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'A Conmebol parecia a sala da presidência do São Paulo', revela Mário Gobbi
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Em entrevista exclusiva à Coluna Vitor Guedes do UOL Esporte, Mario Gobbi, que presidia o Corinthians há dez anos, em 4 de julho de 2012, contou segredos dos bastidores da conquistava que faltava ao time do povo e, enfim, libertou a Fiel das provocações rivais.
Na visão do dirigente mosqueteiro, a demissão da "laranja podre" Adriano Imperador, os brindes ao presidente da Conmebol que tinha uma sala que "parecia a sala do presidente do São Paulo Futebol Clube, parecia a sala do Mesquita Pimenta", a fé de Tite e do padre Marcelo Rossi, e, claro, o trabalho competente de jogadores e comissão técnica culminaram na conquista invicta da América em 2012.
Confira o bate-papo na íntegra
UOL: Presidente, não se ganha Libertadores sem bastidor. O que foi feito em 2012 de diferente que permitiu ao Corinthians não ser garfado como em outras edições, notadamente em 2013, quando foi operado por Carlos Amarilla?
Mário Gobbi: O marco disso tudo foi o jogo com o Emelec [12 de maio de 2012, 0 a 0, jogo de ida das oitavas, partida que Cássio foi escalado como titular pela primeira vez]. Naquele jogo, o árbitro [José Hernando Buitrago-COL] invertia a marcação de faltas e falava para o time de Emelec: 'vamos, o jogo é nosso, vamos jogar'. Ele expulsou o Jorge Henrique e fez de tudo para irritar nosso time. Quando entrei no vestiário, estava uma revolta muito grande de todo o elenco. O Danilo me chamou no vestiário e disse que nunca tinha passado por aquilo no campo em toda a sua carreira. Eu conversei com o Tite e achei que a gente tinha que dar um esculacho. Eu voltei para o campo, dei a coletiva que todos viram. Eu falei que a Libertadores era uma várzea e que não sabia porque queriam ganhar tanto. A gente não podia treinar no campo, o vestiário era cheio de urina e que não sabia qual o mérito de ganhar uma competição que tinha que ganhar fora do campo. Soltei o verbo, voltamos e logo quando cheguei em São Paulo liguei para o presidente da Conmebol Nicolás Leoz e marquei uma ida lá".
UOL: Então, presidente, qual foi a pauta da reunião na Conmebol? Soube que o senhor levou uma mala de presentes para o Leoz...
Mário Gobbi: Calma, Vitão, que eu vou chegar lá. Quando entrei na Conmebol, tinha brindes diversos, flâmulas, bandeirinhas e camisas de muitos times brasileiros e sul-americanos. Do Corinthians, não tinha nada, não tinha uma bandeirinha, um chaveirinho que fosse. A impressão que eu tive, ao entrar na sala, é que, aos olhos da Conmebol, o Corinthians era um time pequeno e ignorado.
UOL: Foi aí ideia de também dar presentes, camisas, bandeiras? Você acha que isso influenciou nas decisões dos árbitros depois do time ser garfado em Guayaquil?
Mário Gobbi: Nós começamos a fazer o que todos faziam, mandamos brindes, camisas, flâmulas e levamos presentes. A sala da presidência da Conmebol parecia a sala do presidente do São Paulo Futebol Clube. Eu perguntei ao Nicoláz Leoz: 'aqui é a sua sala ou a sala do presidente do São Paulo Futebol Clube?' Tinha camisa, bandeiras, pratos e flâmulas do São Paulo. Achei que era a sala do presidente Mesquita Pimenta... E eu lembro também que tinha um bonequinho do Robinho com a camisa do Santos. Do Corinthians? Nada! A sala também estava lotada de regalos de equipes argentinas, paraguaias e uruguaias. Isso não poderia continuar mais assim e também mandamos camisas, flâmulas, bandeirinhas, igualzinho a todos.
UOL: Acha que isso fez diferença? Presentes? Insisto: bastidores ganham Libertadores?
Mário Gobbi. Olha, Vítão, errado eu não estava. Bastidores e extracampo sempre decidiram a Libertadores. A Conmebol nos tirou a competição em 2013 por motivos da morte do torcedor do Oruro. [Em 20 de fevereiro de 2013, Kevin Spada, torcedor do San José-BOL de 14 anos, morreu após ser atingido por um sinalizador naval atirado da torcida do Corinthians. Após o assassinato do torcedor boliviano, o Corinthians seguiu na Libertadores até ser tirado dela, de forma escandalosa, nas oitavas pelo árbitro Carlos Amarilla que, simplesmente, invalidou dois gols legais e não marcou duas penalidades claras para o Corinthians, além de não expulsar um zagueiro do Boca nos primeiros minutos do jogo].
