaginaria dadas as ausências das duas grandes estrelas da série, Trae Young e Giannis Antetokoumpo, mas também foi bastante interessante. E, nessa "nova" série de melhor de três sem Trae e Giannis, foi o Milwaukee Bucks quem acertou o primeiro golpe e se colocou a uma vitória das Finais da NBA, dominando o jogo do começo ao fim.

A vitória dos Bucks no Jogo 5 foi uma combinação de todos os coadjuvantes dos Bucks aparecendo quando o time precisou - o único titular dos Bucks que terminou o jogo com menos de 22 pontos foi PJ Tucker - e uma dominação tática vindo de excelentes ajustes do tão criticado (inclusive por mim) Mike Budenholzer. De muitas maneiras, essa vitória lembrou bastante o que aconteceu com os Hawks no Jogo 4 sem Trae: apesar da inegável perda individual, a equipe usou a ausência do seu astro para variar mais o ataque, rodar a bola e tentar maximizar cada jogador individualmente ao invés de se adaptar às características de um jogador só, o que tornou o ataque mais variado, completo e imprevisível, e pareceu pegar Atlanta um pouco desprevenido.

Para o lugar de Giannis, Budenholzer optou por usar Bobby Portis de titular, e a lógica era bem simples: Portis é um excelente arremessador de três, que permitia aos Bucks abrirem a quadra com cinco arremessadores espaçados pelo perímetro, enquanto mantinha a pressão sobre o aro que vinha sendo o grande trunfo de Milwaukee na série. Embora parte do que deixava a proteção de aro dos Bucks tão exposta fosse Giannis dominando Capela - seu melhor defensor e protetor de garrafão - essa formação espaçada oferecia problemas semelhantes para o pivô, que precisava defender mais em espaço e longe da cesta, e manter dois jogadores grandes em quadra em Lopez e Portis oferecia mais opções para os Bucks castigarem essa falha defensiva.

Esse é o lado "bom" da ausência de Giannis e sua falta de arremesso: o garrafão fica muito menos congestionado, e dificulta em muito a tarefa da defesa dos Hawks em cobrir chão e tomar decisões. Abrindo a quadra dessa maneira, Middleton e principalmente Jrue Holiday tiveram muito mais espaço para infiltrar, atacar o aro e criar em espaço, gerando chutes muito mais fáceis do que os arremessos contestados dos outros jogos. Holiday, em particular, foi o grande protagonista, alguém mais confortável infiltrando e atacando o aro do que Middleton. Jogos como esse representam perfeitamente por que os Bucks foram atrás do ex-armador dos Pelicans: ele é um jogador muito mais difícil de ser tirado do jogo, e ontem isso esteve em primeiro plano. Ele arremessou de fora, atacou a cesta, destruiu seus marcadores a partir do drible e desmontou totalmente a defesa dos Hawks:

Por muito do jogo, o ataque dos Bucks foi tão simples quanto isso: espace a quadra com cinco arremessadores, deixe Jrue Holiday destruir os mismatches na marcação com seus dribles, e forçar a defesa dos Hawks a um dilema. Se não enviam ajuda, o espaçamento faz com que Holiday tenha espaço de sobra para finalizar a jogada sozinho. Mas, se um segundo marcador vier conter o ataque, isso abre uma avenida para seus passes certeiros (foram 13 assistências no jogo). E isso vem, em parte, do segundo grande benefício da ausência de Giannis, que é nos lembrar de que Brook Lopez já foi eleito All Star por causa do seu trabalho no garrafão.

Com Giannis em quadra, que pontua perto do aro e precisa de espaço no garrafão, Lopez acaba muitas vezes atuando como arremessador de três pontos, sem espaço para atuar perto da cesta e precisando abrir a quadra para Giannis - e sua capacidade de fazer isso bem é parte do que faz de Lopez tão valioso. Mas, na sua ausência, vimos finalmente um Brook Lopez que lembrava mais o jogador do tempo dos Nets, dominando Atlanta no pick-and-roll, finalizando no aro e pontuando perto da cesta. E ele mostrou nesse jogo toda sua inteligência para saber quando manter a ameaça do chute de fora, e quando havia a oportunidade de infiltrar e conseguir suas cestas. Veja esse pick-and-roll, por exemplo:

Brook terminou o jogo com 33 pontos em 14-18 nos arremessos, se juntando a Giannis como os únicos jogadores dos últimos 30 anos com 33+ pontos em 75+ FG% nos playoffs. E, quando não foi Lopez aproveitando esses espaços e esses passes, foi Bobby Portes, que também teve uma partida espetacular:

E isso não é para dizer que os Bucks são melhores sem Giannis, porque não são. Mas, assim como aconteceu com os Hawks, essa mudança de estilo para um basquete mais variado e completo pode atrapalhar um adversário preparado para enfrentar algo diferente. O problema é quando o adversário adapta, e você sente falta do talento individual para quebrar as defesas. Como aconteceu com Atlanta no Jogo 5.

