Um começo de ano diferente para a Fórmula 1
Um campeonato mais curto, com circuitos sediando duas provas em fins de semana seguidos, é o que espera a Fórmula 1 neste 2020 - mas, por mais que surjam críticas de figuras destacadas da categoria, nada aponta na direção de uma temporada maçante.
As consequências da pandemia da Covid-19 podem, na verdade, gerar benefícios capazes de modificar as circunstâncias habituais. A começar pela possibilidade de, decorridas as duas primeiras etapas, não ser a Mercedes de Lewis Hamilton e Valtteri Bottas a líder do campeonato. Ao definirem a Áustria como sede das duas primeiras rodadas, nos dias cinco e 12 de julho, a FIA e a promotora Liberty Media criaram uma situação pelo menos incomum para a equipe alemã: desde 2014, ano em que foram adotados os motores híbridos, só em 2017 a equipe alemã não tinha um de seus pilotos à frente do campeonato quando a Fórmula 1 chegou ao circuito de Red Bull Ring.
Mas, nos dois últimos anos, a sorte se mudou para a escuderia da casa. Foram duas vitórias enfáticas da estrela da equipe, o jovem Max Verstappen, e duas corridas atípicas para a Mercedes: foram duas quebras em 2018 e, no ano passado, o fim de uma série de dez vitórias seguidas iniciada no GP do Brasil de 2018.
Isso, porém, não chegou a afetar o desenlace daqueles dois campeonatos, que ainda se prolongaram por mais 12 etapas e consagraram Hamilton e a equipe da estrela de cinco pontas. Em 2020 será diferente. A começar pela igualdade dos times e dos pilotos na chegada à Áustria; e, não menos importante, pelo menor número de corridas do ano. Há, até agora, oito provas confirmadas; os mais otimistas falam em mais dez, e a maioria indica 15 como o total mais provável.
Sejam quantas forem, haverá tempo suficiente para reagir. Em 2019, Hamilton e Bottas conquistaram mais 376 pontos nas 12 corridas que se seguiram à da Áustria, enquanto Verstappen e Pierre Gasly e seu substituto Alex Albon marcaram mais 248. Mas é inegável que duas vitórias seguidas da Red Bull sobre a Mercedes dariam um sabor inteiramente novo ao campeonato.
O cenário não poderia ser mais propício. Com 700 metros de altitude, os motores trabalham em condições extremas. Para compensar a menor quantidade de oxigênio na atmosfera, os turbocompressores são forçados a atingirem rotações bem mais altas, se aproximando perigosamente do limite de 120 mil rotações por minuto.
No ano passado, os que se mostraram mais bem adaptados a esta situação foram os da Honda, que levaram Verstappen à vitória depois de o piloto cair do segundo lugar no grid para o sétimo na largada - marcando a volta mais rápida da corrida na escalada rumo ao primeiro posto.
A Ferrari também se beneficiou do ar rarefeito e teve Charles Leclerc na pole position e em segundo na corrida, enquanto Vettel conquistava o quarto lugar (e a segunda melhor volta da prova) depois de um problema técnico o relegar ao nono posto no grid.
Certamente, a Mercedes fará de tudo para evitar uma repetição. Se no ano passado ela não sofreu as quebras de 2018, o terceiro lugar de Bottas e o quinto de Hamilton não mostraram progresso significativo. A deficiência ficou claro na escala das voltas mais rápidas: a de Hamilton foi apenas a quinta, a mais de meio segundo da primeira (de Verstappen): a de Bottas, a sétima, a mais de um segundo.
A explicação desse desempenho medíocre para os padrões da equipe alemã reside na necessidade de melhorar a refrigeração dos motores, prejudicada pelo ar rarefeito. Para evitar novas quebras, os engenheiros aumentaram as entradas de ar (prejudicando a aerodinâmica dos carros) e abaixaram o limite de rotações dos motores, reduzindo a potência disponível.
Uma segunda corrida no mesmo circuito, no fim de semana seguinte, impõe à Mercedes uma reação à altura do domínio que ela vem exercendo em outras pistas. Principalmente porque a terceira corrida do ano será na Hungria, onde Hamilton venceu em 2019, se beneficiando de uma ousadíssima decisão estratégica (aliada a um nível altíssimo de pilotagem) para superar o domínio que Verstappen e seu Red Bull exibiram por quase todo o tempo.
