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Fórmula 1

Com carros mais ariscos, Muro dos Campeões será uma atração no GP do Canadá

AP Photo/Luca Bruno
Imagem: AP Photo/Luca Bruno

Livio Oricchio

Do UOL, em Nice (França)

02/06/2014 11h46

Ninguém questiona que a maior parte das atenções no próximo fim de semana, no circuito Gilles Villeneuve, em Montreal, no Canadá, se concentrará na disputa entre Nico Rosberg e Lewis Hamilton, da Mercedes, depois do desgaste vivido por ambos na etapa de Mônaco, dias 24 e 25, apesar da dobradinha estabelecida para sua equipe, Mercedes. Mas o GP do Canadá, sétimo do calendário, tem outro atrativo: o Muro dos Campeões. 

Com os carros menos equilibrados este ano, as chances de os pilotos aumentarem as estatísticas de choques no Muros dos Campeões são grandes. O tema foi abordado por Sebastian Vettel, tetracampeão do mundo, na apresentação do evento em Montreal distribuída à imprensa por sua equipe, a Red Bull.
 
"O circuito do Canadá é de alta velocidade e muito exigente, com guardrails e muros ao lado da pista. O potencial [de acidentes] é elevado, em especial na curva 15 [a chicane antes da reta dos boxes]. Lá você logo entenderá o significado do 'Muro da Fama' se sair alguns centímetros à direita da trajetória ideal".
 
O Muro da Fama a que Vettel se refere é mais conhecido por Muro dos Campeões. E a razão é simples: cinco campeões do mundo já comprometeram suas corridas ou treinos por colidirem nele, localizado na área externa da última curva do traçado de 4.361 metros.
 
São eles: Jacques Villeneuve, em 1997, com Williams-Renault, e em 1999, BAR-Supertec; Michael Schumacher, Ferrari, e Damon Hill, Jordan-Mugen Honda, em 1999; Jenson Button, BAR-Honda, em 2005, e Sebastian Vettel, Red-Bull-Renault, 2011. Se a lista incluir não apenas vencedores do campeonato é bem mais longa.
 
Vettel sabe como poucos, este ano, como os carros reagem de forma distinta da que estava acostumado nas últimas quatro temporadas, vencidas por ele. "Daniel está conseguindo tirar mais do carro do que eu", afirmou Vettel, na China.
 
Daniel Ricciardo, companheiro de Red Bull, tem sido mais eficiente até agora, tanto que é o quarto colocado no campeonato, com 54 pontos, diante de 45 do alemão, sexto. Os monopostos da F1 estão menos estáveis. A resposta de potência do motor turbo é mais abrupta que a dos motores aspirados usados desde 1989.  A faixa de giros de melhor resposta é menor.
 
Além disso, as restrições aerodinâmicas impostas este ano reduziram a capacidade de os carros gerarem pressão aerodinâmica, o que significa menor aderência. Mais: como o regulamento é novo, a Pirelli tem sido mais conservadora com os seus pneus. São mais duros, por segurança. Em outras palavras, aderem menos. E o controle de tração, que atenuaria todos esses efeitos indesejáveis à performance, está proibido.
 
Está mais fácil perder o controle do carro
 
Essa combinação de elementos é que tornou os carros mais ariscos, menos previsíveis. "Onde mais sentimos é nas saídas de curva, na hora que aceleramos", disse Felipe Massa, da Williams, pouco antes da prova de Mônaco. "O carro se comporta de forma distinta também nas frenagens", explicou Vettel, no GP de Bahrein. 
 
O segmento do traçado onde se encontra a curva 15 é na realidade formado por duas curvas, pois se trata de uma chicane. Os pilotos se aproximam em sétima marcha, este ano a cerca de 330 km/h, os carros estão mais rápidos nas retas, e iniciam a primeira curva, à direita, em terceira marcha, a aproximadamente 130 km/h, pois é de 90 graus. 
 
Imediatamente após iniciar seu contorno os pilotos já devem girar o volante para a esquerda, ainda em terceira marcha, para iniciar a segunda perna, ou curva, também de 90 graus, mas já em aceleração. A velocidade de saída determina a velocidade de entrada na reta dos boxes, daí os pilotos terem de correr algum risco. 
 
