Uma data para entrar na história
Esta quarta-feira, dia 15 de abril de 2020, pode se tornar um marco histórico para a Fórmula 1. Nela, a FIA (Federação Internacional de Automobilismo), a Liberty Media (detentora dos direitos comerciais, e portanto, a promotora da categoria) e representantes das dez equipes que disputa(ria)m o campeonato mundial vão se reunir para decidir o futuro da categoria e dos milhares de profissionais que nela trabalham.
À mesa estará a questão que divide a categoria em dois grupos: a redução do limite de gastos anuais a ser adotado a partir de 2021. Orçado anteriormente em 175 milhões de dólares (cerca de R$ 895 milhões), já há consenso para que este teto seja reduzido para US$ 150 milhões (cerca de R$ 766 milhões). Daí para a frente nada está resolvido. Para uns, não basta; para outros, menos do que isso é inviável. E aí começa a discussão.
De um lado se alinham as equipes menores; do outro, duas das três grandes, a Ferrari e a Red Bull. O primeiro grupo é representado por Zak Brown, o CEO da McLaren. Em sua visão, o gasto máximo aceitável é de US$ 125 milhões (cerca de R$ 640 milhões). A ele se antepõe a Ferrari, que cita as enormes diferenças entre as equipes que fabricam todos seus componentes, como ela, e as que compram partes como motores e outras peças.
A decisão final cabe à FIA, presidida pelo mais do que experiente Jean Todt, um francês de pequena estatura e grande currículo na esfera profissional do automobilismo. Metódico e pragmático, Todt se iniciou nas corridas como navegador de ralis, de onde passou a chefiar o setor esportivo da Peugeot.
Em 1994, depois de vencer quatro campeonatos mundiais de rali e duas vezes as 24 Horas de Le Mans, se tornou o primeiro não italiano a liderar o departamento de competições da Ferrari, assumindo a presidência da Casa de Maranello dez anos mais tarde.
Formado em economia e negócios, Todt sempre se sentiu mais à vontade nos bastidores do que no centro do palco, mas sabe que, agora, a ele cabe determinar o destino do automobilismo e, para isso, terá de assumir o papel principal.
Todt tem concedido mais entrevistas do que costuma. Nelas, revela enorme preocupação. Em seu entender, os orçamentos milionários, de US$ 500 milhões (R$ 2,5 bilhôes) ou mais, pertencem ao passado. Não será surpresa se desta reunião sobrevier um limite de gastos abaixo até do que pleiteia Zak Brown.
À luz da crise de 2008, o presidente da FIA lembrará que, na época, quatro montadoras deixaram a Fórmula 1: Honda, Toyota, BMW e Renault. Das que hoje lá estão - Honda, Mercedes, Renault e Ferrari -, apenas a última tem vínculos históricos com o automobilismo em geral e a categoria em particular.
Exatamente por sua história na F1, a Ferrari é a que menor impacto sofrerá neste ano, haja ou não corridas. Isso porque, de acordo com o Pacto da Concórdia, o contrato multilateral que liga as equipes à FIA e à detentora dos direitos comerciais, grande parte do bolo de prêmios é dedicado a ela, sob a forma de bônus.
Também são beneficiadas Mercedes, McLaren, Williams e Red Bull. Estas cinco recebem cotas de dezenas ou até uma centena de milhões de dólares pré-fixadas no referido contrato. Mas nem por isso deixam de participar da distribuição do restante do bolo da premiação, que tem uma parte fixa para cada equipe e outra de acordo com a colocação de cada uma no último campeonato de construtores.
Ameaças reais e iminentes
Para as cinco equipes não contempladas pelos bônus, as fontes de renda são as verbas de patrocinadores e os prêmios que a Liberty lhes paga mês a mês de acordo com a projeção dos ganhos previstos em seus contratos. São a Haas, a Alpha Tauri, a Alfa Romeo, a Racing Point e a Renault. As três primeiras são as mais ameaçadas no futuro próximo.
A norte-americana Haas pode já ter atingido o objetivo traçado por seu proprietário, o bilionário Gene Haas, de projetar mundialmente sua fábrica de maquinário industrial. A Alpha Tauri é um subproduto da Red Bull, e seu gestor Franz Tost avalia que, a cada corrida não realizada, o faturamento de sua escuderia cai de 1,5 a 2 milhões de dólares (de R$ 7,6 milhões a R$ 10,2 milhões). Basta multiplicar essas quantias por oito, o número de etapas adiadas ou canceladas até agora, para se ter uma ideia do déficit.
Alfa Romeo é a atual denominação da suíça Sauber, que foi encampada pela Ferrari na enésima tentativa do grupo Fiat-Chrysler de relançar a prestigiosa marca italiana. Em meio a esse quadro, a Alfa Romeo acaba de se associar ao grupo francês PSA, antigo Peugeot-Citroen, uma transação que exigirá grande esforço financeiro de ambas as partes.
A hipótese de sua eventual desistência ganhou força com os comentários de que o chefe da equipe, o francês Frederic Vasseur, estaria de malas prontas para voltar à Renault, de onde saiu em 2016 por discordar das decisões de Cyril Abiteboul, o chefe da equipe francesa. Abiteboul permanece no cargo, mas a falta de resultados debilita sua posição perante o novo CEO da montadora, o italiano Luca de Meo.
Some-se a isso os enormes gastos que todas montadoras vêm enfrentando na indispensável eletrificação de seus produtos, uma etapa que não passou pelos motores híbridos, frustrando a aposta feita pela FIA ao introduzi-los como item obrigatório a partir de 2014.
No que parece ser uma antecipação de medidas drásticas, Jean Todt se refere ao futuro imediato da Fórmula 1 com incertezas. "Mesmo que sejam disputadas algumas corridas a partir de julho, na melhor das hipóteses, nada garante que o público comparecerá".
Corridas sem público são uma alternativa, mas os promotores reagem mal à alternativa. Como os da Holanda, que fizeram investimentos pesados na reforma do autódromo de Zandvoort para ter de volta a Fórmula 1 depois de uma ausência de 35 anos. Este GP, já adiado, seria realizado no dia três de maio, abrindo a fase europeia. Para os organizadores, seria preferível adiar a volta da F1 a Zandvoort para 2021 a realizar a corrida sem público neste ano.
Tudo isso começa a se resolver nesta quarta-feira. A reunião será longa e tensa, acredita-se. Como devem ser as reuniões que decidem o destino de empresas e de milhares de profissionais altamente qualificados.
O rei sem coroa
Morreu neste domingo, aos 90 anos, o inglês Sir Stirling Moss. Principal adversário do pentacampeão argentino Juan Manuel Fangio, Moss foi um dos pilotos que sedimentaram a paixão pelo automobilismo.
Ele correu na Fórmula 1 de 1951 a 1961 e foi vice-campeão de 1955 a 58. Moss venceu 16 dos 66 grandes prêmios que disputou, subiu ao pódio 24 vezes, conquistou 16 pole positions e fez a volta mais rápida em 19 corridas.
Participou também de diversas provas de carros esporte e protótipos, como as 24 Horas de Le Mans e a Mille Miglia, prestigiosíssima corrida de 1.600 quilômetros em estradas da Itália. Foi lá uma de suas mais famosas vitórias, em 1955, batendo seu arquirrival e grande amigo Fangio.
Desiludido com a política das grandes equipes, Moss dedicou os últimos quatro anos de sua carreira à escuderia do amigo Rob Walker. E justificava sua decisão com uma frase que ficou célebre: "Prefiro perder uma corrida andando no limite do que vencer a velocidades abaixo do que posso".
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.