A opção de Bud pela formação com dois jogadores de garrafão também era uma aposta em algo a mais: que Atlanta, sem Trae, não seria capaz de castigar esse quinteto mais lento defensivamente. E, ao invés de oferecer o drop para os Hawks, os Bucks simplesmente entraram para trocar a marcação; não em apenas alguns confrontos específicos, mas em literalmente todas as ações ofensivas do Atlanta Hawks, mais do que jamais tinha feito em qualquer jogo de playoffs sob o comando de Budenholzer. Milwaukee vinha trocando mais a marcação nesses playoffs, mas em geral fazia isso em situações específicas, escondendo cuidadosamente alguns dos seus jogadores (em especial Lopez). No Jogo 5? Milwaukee deixou numa boa Lopez marcando Bogdanovic ou Huerter nas trocas, e nem esboçou a sugestão de enviar ajuda.

A lógica era simples: Atlanta não tem jogadores dominantes no poste baixo ou criadores dinâmicos à partir do drible além de Trae, então as trocas serviam para eliminar as ações adversárias e dava aos Hawks mismatches que eles não seriam capazes de castigar consistentemente. Teve momentos onde funcionou, mas não com o volume necessário, e Atlanta também acabo mordendo a isca fácil demais; assim que conseguia um mismatch, o time parava de rodar a bola e atacava um contra um, que era exatamente o que os Bucks queriam.

Suas melhores posses vinham quando ignoravam o mismatch para continuar atacando a cesta, rodando a bola e trabalhando a vantagem inicial, mas em geral seus jogadores - em especial Huerter, em noite partida - exageraram nas jogadas individuais e atacaram repetidamente sem sucesso em isolação. Não ajudou que a melhor forma de bater Portis ou Lopez - explorando a velocidade e atacando a cesta - era atrapalhada pela constante presença de Capela no garrafão, fechando espaços e oferecendo ajuda fácil aos Bucks.

A resposta de Bud a isso foi usar mais Gallinari, talvez o único jogador do time realmente capaz de explorar um defensor menor no poste baixo; foi o único jogador que conseguiu deixar Milwaukee desconfortável com as trocas, e por vezes forçou ajudas e quebras que finalmente iniciaram boas sequências de movimentação de bola que geraram bons arremessos para os Hawks.

Ajudou nesse sentido o quão limitado é o elenco dos Bucks com todas as lesões. Atualmente, Milwaukee só tem seis jogadores saudáveis que podem ficar em quadra sem estragar tudo de um ponto de vista tático: os cinco titulares, e Pat Connaughton. Bud tentou Teague, tentou Thanasis Antetokounmpo, e foi um fiasco; os dois foram impiedosamente atacados e logo tirados de quadra. Até mesmo Forbes se mostrou praticamente impossível de manter em quadra: defensivamente, ele não consegue dar conta dos mismatches que a defesa de trocas estava criando e oferecia um alvo fácil para ser atacado, forçando os Bucks ou a abandonar as trocas que estavam dando tão certo ou então a enviar ajuda para evitar o mismatch - duas situações que os Hawks aproveitaram para pontuar a rodo.

Bud fez um bom trabalho percebendo isso e limitando o tempo do seu banco, deixando os titulares em quadra a maior parte dos minutos, o que ajudou a minimizar o problema. Ainda assim, o elenco mais curto e a necessidade de jogar os titulares um excesso de minutos pode ser algo a se ficar de olho no resto da série.

Mas a verdade é que os Bucks fizeram um Jogo 5 absolutamente perfeito na ausência da sua grande estrela. Eu disse no texto do Jogo 4 como Milwaukee ainda tinha uma vantagem de talento, mas Atlanta tinha a vantagem na capacidade de adaptação e variação tática. Mas, no Jogo 5, o que nós vimos dos Bucks nesse sentido - um plano de jogo perfeito, execução impecável, ajustes precisos e uma capacidade de todo seu elenco de tapar um pouco do buraco deixado por Giannis - foi impressionante, e um fator gigante para que seus melhores jogadores pudessem brilhar.

E, como consequência, os Bucks agora estão a apenas um jogo das Finais da NBA.