Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Jornalismo com sentimento de arquibancada: orgulho que nem todos podem ter!
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Eu não torço para o Santos. E, para a incredulidade de alguns amigos santistas, não odeio o Santos. Nunca odiei. Há, por incrível que pareça, quem ache uma ofensa o seu time não ser detestado por um torcedor de uma equipe vista como arqui-inimiga...
Ao contrário. Não torço, mas não odeio o Santos Futebol Clube. E amo a cidade de Santos. Se o desgoverno atual e os liberais futuros não acabarem com todos os direitos trabalhistas e civilizatórios, até penso, mais para frente, se um dia conseguir me aposentar, morar na cidade. Ou, quem sabe, até antes, se o trabalho nesses tempos tecnológcios de home office permitr.
Tenho lembranças afetivas com todas as cidades do Baixada (especialmente a "minha" Praia Grande, a ZL com mar, e as inesquecíveis férias familiares anuais na Vila Tupy), obviamente me identifico com as cores do Alvinegro Praiano e, como torcedor (não revelo de jeito nenhum que sou corinthiano, maloqueiro e sofredor porque morro de medo dos imbecis intolerantes que não sabem conviver em sociedade e respeitar a torcida alheia), não tenho pelo Peixe o mesmo sentimento de rivalidade que nutro pelos rivais do meu time da capital paulista.
Na minha vida particular, esperneie ou não os idiotas sem lugar de fala que querem opinar sobre as cores e preferências alheias, eu jamais uso verde. Nem planta tenho no meu apartamento. E, na minha coleção de Playboys antigas, falta a edição com a "Mulher Samambaia" porque seu sobrenome faz alusão a cor do maior rival do meu clube.
Voltando ao Santos, de forma lenta e gradual só para irritar a geração que chama dois parágrafos de "textão", são vários motivos que me levam a não ter bronca do Peixe. Se meu pai, corinthiano, viveu em sua juventude a fila do Timão e sofreu contra o Santos de Pelé, a minha geração (sou 1977) cresceu durante a fila do Santos e, no pós-1984 (ano em que o Aragão não deu aquele pênalti escandaloso no Zenon, né, santista Chico Silva), são incontáveis os times ruins do Santos que vi.
A rivalidade alvinegra não estava presente no meu dia a dia. Na minha família, não tinha torcedores peixeiros e, na escola, os meus melhores e piores amigos e os colegas de sala torciam mais, pela ordem, para o meu time (aquele que não conto para ninguém), para o São Paulo e para o Palmeiras. Até tinha santista (grande, Jura, treinador e professor de educação física), como tinha torcedores da Portuguesa, do Grêmio, do Flamengo, da Ponte Preta, mas não em número suficiente que provocasse aquele desejo de secar ou torcer contra para não ouvir piada no recreio.
Não é provocação. Como filho e neto de português, cresci com tios, avós e primos torcedores lusos e a gozação entre a gente era maior na minha bolha privada do que com santistas.
O menino cresceu e virou jornalista. Estava trabalhando no Morumbi em 2002 quando o Santos saiu da fila em cima do meu time (que não falo qual é nem sob tortura), como estava também no ano anterior, quando Ricardinho fez aquele gol na última bola e tirou o Peixe da final. Vibrei em um ano, vi a vibração adversária no outro, mas tudo dentro da maior desportividade.
Hoje tenho muito mais convívio com santistas, a começar com o padrinho do meu filho Basílio (o nome não é homenagem aquele atacante carequinha que jogou no Peixe). E, ao contrário do que acredita a torcida santistas, tem muito santista na mídia e, como jornalista esportivo, profissão que exerço desde os anos 1990, fiz amizade e convivo com muitos colegas que torcem para o Santos, orgulho que eu não posso ter. Mas respeito. Porque quem ama o seu time respeita profundamente a paixão alheia. É como amar a sua mãe (e a minha é são-paulina) e respeitar e entender o amor do amigo por sua respectiva mãe.