UOL: Voltando a 2012, para muitos torcedores, a conquista da América é o maior título da história do Corinthians. Eu coloco no mesmo patamar do Paulistão de 1977 e do Brasileiro de 1990. Qual a sua opinião em relação ao tamanho da Libertadores-2012 na história do clube?
Mário Gobbi: Concordo contigo que os três maiores títulos da história do Corinthians foram o Paulista de 1977, o Brasileiro de 1990, a Libertadores de 2012. Em 1977, eram 23 anos de títulos; em 1990, chamavam a gente de time regional; em 2012, a piada é que o Corinthians não tinha passaporte. E ganhamos invicto, em cima do Boca, em grande estilo. Foi uma libertação do corinthiano. Acabou a chacota de ter o Mundial sem a Libertadores. E, quando eu assumi o Corinthians, o que me pediam era a Libertadores. Eu não podia andar na rua que me pediam a Libertadores, Libertadores, Libertadores... E a gente trabalhou, alucinadamente, para ganhar a Libertadores com um grupo espetacular de jogadores e uma comissão técnica fantástica.
UOL:Todos campeões da Libertadores entraram para a história. Mas na visão do presidente da época, que é um torcedor que acompanhou outros momentos marcantes, quais personagens daquela conquista estão na galeria de maiores ídolos do clube, quais foram fundamentais, na sua visão, para o título?
Mário Gobbi: Todos os 11 jogadores, o elenco como um todo, todo o mundo. O Danilo teve atuações fantásticas, o Paulinho, o Sheik fez os gols da final, o Cássio foi gigante, a zaga jogou muita bola com Chicão e Leandro Castán, o Romarinho fez gol na Bombonera com toda a irreverência de quem é jovem... Ah, não é ficar no muro, não, mas acho que o mais forte foi o conjunto, o grupo, difícil destacar só um ou alguns.
UOL: Presidente, a história sempre é contada pela ótica do vencedor, com mocinhos e final feliz. Mas a gente sabe que também nas conquistas nem tudo são flores e bons momentos. Mas a gente sabe que, também nas conquistas tem erros, problemas, gente que rema contra...
Mário Gobbi: O Adriano não cumpria o que tinha que cumprir, não se recuperava e tal. Aí, numa sexta-feira, ele não quis subir na balança para pesar e, como presidente, me informaram. Aí fiquei sabendo que ele tinha faltado a 66 sessões de fisioterapia. Eu disse, então, ele está demitido. Acho que essa decisão foi importante porque nenhum time resiste a uma laranja podre. O Adriano não era comprometido e ganhava R$ 850 mil por mês. Ele ganhava R$ 850 mil por mês e não estava nem aí e era um péssimo exemplo que poderia contaminar todo o grupo e acabar com o sonho da conquista. Você não pode cobrar de um grupo, cobrar dos demais jogadores, se você não cobre de quem ganha R$ 850 mil por mês. Todos eram contratados por CLT. Ele cometeu reiteradamente faltas trabalhistas e, então, mandei colocar no site do clube que ele estava demitido por justa causa. A delegação estava na Venezuela e ia jogar no dia seguinte a estreia contra o Deportivo Táchira. Falaram que o grupo ia se abalar, o grupo trabalhou em paz. [O Corinthians empatou em 1 a 1, gol de Ralf na última bola, gol que permitiu alguma paz e, claro, que o time fosse posteriormente campeão invicto].
UOL: A demissão do Adriano Imperador foi decisiva, então, na sua opinião para o título?
Mário Gobbi: O Corinthians ganhou porque teve seriedade, profissionalismo, exemplo e comando. O Palmeiras hoje ganha tudo porque tem seriedade e profissionalismo. Eles afastaram o Patrick de Paula, mesmo ganhando títulos, mudaram o elenco e não deixaram no grupo quem não estava no mesmo ritmo.
UOL: Eu lembro de imagens de santos no vestiário, de rituais religiosos, inclusive de você e o Tite, que são católicos, comparecerem juntos a missas foras do CT na paróquia do padre Marcelo Rossi...
Mário Gobbi: Foi uma união de fé também. Era uma corrente. Parecia que tinha um pacto de ganhar a Libertadores. O Tite e eu somos muito religiosos. Tinha mais gente lá que também era. Muita gente rezou muito para o trabalho prosperar. Levamos o padre Marcelo no CT antes da semifinal da Libertadores, inauguramos a capela ecumênica do CT. O Tite e eu íamos na missa do padre Marcelo. Lembro que o padre Marcelo parou na frente do Emerson Sheik e falou: 'você é iluminado, você pode decidir o campeonato'...
