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Lito Cavalcanti

Das dificuldades de 2020 deve surgir uma nova Fórmula 1

Chase Carey, CEO da Liberty Media e diretor-geral da Fórmula 1 - Clive Mason/Getty Images
Chase Carey, CEO da Liberty Media e diretor-geral da Fórmula 1 Imagem: Clive Mason/Getty Images

30/03/2020 11h47

Passada mais uma semana, a segunda desde o cancelamento daquele que seria o primeiro grande prêmio deste ano, o da Austrália, já não há mais a menor certeza de que se terá Fórmula 1 em 2020. Após o adiamento do GP do Azerbaijão, previsto originalmente para o dia dois de junho, a melhor esperança passou a ser o do Canadá, dia 14.

Não aposte nisso. Nesta semana, a prefeito de Montreal, Valérie Plante, aconselhou a população local a evitar aglomerações. Juntou-se, assim, ao primeiro ministro François Legault e às autoridades de Québec na luta de todo o país contra a pandemia do vírus Corona. São poucas as possibilidades de se ter, nesta temporada, um grande prêmio no Canadá. Assim como na Europa.

A etapa seguinte, de acordo com o calendário inicial, seria no dia 28 de junho em Paul Ricard, na França. Pouco provável pelo que se vê agora. O país será mantido sob quarentena pelo menos até o dia 15 de abril. É de se esperar uma extensão deste período.

Há previsões de que a pior fase da pandemia ainda esteja por vir em várias partes do mundo. Nenhuma atividade que não seja absolutamente essencial é permitida. Não seria exagero afirmar que a Fórmula 1, a exemplo de quase tudo no mundo, parou. E ninguém sabe dizer quando nem como voltará.

Até a semana passada, as sete equipes sediadas na Inglaterra se mantinham ativas, mas a mudança de orientação do governo, impondo quarentena, reduziu as atividades a quase nada. Para os engenheiros, ainda é possível trabalhar em casa, ativando os supercomputadores remotamente para efetuar testes aerodinâmicos nos aplicativos de dinâmica de fluidos, os CFD. Mas não há como produzir novas peças para corrigir falhas detectadas na pré-temporada.

Em um momento inicial, as finanças das equipes não serão tão abaladas. Se por um lado não há verbas de patrocínio chegando, pelo outro não estão sendo feitos gastos com a logística das viagens. O drama maior virá em 2021, já que o pagamento dos prêmios de cada temporada só ocorre no ano seguinte. Quanto menor número de corridas, menor o faturamento e, portanto, menor o bolo a ser repartido.

Para a Liberty Media, porém, as agruras são imediatas. A começar pelo não recebimento das taxas pagas pelos circuitos para sediar as corridas, que variam de 20 a 50 milhões de dólares - há exceções como Brasil e Mônaco, que não pagam nada, e alguns países orientais, que desembolsam até 80 milhões. O total chega a 602 milhões de dólares, segundo relato do jornal britânico "The Telegraph" em sua edição de quarta-feira, dia 25.

Nele, o repórter Christian Sylt, especializado no business da Fórmula 1, enumera outras perdas. Como as de contratos de publicidade e patrocínios e do faturamento dos hospitality centers, que são vendidos a preço de ouro para grandes empresas receberem clientes e fornecedores em luxuosos camarotes montados sobre os boxes. Juntos, esses itens chegam a 38.800 milhões de dólares.

O ganho principal da Fórmula 1, porém, não vem daí, e sim das emissoras de TV: juntas, elas pagam 728 milhões de dólares para transmitir as corridas. Mas esses contratos, de acordo com os registros da Liberty Media, preveem redução nestes pagamentos casa haja menos de 15 etapas em uma temporada, o que já deixa prever forte redução nesta parte da receita.

Ações despencam, riscos crescem

Estas perdas vêm se refletindo nas ações do F1 Group na bolsa de valores eletrônica NASDAQ. Elas caíram 49,4 por cento nos dois últimos meses, mais do que o dobro de todo o mercado no mesmo período. O F1 Group congrega as várias holdings que gerem a Fórmula 1, e foi ele o objeto da compra pela Liberty Media, consumada em 2016.