Para essa reação, porém, a Mercedes conta com uma arma fortíssima: Lewis Hamilton. Sua indignação diante dos absurdos causados pelo racismo levam a crer em uma elevação ainda maior da sua motivação. É isso que se depreende de algumas de suas postagens nas redes sociais. Na mais recente, ele relembra a discriminação sofrida na infância, quando ainda se dedicava às corridas de kart e já dava sinais do futuro estrelato. "Fui vítima de deboches e agressões e tive de aprender karatê para me defender", lembra o hexacampeão. "Por isso, para mim o automobilismo é muito mais do que um esporte. Eu ainda estou lutando".
Não há altitude nem ar rarefeito capazes de refrear este ímpeto.
De volta ao volante, cada um a seu jeito
Para evitar más surpresas, os concorrentes da Fórmula 1 já começam a voltar à realidade. Na semana passada, sem ter como retornar ao volante de um McLaren, Lando Norris dedicou um dia a treinos com um carro da F3. Amanhã (9), Hamilton e Bottas estarão em Silverstone (a mesma em que serão disputadas a quarta e a quinta etapas deste ano) com um Mercedes W-09, de 2018.
Pelas regras da FIA, os treinos só são permitidos com carros usados até três anos antes (incluído o ano corrente). A Ferrari está preparando um modelo SF71H, também de 2018, para que Leclerc e Vettel também possam tirar a ferrugem. A data e a pista ainda não foram confirmadas, mas estima-se que seja na terceira ou na quarta semanas deste mês. O circuito deve ser Fiorano, a pista do lado da Casa de Maranello.
Tudo isso mostra que, mesmo que a primeira prova seja só no dia cinco de julho, o campeonato deste ano já começou
O bom exemplo da Indy
A Fórmula Indy (ou Indycar, como exigem os puristas) começou com mais uma vitória espetacular do neozelandês Scott Dixon no circuito tri-oval do Texas na noite do sábado. Todo o cronograma se concentrou em um só dia: treinos livres das 13 às 15 horas, prova de classificação das 17 às 18 horas e largada às 20 horas.
A pole position ficou com Josef Newgarden, da poderosa equipe Penske, com Dixon, da Chip Ganassi Racing, em segundo. Na prova, o neozelandês conquistou sua 47ª vitória, fazendo jus a seus cinco títulos na Indy. Ele manteve o controle em todas situações, evitou as armadilhas da pista mais traiçoeira da categoria e não se abalou com a ameaça do sueco Felix Rosenqvist, seu companheiro de equipe, que se aproximava com bem mais velocidade até cometer um erro e bater.
Outro ponto altamente positivo foi a demonstração de que uma corrida com menos tempo de pista nada fica a dever às que dedicam até três dias a treinos e corrida. Sem tanto tempo, os engenheiros tiveram de dar mais atenção às informações dos pilotos no acerto dos carros. Isso trouxe de volta algumas equipes sem acesso às grandes verbas, como a A.J Foyt.
Ela ressurgiu das cinzas com Tony Kanaan largando e chegando em 10º e Charlie Kimball largando em 12º e chegando em 11º. Nos últimos anos, nem o campeoníssimo Foyt, acostumado a frequentar as últimas colocações, sonharia com esse desempenho.
É sem dúvida um caso a ser estudado com atenção pelas categorias que pensam em uma reformulação. Como a própria Fórmula 1.
Simuladores postos à prova
Uma das questões mais discutidas neste período de quarentena tem sido a eficiência dos simuladores de corrida como treinamento para os pilotos.
Defendidos pelos mais jovens, seus efeitos serão avaliados a partir da retomada das corridas não só da F1, mas também das F2 e F3, onde estão a maior parte de seus praticantes.
Sem repetir a sensação física de se dirigir um carro nas pistas reais, onde se sente a movimentação dos veículos e as condições do asfalto, eles desafiam a capacidade de concentração e exercitam os reflexos e a velocidade de reação de mãos e pés aos estímulos visuais.
Para muitos, porém, os simuladores não se equiparam aos karts, em que quase todos pilotos iniciaram seu aprendizado. Além de proporcionarem as mesmas vantagens dos simuladores, os pequenos e velozes veículos têm a seu favor o intenso desgaste físico imposto pela falta de suspensões que atenuem as irregularidades do piso.
A melhor solução parece estar no meio: conjugar simuladores e karts. Não há nada que impeça.
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