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Fórmula 1

Hamilton está ganhando muitos inimigos, o que é perigoso na F1

Livio Oricchio

Do UOL, em Nice (França)

29/05/2014 14h56

Lewis Hamilton perdeu mais que a liderança do campeonato, em Mônaco, domingo, ao receber a bandeirada na segunda colocação, atrás do companheiro de Mercedes, o alemão Nico Rosberg, novo líder do Mundial. 

O jovem inglês desestabilizou-se emocionalmente com o comportamento de Rosberg na sessão de classificação e fez comentários que desagradaram a muita gente, dentro e fora da Mercedes. Cada palavra que disser, agora, já a partir da próxima etapa, o GP do Canadá, dia 8, será observada de perto pelos novos críticos que ganhou e seu desgaste pode ser ainda maior.

Suas declarações no sábado viraram manchete nos jornais ingleses: "Eu não venho de um grande lugar, Stevenage, e dormia num sofá no apartamento de meu pai. Já Nico cresceu em Mônaco, com aviões e iates. Portanto, nossa fome é diferente".

Hamilton falou mais: "Se vocês pudessem ver a telemetria...", desejava provar que Rosberg agiu deliberadamente para que não conseguisse melhorar seu tempo e, dessa forma, garantir a pole position.

Nos instantes finais da definição do grid, sábado, Rosberg seguiu reto na pequena área de escape da curva Mirabeau, provocando a bandeira amarela no local, o que obrigou todos os pilotos que passassem por ali reduzir a velocidade e, dessa forma, não poder melhorar seus tempos. Foi o caso de Hamilton. A pole position ficou para Rosberg, razão básica de ter vencido domingo.

O discurso crítico de Hamilton não parou. Para a Rádio BBC, afirmou que a partir daquele momento agiria como Ayrton Senna na luta com Alain Prost. "Gostei da forma como ele lidou com a situação. Vou arrancar aquela página do livro." Provavelmente se referia ao fato de Senna ter assumido que colocou Prost para fora da pista, em 1990, em Suzuka, para ser campeão. Exatamente como Prost fez com ele no ano anterior, no mesmo circuito.

O mesmo grupo de jornalistas que acompanhou a breve entrevista para a rádio BBC seguiu para ouvir Toto Wolff, diretor da Mercedes: "Ele disse isso?", perguntou Wolff, recriminando Hamilton. "Na F1 de hoje não vejo como um piloto possa fazer uma coisa dessas. Nico simplesmente exigiu demais do carro, errou e para não bater no guardrail seguiu direto", afirmou Wolff.

Mas Hamilton não parou aí. Estava inconformado. Na coletiva depois da corrida, falou: "Pilotei com o meu coração, dei tudo o que podia, de maneira honesta, e sei que pilotei com honestidade durante todo o fim de semana". 

A primeira onda de recriminações veio da própria equipe. Niki Lauda comentou que o compreendia, mas teria uma conversa com Hamilton. O ex-campeão do mundo de 1975, 1977 e 1984 não gostou também de ouvir no rádio da Mercedes, durante a corrida, Hamilton reclamar da estratégia adotada por seus engenheiros, que o mandaram dar mais uma volta, quando o safety car entrou na pista na 25ª passagem de um total de 78. Por estar na frente, Rosberg tinha a preferência para fazer primeiro o pit stop.

Hamilton, campeão do mundo de 2008, lamentou com energia, no rádio, da perda de performance em decorrência do desgaste dos pneus traseiros, como se a culpa fosse do time, e no fim ainda não parou de falar que um cisco entrou no seu olho esquerdo, o que o impedia de mantê-lo aberto. 

O finlandês Mika Hakkinen, campeão do mundo em 1998 e 1999, pela McLaren-Mercedes, e o inglês John Surtees, em 1964, Ferrari, disseram estar indignados com a série de declarações "inconvenientes" de Hamilton. Wolff confirmou que todos vão, agora, sentar e conversar. "Lewis é muito sensível e competitivo. Nossos pilotos são bem diferentes e acredito conhecer as necessidades de Lewis e como devolvê-lo as suas melhores condições." 

Mas ao falar de onde vem, a pequena Stevenage, município da área metropolitana de Londres, ao norte da cidade, Hamilton não mediu as consequências. A edição de hoje do jornal local, Comet, traz comentários de cidadãos de Stevenage bastante críticos ao piloto.

"Não posso entender como ele fala dessa forma do local onde cresceu", disse Philip Bibby, conselheiro da área de Woodfield, onde Hamilton residia na infância. "Lewis precisa lembrar de suas raízes." Howard Burrell, jovem conselheiro das áreas de esporte, cultura e lazer, falou: "Preferiria que ele se lembrasse dos benefícios de vir de um lugar como o nosso".

É possível entender a indignação de Hamilton em Mônaco. Afinal, como ele mesmo disse dentro da pista ninguém poderia pedir mais do que fez. E sentiu-se profundamente traído pelo companheiro de equipe desde os tempos do kart, quando tinham 15 anos de idade. Para Hamilton, bem como para a maioria dos profissionais da F1, não há dúvida, Rosberg provocou o incidente para beneficiar-se. 

Mas com tudo isso, ainda assim é preciso saber agir na F1. E Hamilton está deixando toda sua ira tomar conta de si. Já ganhou novos inimigos com isso, o que é altamente não recomendado nesse universo de grandes interesses. 

Hamilton deve se apresentar em Montreal sem levar nada do GP de Mônaco na bagagem. E demonstrar que absorveu completamente os desgastes experimentados sábado, domingo e agora com os desdobramentos de seus tiros para todos os lados, como demonstra a comunidade de Stevenage.

Foi no GP do Canadá de 2007, temporada de estreia na F1, que Hamilton estabeleceu sua primeira pole position e venceu seu primeiro GP. Aquela era a sua sexta prova de F1. Para o bem do restante do seu campeonato o melhor que tem a fazer é concentrar-se exclusivamente em tentar manter seu ótimo retrospecto no Circuito Gilles Villeneuve. Ganhou lá também em 2010 e 2012, sempre com McLaren-Mercedes. E obteve mais duas poles, em 2008 e 2010.

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