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De criador de carros a mentor de Ron Dennis, Brabham não foi só tricampeão

Jack Brabham, único campeão da F1 com carro da própria equipe - AP Photo/Steve Holland, File
Jack Brabham, único campeão da F1 com carro da própria equipe Imagem: AP Photo/Steve Holland, File

Livio Oricchio

Do UOL, em Nice (FRA)

19/05/2014 17h47

O que a história mais registra da extraordinária trajetória de Sir John Arthur Brabham no automobilismo é a conquista dos seus três títulos mundiais, por si só já grandiosa. Em 1959 e 1960 foi campeão do mundo competindo pela equipe de John Copper e depois em 1966 com sua própria escuderia. O único a ser campeão com um carro construído por ele próprio.

Mas a obra desse australiano de 88 anos, falecido nesta segunda-feira no seu país (noite de domingo no Brasil), vai além das vitórias nesses campeonatos e da criação de um time de sucesso na F1. Jack Brabham, como ficou conhecido, influenciou os conceitos de se projetarem os carros e até hoje um deles orienta tudo o que se faz na F1: a colocação do motor atrás do piloto e não na frente do carro.

Apenas um grande piloto, com presença em 126 GPs, vencedor de 14, dono de três títulos e autor de 13 pole positions, é pouco para Jack Brabham. Ele foi, ao mesmo tempo, um empresário de inegável capacidade, ganhou dinheiro, e com visão do futuro, apesar da origem simples, no subúrbio de Sidney. 

Apaixonado por mecânica, construiu no fim dos anos 40 um carro tipo gaiola para competições em circuitos de terra, muito populares na Austrália, equipado com um motor de motocicleta preparado por ele mesmo. Descobriu logo ter talento para a coisa: construir carros e pilotá-los. Tornou-se campeão regional e nacional em 1950 e 1951.

O dom e a experiência nas corridas o levaram rapidamente à F1, no ano em que desembarcou na Inglaterra, 1955. Jack Brabham teve contato com a equipe Cooper, onde algumas novas maneiras de se pensarem os carros estavam sendo pesquisadas. 

Compreendeu rapidamente os benefícios da instalação do motor não mais na frente, mas atrás do piloto. A ideia era do projetista Owen Maddock. O modelo T51 utilizado por Brabham no campeonato de 1959 representava um sincretismo dos conceitos de Maddock e das suas sugestões como construtor também.

Adiante do seu tempo

O tanque, por exemplo, passou para as laterais do cockpit, tanto que Brabham definia o piloto como uma ilha: "Um pequena porção de carne cercada de combustível por todos os lados". Mas como as corridas eram longas, entre duas e três horas, essa nova posição do tanque, central e baixa, bem com o posicionamento do motor Climax de 2,5 litros e quatro cilindros em linha, fizeram do modelo T51 um grande carro, muito superior aos concorrentes. O T51 estava adiante de seu tempo.

Com ele Jack Brabham conquistou o seu primeiro mundial. Foi no modelo seguite, T53, que a perspicácia e conhecimento de mecânica de Brabham mais se manifestaram. Ele chamou um amigo da Austrália para trabalhar na Inglaterra. Seu nome: Ron Tauranac. Viria a ser reverenciado também depois. Os dois se reuniram com o responsável técnico pelos carros da equipe Cooper, Maddock, e lhe indicaram o que faria o T53 explorar ainda mais os conceitos do já eficiente T51. 

Estavam certos. Jack Brabham venceu cinco GPs seguidos, Holanda, Bélgica, França, Grã-Bretanha e Portugal, e tornou-se bicampeão do mundo. Nessas duas temporadas em que chegou ao título, seu companheiro de equipe na Cooper era o neozelandês Bruce McLaren, que viria a criar, em 1966, sua própria escuderia também.

Antes disso, em 1961, Jack Brabham participou do projeto de John Copper de disputar a corrida de carro mais famosa do mundo, as 500 Milhas de Indianápolis. O modelo construído usou como base o T53 da F1, campeão em 1960, adaptado ao regulamento da Fórmula Indy. Os norte-americanos não entenderam muito bem quando Jack Brabham começou a treinar com um carro equipado com motor traseiro, muito diferente do que estavam acostumados. 