Como logo na saída dessa última curva é possível o piloto acionar o DRS, ou flap móvel, para ser mais veloz na reta, estar próximo do carro da frente é fundamental para tentar a ultrapassagem na freada no fim da reta dos boxes, da curva 1.
 
"Não há segredo nessa curva [na verdade as suas duas pernas]", disse Fernando Alonso, da Ferrari, no ano passado, quando questionado sobre o tema. "O problema é que se você passar um pouco mais para dentro da zebra da saída da primeira parte o carro sai do solo e quando pousa não tem espaço para evitar o impacto no muro, pois não há área de escape."
 
O espanhol completou: "Por outro lado, se você não tentar passar sobre a zebra o tempo de volta sobe bastante. Você tem de ser preciso. Mais para a direita fará uma má volta. Mais para a esquerda corre o risco de ser catapultado na direção do muro".
 
Vale a pena recordar os acontecimentos que levaram o muro da saída da última chicane a ganhar a fama de Muro dos Campeões.
 
Vettel passa perto do Muro dos Campeões, em Montreal - Stan Honda/AFP Photo - Stan Honda/AFP Photo
Imagem: Stan Honda/AFP Photo
 
1997
 
O grande ídolo local, Jacques Villeneuve, filho do mito Gilles Villeneuve, se apresentou para disputa o GP do Canadá, dia 15 de junho, sétimo do calendário, como líder do Mundial, com 30 pontos. Michael Schumacher, da Ferrari, tinha 27. E antes de desembarcar em Montreal o piloto da Williams-Renault havia vencido as etapas do Brasil, Argentina e Espanha. Mais de 100 mil torcedores foram ver de perto Jaques Villeneuve.
 
O canadense era o segundo no grid, 13 milésimos de segundo mais lento de Schumacher, o pole position. O que os fãs de Jacques não podiam imaginar é que ainda na segunda volta, das 69 programadas, o seu ídolo perderia o controle da Williams-Renault na última chicane, bateria no muro que mais tarde viria a ser o Muro dos Campeões, e abandonaria a corrida.
 
Saiu socando o capacete. A festa estava pronta para os canadenses celebrarem a segunda vitória de um piloto do país. A primeira havia sido em 1978 com Gilles Villeneuve, com Ferrari, na estreia do circuito que hoje leva seu nome, na Ilha de Notre Dame.
 
A corrida de 1997 não chegou ao fim. Na 54.ª volta, Olivier Panis, da Prost-Mugen, se acidentou com gravidade no trecho de aceleração plena entre as curvas 4 e 6. A frente do carro entrou na barreira de pneus e o monocoque, onde se encontra o cockpit, dobrou o suficiente para quebrar as duas pernas do piloto francês. Depois disso a maioria das barreiras de pneus passou a ter uma manta grossa de borracha envolvendo-as, a fim de evitar de o bico do carro entrar nos pneus.
 
Schumacher venceu o GP do Canadá de 1997, com Jean Alesi, da Benetton-Renault, em segundo, e Giancarlo Fisichella, Jordan-Peugeot, em terceiro. Villeneuve, contudo, viria a ser campeão do mundo, na última prova do calendário, dia 26 de outubro, em Jerez de la Frontera, o GP da Europa, apesar de Schumacher tentar colocá-lo para fora da pista. Assim, o canadense teve a honra de ser o fundador do Muro dos Campeões.
 
1999
 
Houve de tudo nessa edição do GP do Canadá, 31.ª da sua história, sexto do ano, dia 13 de junho, como por exemplo o safety car ser acionado quatro vezes. Michael Schumacher, da Ferrari, largou na pole position, mas ainda na primeira curva um acidente envolvendo Jarno Trulli, da Prost-Peugeot, Rubens Barrichello, Stewart-Ford, e Jean Alesi, Sauber-Ferrari, gerou a entrada do primeiro safety car.
 
