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Fórmula 1

Dono de equipe da Nascar terá time e desafio maior na F1

Livio Oricchio

Do UOL, em São Paulo

13/04/2014 06h00

Gene Haas é um empresário norte-americano muito bem sucedido da área de automação de máquinas. Ama corridas de automóvel, a ponto de ser sócio de uma das grandes equipes da Nascar, a Stewart-Haas. Para dois de seus pilotos, Tony Stewart e Kurt Busch, disputarem o título este ano será necessário um investimento aproximado de US$ 20 milhões. 

No ano que vem Gene Haas vai estrear sua equipe de F1. A FIA oficializou sexta-feira sua entrada na competição. Para apenas somar pontos eventualmente, caso o projeto de fato dê certo, a Haas vai precisar dispor de pelo menos US$ 120 milhões (R$ 265 milhões), valor compatível com o gasto por Toro Rosso e Sauber, por exemplo. Mas representa seis vezes mais do que consome o seu time vencedor da Nascar. 
 
E se no futuro o sonho de Haas for tentar ser campeão na F1, seu orçamento terá de se igualar ao de Red Bull, Ferrari e Mercedes, ou US$ 300 milhões (R$ 660 milhões), nada menos de 15 vezes a mais do que a Nascar exige para ser um vencedor. 
 
Esse é apenas um dos imensos desafios que Haas vai enfrentar para manter a sua equipe na F1. Numa época em que a economia norte-americana ainda se ressente da grande crise iniciada em 2008, não será fácil encontrar investidores com poder e interesse para injetar no projeto valores que a cultura dos Estados Unidos desconhece por completo no esporte.
 
Mais: apesar do sucesso até agora das duas edições do GP dos EUA em Austin, no Texas, a F1 é ainda profundamente desconhecida dos norte-americanos. Seu espaço na mídia é mínimo. O que quer dizer que a exposição dos patrocinadores do time de Haas será reduzida, o que amplia a dificuldade em definir acordos com as empresas.
 
Desafio não é só o orçamento milionário
 
Os problemas de Haas, porém, se estendem para bem além de encontrar dinheiro para viabilizar o projeto. É provável que já conte com parte do orçamento necessário para disputar a próxima temporada. E como sua empresa, Haas Automation, tem fôlego financeiro, poderia completar o que talvez falte para apenas participar do campeonato da F1. Os problemas maiores começam a surgir no segundo ano, quando o entusiasmo já acabou e a dura realidade da F1 emerge.
 
O mais urgente, agora, é Haas encontrar um fornecedor do powertrain, motor e os dois sistemas de recuperação de energia. Há apenas três fabricantes: Mercedes, Renault e Ferrari. O custo é de cerca de US$ 25 milhões (R$ 55 milhões) por ano. A partir do momento que dispor do powertrain o grupo de técnicos que Haas ainda vai reunir começará o projeto do carro. O italiano Gunther Steiner, ex-diretor ténico da Jaguar na F1, está coordenando os trabalhos. O desafio do tempo é enorme.
 
Haas já disse que pretende realizar tudo na muito bem estruturada sede de sua equipe da Nascar em Concord, Carolina do Norte, onde a maioria dos times da competição se instala. Seu túnel de vento, por exemplo, é tão avançado que é possível até mesmo colocar o próprio carro no seu interior. O regulamento da F1, contudo, limita a modelos na escala 60% do original.
 
Fazer tudo nos Estados Unidos poderá ser um problema. A F1 é um evento eminentemente europeu. Das suas 19 etapas, oito são no Velho Mundo e as 11 escuderias existentes têm suas sedes na Europa também.
 
Produzir o carro e peças do outro lado do oceano Atlântico cria de cara uma dificuldade logística grave. O sucesso na F1 passa necessariamente pela agilidade com que as equipes reagem aos desafios que lhe surgem. É provável que Haas opte por ao menos manter um posto avançado na Europa, a fim de reduzir essas dificuldades com a distância e, essencialmente, o tempo em que um componente chegue para os seus engenheiros.
 
História dos EUA na F1 não é favorável
 
Desde que a F1 existe, em 1950, cinco times norte-americanos tentaram se estabelecer no Mundial. Nenhum conseguiu. Pior: não fizeram sucesso e tiveram vida curta. A Eagle de Dan Gurney competiu de 1966 a 1968, foram 25 GPs. Com ele próprio como piloto ganhou o GP da Bélgica de 1967. 
 
A Shadow de Don Nichols estreou em 1973 e ficou na F1 até 1980, mas com bandeira dos EUA só até 1975. No restante representou a Grã-Bretanha. No total, largou em 112 GPs e obteve o primeiro lugar com Alan Jones no GP da Áustria de 1977. A Penske de Roger Penske se apresentou na F1 de 1974 a 1976, em 40 GPs. Com John Watson venceu o GP da Áustria de 1976.
 