O total da operação atingiu 8,5 bilhões de dólares: 4,4 bi em dinheiro somados a débitos anteriores que chegavam a 4,1 bilhões. Para completá-la, a Liberty Media contraiu junto ao banco multinacional JP Morgan um empréstimo de 2,9 bilhões de dólares.

O contrato com o bancão tem uma cláusula de garantia pela qual a Liberty deve faturar, a cada ano, 8,25 por cento do total do empréstimo, que equivalem a 239,250 milhões de dólares. Caso não consiga, ela está sujeita a sanções que podem chegar até a forçar a empresa a vender os direitos da F1. Em 2019, o faturamento foi de 482 milhões.

Esse, porém, é o desenlace menos provável. O próprio JP Morgan admite não ter a intenção de levar a Liberty às cordas - mais vale um mau acordo que uma boa luta, como costumam dizer os credores. Mesmo assim, não se vê nenhuma sinalização positiva a curto nem a médio prazo.

Com faturamentos também reduzidos pela perda de exposição de seus patrocinadores, as equipes menores necessitarão de auxílio financeiro para enfrentar as despesas impostas pelas regras que vigorarão a partir de 2022. Será necessário projetar e construir novos carros, além de pagar os caríssimos leasings dos motores e acessórios que compõem o que hoje se chama Unidade de Potência.

Isso poderia ser resolvido caso surgisse um fornecedor de unidades de potência independente das grandes fábricas. Hoje, esse fornecimento é feito pela Mercedes, que equipa seus próprios carros, os da Williams e os da Force India; pela Ferrari, que além dos seus carros fornece também para a Alfa Romeo e a Haas; pela Honda, que trabalha com a Red Bull e a Alpha Tauri (ex-Toro Rosso); e pela Renault, com seus carros e os da McLaren.

Para se tornar viável, esse eventual fornecedor independente precisaria assegurar como clientes pelo menos cinco das dez equipes. Mesmo assim, talvez essa fatia do mercado não compense o altíssimo investimento necessário para projetar, construir, manter e dar assistência na pista a componentes tão sofisticados tecnologicamente quando as Unidades de Potência atuais.

Pela frente, só incertezas

A incerteza do futuro imediato trará grande dificuldade para a Liberty convencer as equipes a assinarem um novo contrato que as obrigue a participar de todas as etapas de seus campeonatos. Ele substituirá o Pacto da Concórdia, alinhavado pelo antigo mandatário Bernie Ecclestone, hoje afastado dos cargos diretivos. O Pacto se esgota neste ano, e sem ele não há como garantir aos patrocinadores que ao menos 20 carros estarão no grid de cada corrida.

Para tornar a situação ainda mais delicada, sobrevém o fantasma da crise de 2008. Três meses após sua deflagração, a Honda abandonou a Fórmula 1, vendendo sua equipe ao célebre engenheiro Ross Brawn pelo preço simbólico de uma libra esterlina. Não havia clima para negociar o fechamento de algumas fábricas com sindicalistas ao mesmo tempo em que investia dezenas de milhões de dólares em corridas de carros. Não são poucas as vozes que prenunciam o fim de equipes de fábricas, caso da Mercedes e da Renault.

Outro complicador é a continuidade de Chase Carey como CEO da Liberty Media. O fim deste ano deve marcar sua aposentadoria, e sua sucessão será extremamente delicada. O primeiro candidato foi o chefe da equipe Mercedes, Toto Wolff. Tido como um dos melhores executivos do paddock atual, o austríaco teve seu nome barrado pela Ferrari, indiscutivelmente a maior força política da F1.

Não restam dúvidas de que a Fórmula 1 sobreviverá e deve, na pior das hipóteses, retomar seu campeonato em 2021. Mas uma coisa é certa: ela será substancialmente diferente do que foi nos últimos anos. Para o bem ou para o mal.

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