Insisto. Respeito o sentimento do santista, do palmeirense, do são-paulino... E, mesmo sem ser o meu primeiro time, gosto muito e, não sendo contra o meu time, torço e vou, como fui muitas e muitas vezes, até a Javari e ao Canindé apoiar o Juventus, clube em que joguei na minha infância e adolescência, e a Portuguesa, time dos meus saudosos e egrégios avós Damião e Adélia.
No entanto, em 45 anos de vida, 40 deles frequentando estádios como torcedores e os últimos 25 também como jornalista, só dois palcos me emocionaram pela simples existência. A primeira vez que fui ao Maracanã e à Vila Belmiro mexeram comigo.
Meu filho, corinthiano como o meu pai, como meus irmãos e como meus primos (só não vou dizer corinthiano com th como eu porque, lembrem, não falo meu time), pegou a fase final do Pacaembu e viu vários jogos na Neo Química Arena. No entanto, quando fomos a Santos, levei ele à Vila Belmiro para conhecer o mítico estádio, tirar fotos, mostrar a estátua. Demos uma volta externa bem de turista mesmo, mostrei o salão de barbeiro que tem Pelé como cliente, a estátua do Zito... Típico programa de pai e filho que ama futebol e que, um dia, espero repetir com ele no Wanda Metropolitano, no Emirates e no Signal Iduna Park, dado a simpatia da cria pelo Atlético de Madrid, Arsenal e Borussia Dortmund.
Todo esse "pequeno' (contém ironia) preâmbulo é para deixar claro que futebol, antes de um negócio, antes de uma profissão, antes de grade de televisão, é um sentimento singular vivido no plural. Sentimento vivido em família, sanguínea ou não.
Como cidadão, que está jornalista há 28 anos (25 deles, cobrindo futebol), estou vestindo neste texto o uniforme antipático de ombudsman para reclamar que falta sentimento de arquibancada na crônica esportiva!
O que isso tem a ver com o Santos? O Santos venceu o La Calera por 1 a 0 na gélida quarta-feira. Soube do resultado só nesta quinta porque, como não estava cobrindo o jogo e não tinha obrigação profissional de acompanhar, entreguei-me ao frio e peguei no sono. Não vou falar do jogo, dos acertos, dos erros, do juiz e da classificação porque já tem muito cara de pau que analisa o que não vê.
Meu ponto é: numa quarta-feira à noite, de um frio europeu, a Vila Belmiro foi ao delírio com uma vitória santista na última bola. Dezenas, talvez centenas dos presentes, possivelmente, estiveram pela primeira vez na Vila. Para outros, habitués do palco, foi a primeira vez em que levaram o filho, a filha, o namorado, ou a namorada ao estádio.
Todo jogo, inclusive um Santos 1 x 0 La Calera, perdido numa quarta-feira polar, válido pela fase de classificação da Sul-Americana, é um jogo único. Com personagens únicos. Para além dos moradores de Santos, milhares de torcedores pagaram o caríssimo pedágio que separa São Paulo de Santos e caíram na estrada para ver o Peixe. E chegaram em casa, com ainda mais frio, só no meio da madrugada.
Não dá para ignorar isso e dizer, como alguns dizem, que era bom o Santos não avançar na Sul-Americana porque não tem elenco para jogar Brasileiro, Copa do Brasil e também Sul-Americana. Não dá! Não é possível, o jornalismo estar tão distante do público ao ponto de não entender que futebol tem sentimento, não é apenas uma planilha científica de Excel em que se analisa questões físicas e econômicas.
O negócio existe, os campeonatos existem, transações bilionárias são feitas, mas a mídia só transmite ou analisa as partidas porque o torcedor, seja de qual time for, é apaixonado. Não há pey-per-view para acompanhar leilão da bolsa nem briga de redes para transmitir as reuniões de grandes multinacionais de petróleo, gás natural ou carvão
Não defendo, aliás, registro, com todas as letras, que sou radicalmente contrário ao "jornalismo" que se comporta como torcedor e fala ou repete o que o torcedor quer ouvir, ignorando as verdades dos fatos e que "adapta" fatos para versões que agradem à torcida. Dizer que foi pênalti quando não foi ou analisar que a equipe vai lutar pelo título quando está muito claro que não há elenco para isso não é jornalismo com sentimento, é picaretagem e enganação.