A Parnelli só levou seu carro para 16 GPs entre 1975 e 1976. O máximo que conseguiu foi marcar 6 pontos. A esperança norte-americana de estabelecer-se na F1 de verdade surgiu em 1985, quando o ex-sócio da McLaren, Teddy Mayer, se associou a Carl Haas. Mas o principal patrocinador, a empresa de alimentos Beatrice, decidiu interromper a relação e Mayer e Haas deixaram a F1 depois de 19 GPs, sem sucesso. Carl Haas não tem parentesco com Gene Haas que agora tenta competir na F1.
 
Em 2010, Ken Anderson anunciou o US F1 Team. Mas sequer chegou a projetar o carro. Não encontrou investidores.
 
EUA e Europa, mundos muito distintos
 
Várias razões explicam a F1 e os Estados Unidos não falarem a mesma língua. São mundos distintos. A F1 é, essencialmente, uma competição tecnológica. Depois, um grande negócio e apenas na sequência, esporte. Em quase todo GP os times introduzem novidades em seus carros. A evolução do início para o fim do campeonato é expressiva. Sem isso há o risco de as equipes sequer se classificarem para correr. Na Nascar e na Fórmula Indy não existe essa preocupação com a evolução constante.
 
Outra mudança radical entre um e outro mundo é a obrigação de cada equipe na F1 produzir o seu próprio chassi. Não é possível comprar um chassi de outro time. As implicações dessa medida são enormes. Pois exige que cada concorrente disponha de superestrutura tecnológica e altas somas para investir.
 
Red Bull e Toro Rosso pertencem ao mesmo proprietário, Dietrich Mateschitz, dono da Red Bull. E comissários da FIA inspecionam os carros dos dois times para identificar se há componentes em comum não permitidos pelas regras. Poucos, como o sistema de transmissão, são admitidos.
 
Nos Estados Unidos, a competição tecnológica não existe. O importante é o espetáculo. Seja na Fórmula Indy ou na Nascar, a maioria dispõe dos mesmos equipamentos. O público norte-americano precisa saber que há vários candidatos à vitória. Eles não entendem haver um piloto ou uma equipe ganhando tudo como ocorre em muitas ocasiões na F1. No ano passado foi a Red Bull e este, a Mercedes.
 
Para o europeu, é normal haver a hegemonia de um piloto e um time. Pode não gostar, claro, mas aceita. Faz parte da natureza da competição. Uma organização prevalece na competição tecnológica e a consequência é a sua dominância esportiva.
 
Elitismo, parte do marketing da F1
 
A concepção geral da F1 é profundamente elitista. A do automobilismo norte-americano, popular. Além do orçamento de cada um ser assustadoramente distinto, os promotores da F1 cobram valores milionários para a cessão da sua imagem nas transmissões de TV. Redes como a RTL, da Alemanha, Fuji, do Japão, RAI, italiana, pagam cerca de US$ 50 milhões (R$ 110 milhões) de direito por ano para transmitir a F1. 
 
Já a Nascar pode ser até mesmo vista na internet. Os valores praticados pelos organizadores da Nascar e Fórmula Indy na questão dos direitos representam nada perto dos da F1. Outra cobrança desmedida da F1 é a chamada Promotor Fee, ou taxa que cada organizador deve pagar aos promotores da F1 a cada edição do seu GP. 
 
As últimas nações que entraram no calendário da F1, como China, Abu Dabi, Bahrein, Cingapura, Rússia, recolhem para a Formula One Management (FOM) US$ 35 milhões (R$ 77 milhões) a cada corrida. As demais nações pagam menos, mas não muito menos. 
 
Os valores cobrados pela Nascar e Fórmula Indy são desprezíveis se comparados ao Promoter Fee da F1. Os próprios valores médios dos ingressos entre os dois maiores universos automobilísticos do planeta diferem de forma significativa. Custa bem menos assistir a uma corrida nos Estados Unidos que a uma de F1 seja lá onde for.
 
Essa mania elitista da F1 se estende para as relações dos artistas com o público. Enquanto os pilotos, donos de equipe e principais técnicos são relativamente acessíveis no automobilismo norte-americano, na F1 são considerados semideuses. Gostam de se manter distante do público. Faz parte do maketing da F1 esse isolamento.
 
Essas características expõem de forma inequívoca a diferença de proposta entre o automobilismo norte-americano e o europeu. É por isso que é tão difícil uma organização dos Estados Unidos dar certo na Europa e vice-versa. Cada um estabeleceu suas prioridades. E dentro do que se propõem a fazer realizam com eficiência, daí o sucesso das corridas de automóvel em um e outro lado do Atlântico.
 

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