UOL: O padre Marcelo, então, além de rezar, fez previsões?
Mário Gobbi: Ele ajudou também. Ele falou para o Tite que nem todos os jogadores estavam conectados. O Tite disse 'não diga isso' e ficou preocupado, perguntou quem não estava. E o padre falou que era o Liedson. O Tite sabia que o Liedson sairia do Corinthians logo depois da Libertadores, mas chamou ele, conversou e ele focou e ficou também 200% ligado e o time todo jogou junto. Foi uma conquista coletiva. No Mundial, foi a mesma coisa. Antes de viajar para o Japão,, fizemos a mesma reunião no CT que fizemos na Libertadores. Aí o padre Marcelo fez a benção um por um e, quando chegou no Cássio, ele disse: "o título está nos seus braços, você vai fazer pelo Corinthians o que o Rogério Ceni fez pelo São Paulo contra o Liverpool". O padre Marcelo deu 20 medalhas abençoadas de Nossa Senhora, uma para mim, outra para o Tite e pediu para dar as outras 18 fossem entregues para os jogadores que iriam ao campo porque não tinha mais medalhas para dar. Quando acabou o jogo contra o Chelsea, eu corri para o Cássio e perguntei o que ele pensou naquela defesa do Moses e ele falou que a primeira coisa que pensou foi no padre Marcelo .O que ganhou foi o trabalho, a seriedade, o talento, mas teve muita fé envolvida
UOL: Por falar em fé, depois de tantas decepções e eliminações traumáticas, nem todo o mundo acreditava na conquista... No papel, o time de 2012 era menos cotado que, por exemplo, as equipes que disputaram as edições de 1999 e 2000.
Mário Gobbi: Nós fomos tentando tira o peso, doutrinando os torcedores, dizendo que não era a última Libertadores da vida, tentando deixar o ambiente mais dela. Eu chutava a Libertadores de tudo que é jeito, eu menosprezava ela publicamente, dizia que era uma várzea. E, uma parte do que eu dizia, era verdade mesmo. Vocês viram o que aconteceu em 2013 contra o Boca Juniors no jogo do Amarilla...
UOL: Presidente, a Libertadores foi conquistada há exatos 10 anos. O que deu errado desde então que o Corinthians não decolou? Vou ser mais claro: falando da política do clube: em um determinado momento, o Vicente Matheus foi uma novidade para interromper o reinado de Wadhi Helu. Depois, o Alberto Dualib parecia uma alternativa para o longo período do Matheus e também de eternizou no poder. Depois, veio o Andrés Sanchez, e não ele, mas a Renovação e Transparência, grupo que você é um dos fundadores e pelo qual também se elegeu antes de virar oposição, também está no poder há muito tempo. E o Corinthians, hoje, financeira e desportivamente, vive um momento pior que em 2012 e, notadamente, está em desvantagem técnica e econômica na comparação direta com o maior rival. O que deu errado?
Mário Gobbi: O projeto da Renovação e Transparência tinha etapas e a última etapa era a profissionalização da gestão. Ou seja, fazia parte do projeto colocar em todas as áreas técnicas, na Arena, no Marketing, no Jurídico, no Financeiro, ou seja, em todas as diretorias, exceto na diretoria Social, profissionais competentes e bem remunerados. E parar com amadorismo e gestão política dos cargos. Mas nisso o grupo cedeu, não fez o que estava planejado e esse é o motivo que fez e faz o Corinthians ter a gestão que tem, ter a dívida que tem e não ter hoje uma gestão profissional e uma boa condição financeira.
UOL: Se me permite, Mário, faltou isso inclusive na sua gestão, o senhor, que fazia parte do grupo, também não fez no seu período de presidente.
Mário Gobbi: Pelo planejamento, o meu período seria o último período desse modelo. Nós tínhamos que vencer a Libertadores, era o grande objetivo, a gente era cobrado para isso. Ma já poderia, sim, ter começado uma mudança de gestão no meu período. Teve alguns avanços, mas foi pouco. Eu reconheço isso. A gestão ganhou a Libertadores, a Recopa, o Mundial e um Paulista dentro da Vila Belmiro, o que não é fácil e é inédito, ninguém ganhou lá, mas também faltou avançar mais.
Nota do colunista: estava ao lado do meu irmão no Pacaembu, ambos trabalhando, em 4 de julho de 2012 e jamais esquecerei o que vivi, respirei, sofri e chorei naquele dia e no dia seguinte ao beijar meu filho Basílio. Jamais serão é o escambau. Beijos de luz.
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