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Lito Cavalcanti

O primeiro fim de semana da nova Fórmula 1

TRACEY NEARMY/REUTERS
Imagem: TRACEY NEARMY/REUTERS

16/03/2020 12h33

Foi um domingo estranho. Era para termos nos dividido entre o Grande Prêmio da Austrália de Fórmula 1 e o de Fórmula Indy, em St. Petersburg. Nada. Foi um domingo quase sem automobilismo.

A única exceção foi o Rali do México, a terceira etapa do mundial da especialidade, que agora também está paralisado pela FIA — Federação Internacional de Automobilismo. Das poucas competições realizadas, a triste ironia do acidente que custou a vida da jovem Indy Muñoz em uma em corrida de motos em Goiânia.

A exemplo do nosso futebol, essa prova ocorreu com portões fechados. E se tornou um alerta enfático contra essas meias medidas. Hoje, nestes dias de vírus corona, todos que participam de um espetáculo esportivo estão sujeitos ao contágio, sejam atletas, jogadores, pilotos ou funcionários.

Foi esse vacilo que atrasou o cancelamento do GP da Austrália. Tardio, vagaroso, combatido por alguns que se negavam a ver sua urgência e atrasaram a confirmação oficial quando a impossibilidade de sua realização já era uma clara certeza.

Não faltou quem, tomado pela frustração, bradasse contra esse cancelamento. Salvaram-se os pilotos, cujo inconformismo já fora manifestado por Lewis Hamilton diante da imprensa internacional e pela advertência de Sebastian Vettel de que os pilotos poderiam se negar a correr.

Parte do público perguntava por que se podia lotar os pubs de Melbourne mas não se podia assistir às corridas. Nenhuma similaridade entre a pista vazia e os pubs cheios. No primeiro caso, constatava-se o descaso do governo local; já à FIA cabia a obrigação de evitar a todo custo a propagação de um vírus que já vinha ceifando inúmeras vidas humanas.

Sim, não se pode negar a hesitação de se oficializar o que já era público e notório. A equipe McLaren havia comunicado sua desistência da prova na manhã da sexta-feira, após dar positivo o teste do vírus de um de seus componentes. Pouco depois, Ferrari e Mercedes haviam alertado que não havia hipótese de entrarem na pista.

O cancelamento só foi oficializado oito horas depois. A essa altura, Kimi Raikkonen e Sebastian Vettel já estavam voando de volta para casa. Só a ausência das duas McLaren e desses dois pilotos já inviabilizava a corrida. A incompreensível demora de oficializar o que já era líquido e certo causou danos desnecessários à imagem da FIA, da Liberty Media e da Fórmula 1 .

Não havia razão para hesitações. Já desde o dia 12 de fevereiro havia o precedente do adiamento da quarta etapa, o GP da China, onde se iniciou a dispersão do vírus. Rompida a inércia, foram adiados ainda na sexta-feira os dois GPs seguintes: o do Bahrein, que seria realizado com portões fechados, e o do Vietnam, pela proximidade com a China.

Neste momento, ainda não se tem uma data definida para o início do campeonato. A FIA e a Liberty Media, dona dos direitos comerciais da F1 e, portanto, responsável pelo calendário, falam em fins de maio, o que implica no adiamento da prova da Holanda, marcada para o dia três de maio.

Pode ser em Mônaco, no dia 24, ou no Azerbaijão, no dia sete de junho. Há quem fale até no GP do Canadá, em 14 de junho, por ser em um país até agora não tão contaminado pelo vírus e que tem dois pilotos no grid, Lance Stroll e Nicholas Latifi. Nada está decidido.

Mudanças podem ocorrer, nem todas positivas

Até lá, a F1 submerge em dúvidas. A Ferrari fechou tanto seu departamento de competições quanto sua fábrica de carros esportivos. A perda financeira é incalculável, mas é o que menos importa no momento. As outras escuderias continuarão trabalhando, mas todos profissionais que estiveram na Austrália, viajando, trabalhando e convivendo ombro a ombro, serão submetidos a algum tipo de quarentena.

