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Vitor Guedes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Carta aberta a Fernando Haddad: pelo fim da torcida única!

Colunista do UOL

18/10/2022 14h35Atualizada em 18/10/2022 15h56

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Caro Fernando Haddad,

Meu nome é Vitor Guedes, sou paulistano, jornalista que trabalha na crônica esportiva há mais de 25 anos, mas quem escreve aqui é o seu eleitor, cidadão de 45 anos, pai de um adolescente apaixonado por futebol, irmão de dois loucos por futebol e torcedor de futebol maluco por futebol, não o cronista esportivo.

Resolvi ser jornalista aos 17 anos, quando optei por Jornalismo no vestibular, anos depois a carreira me levou para a editoria de Esportes, mas torcedor de futebol sou há muito mais tempo, desde 26 de janeiro de 1977, quando nasci no (saudoso) Hospital Matarazzo com a camisa do Corinthians pendurada pelo meu pai na porta do quarto da maternidade, gesto que repeti com o meu Basílio em 10 de dezembro de 2008.

Como torcedor e cidadão, sinto-me indignado com o fato de pagar meus impostos e não poder frequentar, trajado orgulhosamente com a camisa do meu clube, os estádios do Palmeiras, do São Paulo, do Santos. E mais, quero ter o direito de, na Neo Química Arena, em Itaquera, poder receber e assistir clássicos ao lado da minha mãe são-paulina, do meu compadre santista, do meu cunhado palmeirense. É inacreditável que não tenha uma mísera área, um único setor nem no Morumbi nem na Neo Química Arena em que eu possa assistir a um Majestoso ao lado da minha mãe tricolor. É bizarro e bárbaro que eu não possa levar meu cunhado palestrino à arena alvinegra.

Como paulistano apaixonado pela minha cidade, que viveu 44 dos 45 anos da minha vida aqui (em 1993, morei na também plural Caraguatatuba), não conheço uma mísera família paulista que não seja formada por parentes de primeiro e segundo graus e agregados de times diferentes... Uma família majoritariamente alvinegra terá sempre uma sogra, um concunhado, algum palestrino e vice-versa; nosso Estado é formado por migrantes nordestinos, imigrantes italianos, espanhóis e portugueses, com ciclos migratórios refletindo na formação da cidade, do Estado e das torcidas e não podemos manter a intolerância e a segregação às arquibancadas de nossos estádios e arenas.

É uma vergonha um Estado como São Paulo se colocar como incapaz de organizar em segurança eventos esportivos para duas torcidas. Apesar de as minhas lembranças de infância remeterem a estádios divididos, não peço aqui a volta de um mundo que só existiria hoje na utopia, mas o mínimo do mínimo é que o cidadão, torça para quem torcer, tenha o direito de ir e vir e assistir ao seu time de coração jogar dentro e fora de casa em total segurança.

Torcedor de futebol não pode ser tratado como cidadão de segunda classe. Quem gosta de frequentar estádio merece a mesma segurança e respeito por parte do poder público que quem curte parques, shoppings, shows e qualquer outro tipo de lazer. Aliás, com o perdão do óbvio, uma coisa não exclui outra, o torcedor de futebol pode ir ao jogo do Palmeiras no sábado e no shopping Itaquera no domingo, sem que isso seja um paradoxo.

Há anos vemos incompetentes e demagogos viverem de fingir combater a violência e não resolvem o problema da segurança: mortes e brigas aconteciam e continuam acontecendo (o que era e continua sendo um absurdo) após a adoção de clássicos com torcida única em São Paulo.

O que espera de você, Haddad, caso você seja eleito governador (o meu voto, novamente, é teu), é que brigue para que a política preguiçosa, incompetente e inútil da torcida única seja colocada de lado e que São Paulo volte a ser um lugar civilizado em que cores diferentes possam conviver, ainda que separados cada um na sua área, dentro dos estádios.

É óbvio que não defendo nem peço a impunidade, vistas grossas a animais que usam o futebol para cometer crimes. Que eles sejam julgados e presos como todos os bandidos são, sejam os crimes sejam cometidos na rua, na fazenda, no estádio ou na casinha de sapê, não faz a menor diferença.

Hoje, como a Libertadores virou um campeonato decidido em jogo único, o Estado de São Paulo não pode mais sequer se candidatar a sediar uma decisão. Ou alguém acha possível uma decisão continental entre Corinthians e Palmeiras ou São Paulo e Santos com apenas uma torcida no estádio? Acha certo Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Fortaleza, Porto Alegre, Cuiabá e Salvador, por exemplo, poderem receber uma final continental e a cidade com a rede hoteleira e a malha viária que dispõe São Paulo não poder, Haddad?

Embora o Tarcísio de Freitas seja o favorito a vencer as eleições segundo as pesquisas (e eu não sou negacionista de desacreditar os institutos), não escrevi para o seu adversário bolsonarista porque não espero absolutamente nada de quem se sujeitou a fazer parte do desgoverno Bolsonaro e, pior, declarou que, caso eleito, pretende tirar as câmeras das fardas da PM, medida que facilita que crimes e abusos sejam cometidos pelo Estado, especialmente contra sua população periférica, pobre e preta, parcela que costuma ter das autoridades o mesmo tratamento que torcedores de futebol sofrem nas praças esportivas.

O que espero de você e peço publicamente, Haddad, é um compromisso de caso eleito liderar um diálogo com MP, PM, diretorias de clubes e torcidas pela volta de jogos com duas torcidas em São Paulo. E, caso não seja eleito, gostaria que mediasse junto à bancada eleita por sua coligação um movimento em prol da volta do convívio entre diferentes nos estádios. Falei sobre clássicos porque esta é a absurda proibição vigente, mas é óbvio que torcidas de times de outros estados (e São Paulo, que recebe brasileiros de todos os cantos, tem torcedores de todos os grandes clubes) têm de ser aceitas e muito bem recebidas no Allianz Parque, na Neo Química Arena, na Vila Belmiro, no Morumbi, na Javari, no Canindé e em qualquer lugar.

O pedido público foi feito a você, Haddad, como eleitor de São Paulo. Mas, mesmo sabendo que segurança pública é da alçada estadual, gostaria que a ideia se espalhasse pelo país e chegasse à esfera federal e que o ex e futuro presidente Lula, torcedor apaixonado por futebol, também levantasse essa bandeira.

Atenciosamente,

Vitor Guedes, 45 anos, corinthiano, filho de pai corinthiano e mãe são-paulina, com avô materno corinthiano e avó materna palmeirense e avô e avó paternos lusos, que deu o filho corinthiano para um padrinho santista e um madrinha que não torce para ninguém e odeia futebol batizar.