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Lito Cavalcanti

Uma nova esperança para as mulheres

A piloto Bia Figueiredo durante as 500 Milhas de Kart da Granja Viana, em 2017 - Greg Salibian/Folhapress
A piloto Bia Figueiredo durante as 500 Milhas de Kart da Granja Viana, em 2017 Imagem: Greg Salibian/Folhapress

30/12/2019 15h52

Nesta última semana, as mulheres deram mais um passo rumo à tão sonhada igualdade de tratamento no automobilismo. Esse passo, enorme, é a revelação da Ferrari de que pretende incluir meninas em sua bem-sucedida academia de pilotos. A elas será dada uma chance até agora inédita: a de poder competir com os jovens pilotos nas mesmas condições.

Além de enfrentarem as costumeiras dificuldades do sexo masculino na obtenção de patrocínios para viabilizar suas carreiras, as meninas que sonham com o automobilismo profissional enfrentam também uma tradição de ceticismo. Por isso, pouquíssimas chegam lá, e mesmo assim suas possibilidades são limitadas.

No ano passado, um primeiro passo foi dado com a criação da Women's Series, uma categoria exclusivamente feminina liderada pelo ex-piloto de Fórmula 1 David Coulthard. Televisionadas para diversos países, suas corridas conquistaram o público: disputas roda a roda, manobras ousadas tanto de ultrapassagens quanto de defesas de posições. A mulherada mostrou que o preconceito era apenas isso, preconceito.

A primeira campeã, Jamie Chadwick, uma inglesa de 21 anos, já colheu os primeiros frutos ao se tornar piloto de desenvolvimento da equipe Williams, não por acaso a única dirigida por uma mulher, Claire Williams. Suas três vitórias e duas pole positions em seis etapas validavam o convite - assim como sua vitória em uma corrida da competitiva Fórmula 3 inglesa em 2018.

Mas o fato é que seus resultados, assim como os de suas adversárias, seriam melhores se ela tivesse recebido os cuidados dispensados aos meninos que integram as academias das grandes equipes - notadamente a da Ferrari, a mais completa. Instalada em Maranello, no mesmíssimo ambiente frequentado pela nata da Scuderia Rossa, os pilotos são submetidos a um programa tão completo quanto se pode imaginar.

Depois de passarem por uma avaliação abrangente, eles passam por treinamentos que elevam ao máximo seu potencial. Inicia-se pelo biofeedback training, ou treinamento de resposta biológica, idealizado para desenvolver a capacidade psicofisiológica de autocontrole. Ele melhora o gerenciamento do stress das competições, o controle emocional sob pressão e a recuperação da normalidade pós-stress.

Em seguida, vem o treino neurológico, que controla a atividade cerebral durante as práticas esportivas. Há ainda o treino cognitivo, em que programas de computador melhoram reações como atenção visual e espacial, tomada de decisões, concentração e memória. O último deles é o coaching, em que especialistas aprimoram as capacidades e corrigem as carências de cada piloto.

Uma questão de vontade

Ultrapassada essa fronteira que divide de forma quase insuperável os dois sexos no meio das corridas, vai-se poder então avaliar se há, e até que ponto pode chegar, a diferença entre homens e mulheres. A força física, antes um enorme problema, já não existe. Se os carros da Fórmula 1 possuem sistemas elétricos que reduzem a quase nada o esforço antes necessário para virar o volante, esses mesmos sistemas podem ser incorporados aos carros das categorias de acesso, como a Fórmula 2. É só uma questão de vontade da FIA.

Esse passo seria um benefício para o automobilismo em todo o mundo. Para o Brasil, já não seria sem tempo. Se hoje temos Bia Figueiredo como o maior símbolo da capacidade feminina ao volante, anteriormente perdemos talentos flagrantes como a gaúcha Cristina Rosito, que fez muitos homens se dobrarem à sua enorme velocidade tanto em carros de fórmula como nos de turismo - mas não conseguiu apoio financeiro para seguir carreira no exterior.

Em vez de Ferrari, Bia Figueiredo

O lado positivo é que ainda há esperanças no ar - quase todas ligadas a Bia Figueiredo. Uma de suas primeiras protegidas é a catarinense Bruna Tomaselli, 22, que depois de dois anos correndo e brilhando na Fórmula 2.000 dos Estados Unidos, conquistou uma vaga para participar da Women's Series. Provavelmente ajudada pelo prêmio que recebeu por ter sido quem fez o maior número de ultrapassagens de 2019.

Em seu vácuo, também embalada por Bia Figueiredo, surge outra jovem catarinense, Antonella Bassani. Aos 13 anos, Antonella se beneficia dos ensinamentos de Bia, que tem entre seus muitos feitos ter sido a primeira e até agora única mulher a vencer na Fórmula Renault e na Indy Lights (nesta, mais de uma vez), além de ter participado diversas vezes das 500 Milhas de Indianápolis, uma das três corridas mais importantes do automobilismo mundial.

Há 15 dias, Bia dividiu a pilotagem de um kart nas 500 Milhas da Granja Viana com uma equipe inteiramente feminina, à qual ela estendeu seus patrocínios pessoais. E, neste próximo ano, ela voltará a integrar uma equipe feminina nas corridas de Grã-Turismo ao volante de um Lamborghini. Mesmo assim, encontrará tempo para dar às brasileirinhas o impulso de que elas precisam.

Quem sabe se, algum dia, uma delas poderá chegar à Ferrari Drivers Academy? Se depender de esforço e determinação (e das dicas da Bia), há boas chances.