O futuro das equipes menores é incerto e inseguro. O encolhimento da economia mundial gera preocupações sobre a capacidade dos patrocinadores de honrarem os compromissos; o provável encurtamento do calendário incorrerá em menor premiação — mesmo que a Liberty tenha assinado recentemente um contrato plurianual com a Aramco, a gigantesca estatal de petróleo da Arábia Saudita que sacudiu o mundo ao abrir uma guerra comercial com a Rússia. O novo contrato ameniza, mas não elimina a preocupação.

É absolutamente nebuloso o futuro da Fórmula 1. Este seria o primeiro fim de semana do último ano do regulamento atual. Em 2021 entrarão em vigor novas regras, que exigirão gastos altíssimos na concepção e construção de carros inteiramente diversos dos atuais. Novos conceitos, novos chassis, novas suspensões. Já se erguem dúvidas sobre a viabilidade dessa mudança.

Este foi o primeiro fim de semana de um período sem Fórmula 1. Hoje, ninguém sabe dizer quando ela vai voltar. Nem como.

Também em outras categorias, o silêncio dos motores

As categorias de acesso, a F2 e a F3, que seriam iniciadas no Bahrein por terem seus calendários atrelados ao da categoria mãe, também seguem em compasso de espera. Assim como a Renault Eurocup. O efeito dominó é inevitável.

Aqui, a Confederação Brasileira de Automobilismo decidiu suspender todas atividades por tempo indeterminado. Queiram ou não, o automobilismo, como de resto toda e qualquer atividade, tem de se submeter à necessidade coletiva. Sem hesitações, sem demoras, sem delongas.

Foi um domingo estranho. Como serão outros domingos por algum tempo

Quantos? Ninguém sabe dizer.

Em meio a tudo isso, uma notícia feliz

Nesta segunda-feira, a Red Bull noticiou a contratação do nipo-mineiro Igor Fraga. Nascido no Japão, Igor é daqueles casos que o automobilismo não explica. Sem verba para ir além da carreira no kart, ele foi amparado pelo esforço da família, hoje radicada em Ipatinga.

O primeiro a lhe estender a mão foi o veterano piloto e chefe de equipe Dárcio dos Santos, tio de Rubens Barrichello, que o trouxe para sua equipe de Fórmula 3. Campeão da classe B em 2017, Igor foi, ainda pelas mãos de Dárcio, vencedor da F4 mexicana e foi o quarto colocado na F 2.000 dos Estados Unidos.

No final daquele ano, ele conquistou o título da primeira Copa das Nações de Grã Turismo de eSports, realizada pelo fabricante de jogos eletrônicos de automobilismo. De lá, passou para a F3 Regional Europeia, onde foi o único a enfrentar e, vez ou outra, bater os pilotos da poderosíssima equipe Prema, que está para a categoria como a Mercedes está para a Fórmula 1.

No começo deste ano, ele venceu a prestigiosa Toyota Series na distante Nova Zelândia, vencendo o ídolo local Liam Lawson e o japonês Yuki Tsunoda, ambos do viveiro da Red Bull. Esse sucesso foi o bastante para a equipe Charouz, ex- Sauber Junior, garantir sua participação no campeonato de Fórmula 3 FIA deste ano.

E também para receber o convite de Helmut Marko, o chefe de todas as operações da Red Bull, para se tornar um de seus protegidos. Marko acompanhara as 15 corridas da Toyota, de olho no desempenho de Lawson e de Tsunoda, e não pôde deixar de notar as qualidades do jovem brasileiro.

Igor Fraga, de 21 anos, faz parte de um tipo muito especial de pilotos brasileiros. Aqueles que, sem meios financeiros nem mesmo para correr de kart, chegaram ao topo do automobilismo. Os principais representantes desse grupo são os brasilienses Alex Dias Ribeiro e Roberto Pupo Moreno, que fizeram história na Fórmula 1.

Por sinal, Moreno estava junto a Igor na Nova Zelândia, como seu conselheiro. Com certeza, lhe veio à memória o torneio internacional da F Atlantic, equivalente à F2 da época, no começo dos anos 80. Nele, Moreno bateu campeões como Alan Jones e seu amigo de infância Nelson Piquet. Foi naqueles dias que a trajetória que o levou à F1 ganhou impulso.

Espera-se o mesmo para Igor Fraga.