Criadores de "Senninha" alegam que nunca receberam por direitos autorais
Criado há 16 anos, o personagem Senninha atravessou uma geração de leitores de revistinhas e já conquistou um novo público. Sua marca pode ser vista não apenas nas bancas, mas também em ovos de páscoa, embalagens de arroz, macarrão instantâneo e tubos de mostarda. O sucesso do desenho integra o faturamento anual de cerca de R$ 200 milhões da marca Ayrton Senna. No entanto, seus criadores revelaram que nunca receberam pagamento por direitos autorais.
SENNA, O PERSONAGEM
Em imagem do arquivo de Rogério Martins, Ayrton divulga Senninha; criação teve resistência do pai
Piloto gostou da ideia e deu apoio; desenho inspirado em sua imagem teria sido alterado
Marca persiste após 16 anos, e estampa até embalagens de arroz, entre outros produtos
Os autores Rogério Martins e Ridaut Dias Júnior afirmaram ter um acordo verbal com Ayrton Senna, mas ficaram sem garantias depois da morte do piloto. Um novo contrato teria comprometido o recebimento dos royalties para assegurar apenas o pagamento de um “salário” pela mão de obra das revistinhas.
Ridaut deixou o projeto em 1997 e pediu revisão contratual na Justiça, mas não conseguiu e desistiu de seguir com a ação jurídica. Rogério saiu dois anos mais tarde. Uma vez que os criadores já não participavam da revistinha, eles acusaram que as suas assinaturas passaram a ser excluídas dos produtos do Senninha.
Por isso, houve outro processo, desta vez por dano moral e do outro sócio, Rogério, que reclamou por não haver indicação de autoria, além de considerar que os personagens foram alterados. A ação foi julgada improcedente em primeira instância e está pendente de julgamento de apelação desde 2007 no Tribunal de Justiça de São Paulo. O valor da ação é de R$ 300 mil.
“Depois que a gente tinha feito acordo com o Ayrton, eles meio que obrigaram a gente a fazer o contrato. A gente fez para o personagem não parar”, disse Rogério ao UOL Esporte. “Eles fizeram um valor simbólico e até obrigaram a gente a depositar de volta na conta deles. Eles ficaram com todos os direitos, e a gente sem nada”, continuou.
“Tem produtos no exterior, foi feito revista na Itália, os produtos são vendidos em Inglaterra e Japão. O contrato de royalty tem que ser nacional e exterior. O que pega para gente é a falta de respeito. O instituto é bacana, acho legal, mas você não pode falar que é bonzinho prejudicando outras pessoas”, completou Rogério.
Ridaut, por sua vez, se mostrou conformado com a situação. “Minha ação não era contra a Viviane ou a família, era revisão contratual. O juiz fez e concluiu que o contrato estava bom. Nunca fui à imprensa reclamar disso porque era questão jurídica”, explicou.
“Tenho um orgulho danado de fazer parte disso. O meu projeto é hoje a imagem que o Ayrton não pode ter. O que eu gostaria que fosse diferente é a exploração do projeto, não temos TV do Senninha, não temos filmes, e essa é a minha resistência”, avaliou Ridaut.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o departamento jurídico do Instituto Ayrton Senna confirmou que ainda há um processo judicial movido pelos criadores do Senninha. A empresa sustenta que o objeto da ação já não se aplica, uma vez que a questão dos royalties não é citada e o recurso diz respeito apenas à ausência de indicação de autor e às alterações nos personagens.
SURGIMENTO E DECLÍNIO
A ideia de criar um personagem inspirado em Senna surgiu entre 1990 e 1991. "Sempre gostei de automobilismo. Como eu gostava do Ayrton, pensei em fazer uma revistinha dele, que seria uma coisa diferente e daria bons frutos", recordou Rogério.
Ele então apresentou a ideia para Ridaut, que participou do desenvolvimento do projeto que seria levado a Ayrton Senna. Os desenhos ficaram engavetados até que chegaram à mão do piloto. Ele gostou.
Mesmo depois da morte do piloto, Senninha continuou fazendo sucesso. Mas seus criadores logo abandonaram o projeto Ridaut foi o primeiro a deixar a equipe.
"Um dos motivos é porque eu estava preso ali, não poderia por contrato criar outras coisas, fazer outro trabalho. Outra coisa é porque eu não concordava com a política de uso da imagem do Senninha. Eu tinha ideias que não estavam sendo feitas", justificou Ridaut.
“O Instituto apresentou os argumentos e provas cabíveis para refutar as alegações do autor, ou seja, prova de indicação da autoria, na forma fixada em lei, e de que o personagem guarda os traços originais, não tendo sofrido nenhuma alteração substancial que justificasse o pedido formulado”, concluiu a nota.
O advogado de Rogério Martins rebateu a alegação e afirmou que a questão sobre os royalties é objeto da ação pendente de julgamento no Tribunal de Justiça, citando que o criador do personagem entrou com duas ações, a primeira citando a ausência de indicação de autoria nos produtos que veiculam a imagem do personagem, além da alteração das características do personagem, o que segundo o advogado ocasiona violação ao direito moral do criador da obra.
A outra ação relacionada ao processo por danos materiais, em que o autor pede a reparação de danos sobre direitos patrimoniais que recaem sobre o personagem Senninha, nos termos do artigo 131 da Lei nº 5.988/73.
O advogado de Rogério Martins completa informando que as ações foram reputadas conexas e aguardam julgamento do recurso interposto pelo autor
Ayrton ‘bancou’ Senninha
Segundo Rogério, os problemas com a família do piloto começaram logo na concepção da ideia. “Não queriam que ele fizesse um personagem, o seu Milton [pai de Ayrton] achou que não era legal fazer. Tinha um conflito, mas o Ayrton bateu o pé, brigou com o pai dele para fazer e tocou o projeto”, disse o autor.
Senninha foi lançado em fevereiro de 1994, na época em que o piloto estava testando com a Williams. Por causa da restrição dos componentes eletrônicos naquela temporada, o carro apresentava problemas de rendimento. Mas Ayrton não abandonou o projeto, e ligava para os autores a fim de acompanhar o desenvolvimento.
“Ele estava preocupado com a profissão dele, mas contente com o projeto. Quando teve o acidente, a gente só chorava. Nesse momento, o seu Milton falou que a gente ia continuar. Surpreendeu, porque ele sempre foi contra”, comentou Rogério.
Rogério participou da revista até 1999. “A gente não conseguia se entender com a família. Sempre foi difícil, porque tínhamos um acordo verbal com o Ayrton e sem ele ficamos órfãos. Passamos a ser empregados e só continuamos por vontade de manter o personagem. A postura da família fez a revista acabar”, afirmou. O gibi voltou a ser produzido em 2008, com uma equipe independente dos autores.
* Colaborou Guga Fakri
**Atualizado às 20h15