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Gil de Ferran conta como uma 'videocassetada' o afastou da Fórmula 1

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

09/04/2014 06h00

O ano era 1993, e o jovem Gil de Ferran trazia no bolso o título da Fórmula 3 em busca de seu sonho: entrar na Fórmula 1, seguindo os passos que o ídolo de infância Emerson Fittipaldi. Ele partiu então para um teste com a equipe Footwork Arrows. Após algumas poucas voltas acelerando, ele só não contava que caminhando pelo paddock uma simples porta e uma cena digna de videocassetada mudariam seu futuro.

Hoje Gil de Ferran é um consultor de renome e não tem do que reclamar do que ocorreu depois disso, já que faturou dois títulos na Fórmula Indy e uma vitória nas 500 Milhas de Indianápolis. Mas o incidente inusitado poderia ter transformado tudo. E se ele fosse contratado para a Fórmula 1 e nunca tivesse entrado na Indy? A resposta ele nunca saberá.

Mas vamos ao causo, ocorrido em setembro de 1993, no circuito de Estoril, em Portugal. Nas lembranças do próprio piloto, “eu fui convidado para testar com a Footwork, que era uma Force India da época. O primeiro problema é que eu não entrava direito no carro, na época não havia regulagem de cockpit e eu tenho uma estatura de média para alta para um piloto de corrida (1,77 m). Me encaixei lá e estava superdesconfortável. Dei algumas voltas e deu muita cãibra: nas costas, perna, ombro... Então saí do carro para me esticar um pouco.”

“Eu saí caminhando e havia dois caminhões [motorhomes] na parte de trás dos boxes. Um deles tinha uma espécie de armário, que foi deixado com a porta aberta. E dava bem na altura da cabeça. Eu estava olhando para o chão, pensando no carro, na pilotagem... E enfiei a cabeça na porta!”, relata Gil de Ferran.

A pancada não foi leve. O brasileiro “rachou a cabeça”, foi parar no hospital, levou pontos... Era o fim de um amargo teste com a Footwork, em que ele já não tinha conseguido rodar bem nas poucas voltas dadas. Hoje, o piloto não sabe dizer se só isso foi capaz de fazer a cabeça da escuderia. Afinal, sua qualidade como piloto e questões financeiras também pesam fortemente numa decisão desse tipo. Fato é que ele nunca pilotou pelo time.

De Ferran também realizou um teste em 1992 com a Williams, que foi “superbem”, mas seu rival de Fórmula 3 David Coulthard – hoje um grande amigo – ficou com a vaga. “São coisas que acontecem. Depois, no meio de 1994, tive uma oferta para vir aos Estados Unidos muito boa. Por três anos, com grande salário... Achei que era a oportunidade para mim. Depois tive outras chances, mas aí já era questão de escolher as melhores opções ou foram momentos em que o ‘timing’ não batia”.

Das 'brigas de foice' aos negócios

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Gil de Ferran foi privilegiado ao correr com alguns dos melhores pilotos que despontaram nas principais categorias do automobilismo. Para perseguir o sonho, ele teve de largar tudo no Brasil, trancar faculdade e se mudar para a Inglaterra.

“Foi uma fase um pouco difícil, aprendi muito sobre mim mesmo. E sabe, passei dois anos batendo cabeça na Inglaterra, até conhecer o Jackie Stewart e ele me convidar para um teste. Fui bem e ele me contratou imediatamente. Foi o início do meu sucesso lá”, relembra o ex-piloto, hoje com 46 anos, agradecendo ao lendário ex-piloto.

Sua época de Fórmula 3 foi memorável, dentro e fora da pista. “Foi uma época fantástica. Briga de foice. Mas no bom sentido, tanto que o Coulthard é um dos meus melhores amigos. Ele vem em casa, passamos férias juntos... Eu me sinto privilegiado de ter corrido sempre com grandes pilotos, principalmente no início da carreira. Ter me equiparado com esses grandes pilotos me fez um piloto melhor. E ficaram tantas histórias... Naquela época ninguém era casado, não tinha dinheiro nenhum. Nós éramos jovens como outros quaisquer e, apesar da rivalidade, éramos muito próximos."

Uma diferença de De Ferran para muitos pilotos foi seu interesse pelos bastidores das corridas. Ele sempre soube aprender cada detalhe do que vivia durante a temporada, e passou a desenvolver conhecimentos que iam além da pilotagem – um quesito que ele não tem nada o que provar, com dois títulos da Fórmula Indy. Tudo isso o levou a virar um consultor.

“Eu tive a sorte de estar em muitas faces do esporte, e me interesso por muitos aspectos tanto dos negócios quanto do lado mais comercial, de promoção, fui comentarista, chefe de equipe... Então eu consigo algumas vezes causar um impacto positivo em vários setores de atividades. Hoje minha especialidade é no desenvolvimento técnico de carros e motores. É algo natural, fui estudante de engenharia e quando pilotava, trabalhava junto com as empresas para desenvolver motor, chassi, pneu”, diz ele.

Mas e pilotar, faz falta? “Sim, sinto falta de guiar. Mas cada coisa tem sua hora. Foi uma fase muito legal da minha vida. Tive um reconhecimento grande, e não só do público brasileiro, mas internacionalmente também. Mas não fico medindo para ver se fui mais famoso que um ou que outro. Me sinto prestigiado”, conclui o brasileiro, que com seu bi na Indy fica abaixo apenas de Fittipaldi, Senna e Piquet no sucesso com monopostos.

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