Sentimento é não mentir para o torcedor ou tratá-lo como idiota mimado e enchê-lo de textos, vídeos e áudios mentirosos... O que defendo é que o jornalismo parta do pressuposto que o jogo do Santos tem que ser visto pela ótica do torcedor do Santos. E ele, óbvio, foi à Vila, seja sozinho, de casal ou com o filho, para torcer para o seu time ganhar. Ninguém compra ingresso e passa frio para torcer para a equipe ser eliminada para ter menos desgaste na temporada....
Não é o Santos. São todos. Da minha geração, ninguém venceu mais que o são-paulino. Minha adolescência e juventude correspondem à era Telê Santana, ao bicampeonato mundial e ao crescimento da torcida. Não foram poucos amigos são-paulinos daminha idade que, apesar de viverem tudo isso, emocionaram-se verdadeiramente em 2021 com a conquista do Paulistão!
Para muitos deles, além do fim da fila, foi o primeiro título do Tricolor que viram junto dos filhos, ou do(a) companheiro(a). Para um amigo próximo, Tricolor por causa do pai, foi o primeiro título do São Paulo após o desencarne do velho dele. E a imprensa, parte considerável dela, tratou como "Paulistinha", "título menor", "era melhor perder e não desgastar o elenco"...
Menor para quem, bacana? Como assim? Muricy Ramalho, tricampeão brasileiro como técnico, aos prantos na tribuna do Morumbi com a conquista estadual, uma legião, de são-paulinos indo à loucura do lado externo do estádio e os analistas repetindo que não vale, que vale pouco... Quem decide o que vale e o quanto vale é o torcedor!
Abel Ferreira pode receber todas as críticas táticas e profissionais sobre erros que cometeu. Ninguém está acima do bem ou do mal. Mas não dá para criticar o treinador sem entender que ele venceu as duas Libertadores que disputou pelo Palmeiras e que, para a gente que canta e vibra por ele, é unanimidade. Para o público dele, Abel comunica, vence e convence. Quem decide se ele merece ou não ser amado a esse ponto não é quem ama, no caso, não são os alviverdes?
A arrogância elitista da mídia de outras editorias, que sempre tratou o que acontece na periferia (merrrmãos cariocas preferem o termo "subúrbio") como algo menor e menos importante do que acontece no centro expandido, invadiu também a editoria esportiva.... Para uma ala numerosa e de grande visibilidade, o choro do torcedor, o sentimento, a alegria e o sofrimento dele vale menos do que o mapa de desgaste analisado pelo fisiologista de prancheta. Não pode ser assim!
Jornalismo é feito de fatos, de verdade, de imparcialidade, mas não existe futebol sem sentimento e, pois, não existe jornalismo futebolístico sem paixão ao jogo e amor ao futebol. E ninguém ama o futebol se não o sente com o coração quente e a bunda fria de cimento da arquibancada.
Amar ver City de Guardiola medir forças com o Liverpool do Klopp é mole. E eu também amo. Mas para fazer jornalismo com amor tem que entender o amor de quem subiu a serra para ver Santos x La Calera. Não precisa amar o Santos nem ter visto o jogo. Eu dormi no quentinho do meu quarto e só soube do resultado na manhã seguinte. Mas, modestamente, entendo o santista que está feliz. E não sou eu que vou dizer para ele, "e agora,, você vai ver, não vai ter tempo para descansar"...
Eu lembro de muito jogo ruim que vi do meu time. Lembro de vitórias, derrotas e empates. De conquistas e desilusões. Não lembro de nenhum jogo dos anos 1980, onde fortaleci meu amor e minha fidelização ao time e ao jogo, em que cheguei em casa e conferi quem se desgastou mais, quem ganhou a posse de bola e quantos dias meus ídolos descansariam ate o próximo jogo.
Meus sentimentos aos torcedores órfãos de uma cobertura verdadeira, honesta, mas mais compromissada à paixão e mais apaixonada pelo futebol. Já tem muita gente amando o negócio...
Eu sou o Vitor Guedes e tenho um nome a zelar. E zelar, claro, vem de ZL! É nóis no UOL!
Veja:
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