O australiano chegou a ocupar a terceira colocação e terminou em nono. Mas havia demonstrado que aquele era o caminho para a concepção dos monopostos.

Estreia da própria equipe

O primeiro ano da Brabham Racing Organisation na F1 foi 1962. Mas apenas em 1966 viria a realmente ser candidata ao título. Tauranac passou a assinar os projetos, com Jack Brabham opinando na sua concepção. Em 1966 o regulamento dos motores mudou radicalmente.

Agora, seu volume era de 3 litros e não apenas 1,5. Os motores dobraram de volume. Mais uma vez a sensibilidade de Brabham foi decisiva. Em 1965 procurou no seu país um preparador de motores desconhecido na Inglaterra, Repco, para solicitar a produção de um motor que atendesse às necessidades do carro que estava construindo.

Foi além: levou até a Repco o bloco de motor V-8 confeccionado em alumínio, utilizado num modelo da Oldsmobile, a fim de servir de base para o projeto. Equipes como a Ferrari, por exemplo, já trabalhavam num motor de 12 cilindros, possível, agora, com o regulamento ampliando o volume para 3 litros. O feeling de Jack Brabham era de que se aquele V-8 fosse bem desenvolvido, seria mais vantajoso contar com ele do que com um V-12. 

E mais uma vez Jack Brabham estava certo. Com o modelo BT19 e em seguida o BT20-Repco, BT de Brabham e Tauranac, o piloto venceu quatro GPs seguidos em 1966, França, Grã-Bretanha, Holanda e Alemanha, e conquistou seu terceiro título mundial, desta vez com um carro cujo projeto de chassi e de motor teve o seu dedo. E a equipe montada por ele mesmo. Portanto, Jack Brabham pilotou com sucesso dentro e fora das pistas.

Um tal de Ronald Dennis

Em 1968, Jack Brabham admitiu um funcionário na sua equipe. Um jovem mecânico com 20 anos de idade. O austríaco Jochen Rindt, ex-Cooper, fora contratado para ser o seu companheiro na Brabham e solicitou para levar com ele o menino. Seu nome: Ronald Dennis.

Rindt foi para a Lotus, em 1969, e Dennis decidiu permanecer na Brabham, para trabalhar como mecânico chefe do então três vezes campeão do mundo, Jack Brabham. A exemplo do australiano, aquele rapaz viria a se tornar um bem sucedido dono de equipe e homem de negócios, Ron Dennis, atual sócio e diretor da McLaren.

O então Ronald trabalhou no carro de Jack Brabham até ele se retirar da F1, em 1970, aos 44 anos de idade, tendo deixado um legado de conquistas e descobertas. Em 1971 o agora Ron Dennis montou seu time de Fórmula 3, depois Fórmula 2 até se tornar sócio da McLaren, na F1, em 1980.

No fim de 1971 a Brabham foi vendida para o ex-empresário de Rindt, o inglês Bernard Charles Ecclestone. Voltaria a ser campeã do mundo novamente em 1981 e 1983, com Nelson Piquet.

Ron Dennis sempre recebeu Jack Brabham com carinho no suntuoso motorhome da McLaren. Pena o inglês execrar falar do seu rico passado. Durante anos Dennis atendia a imprensa aos sábados, no fim da tarde. 

Numa dessas ocasiões, o hoje repórter do UOL solicitou que lembrasse algumas passagens daquele tempo em que era mecânico de Jack Brabham. Com um olhar furioso, encerrou a entrevista. Dennis nega o seu passado de origem humilde e que por conta da sua inteligência e força de trabalho construiu um império.

Já debilitado pela idade e escutando muito pouco, Jack Brabham se limitava a comparecer no paddock na etapa de Melbourne e de Silverstone, na Inglaterra. 

Gostava de ver, como dizia, sem ser crítico, também como destacava, em que se transformara a competição que tanto amou e com enorme competência se apresentou, da estreia em 1955, no GP da Grã-Bretanha, com Copper, ao do México de 1970, com seu próprio carro. 

 

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