Depois da relargada Ricardo Zonta colidiu sua BAR-Supertec no Muro dos Campeões e, de novo, o safety car entrou na pista. Na 15.ª volta foi a vez de Damon Hill, da Jordan-Mugen Honda, bater no Muro dos Campeões. E na 30.ª, ninguém menos de o líder da prova, Schumacher.
 
O erro lhe custou a liderança do Mundial. Havia chegado no Canadá com 30 pontos, enquanto Mika Hakkinen, da McLaren-Mercedes, tinha 24. Como Hakkinen era o segundo na corrida, assumiu o primeiro lugar e venceu, com Giancarlo Fischella, da Benetton-Supertec em segundo e Eddie Irvine, Ferrari, terceiro. "Sem dúvida errei", afirmou Schumacher.
 
Tanto o acidente de Hill quanto o de Schumacher não exigiram o safety car, mas o de Jacques Villeneuve, da BAR-Supertec, na 35.ª volta, também no Muro dos Campeões, sim. O canadense foi o quarto piloto a bater naquele ponto na corrida. Na volta 66 o safety car entraria na pista pela quarta vez em razão de acidente sério de Heinz-Harald Frentzen, da Jordan-Mugen Honda, por ficar sem freios. Não se feriu.
 
Em 1999, portanto, Damon Hill, vencedor do Mundial em 1996, com Williams-Renault, foi o segundo campeão a autografar o Muro dos Campeões. E na mesma prova, logo em seguida, o multicampeão Schumacher também fez questão de se apresentar ao Muro do Campeões. O alemão já havia conquistado o título em 1994, com Benetton-Ford, 1995, Benetton-Renault, e viria a ser campeão mais cinco vezes seguidas, de 2000 a 2004, pela Ferrari.
 
2005
 
O domínio de Michael Schumacher e da Ferrari foi tão avassalador, em 2004, que a FIA resolveu mudar as regras do jogo. A partir de 2005 estava proibido substituir os pneus durante as corridas, exceto no caso de furo ou algum dano. O reabastecimento de combustível continuou permitido. A Ferrari competia com os pneus Bridgestone enquanto Renault, McLaren-Mercedes e BAR-Honda, por exemplo, Michelin. 
 
Os franceses desenvolveram pneus bem mais eficientes que os japoneses para a nova realidade da F1. Assim, a Ferrari ficou de fora da luta pelo título em 2005. Mas na etapa de Montreal Schumacher e, principalmente, Rubens Barrichello, disputaram grande prova, ao terminarem em segundo e terceiro, sendo que Rubinho, por quebra do câmbio, não participou da classificação e largou dos boxes.  Venceu Kimi Raikkonen, com McLaren-Mercedes.
 
O GP do Canadá, dia 12 de junho, teve surpreendentemente Jenson Button, da BAR-Honda, na pole position. Apesar do belo campeonato no ano anterior, em que terminou em terceiro, com 85 pontos diante de 148 de Schumacher, campeão, e Rubinho, 114, vice, Button não havia somado ponto, ainda, em 2005 e aquela já era a oitava etapa do calendário.
 
Antes do GP do Canadá, Fernando Alonso, da Renault, liderava o campeonato, com 59 pontos, seguido por Jarno Trulli, seu companheiro, 27, e Raikkonen, 27. 
 
Em Montreal, Button era o primeiro no grid e Schumacher o segundo, com a dupla da Renault a seguir, Alonso e Fisichella. Os dois largaram bem melhor que Button e Schumacher e a primeira volta termina com Fisichella na liderança e Alonso em segundo. 
 
Na 33.ª volta, de um total de 70, Alonso ultrapassa Fisichella, com problemas hidráulicos, e é líder. Mas na 39.ª volta Alonso bate o carro, danifica a suspensão e abandona. Manteria, contudo, a liderança do campeonato e no fim do ano tornou-se até então o mais jovem campeão do mundo, com 24 anos e 59 dias. Seria superado nesse ranking por Lewis Hamilton, em 2008, da McLaren-Mercedes, 23 anos e 301 dias, e pelo atual líder, Sebastian Vettel, Red Bull-Renault, em 2010, 23 anos e 134 dias.
 
Com o surpreendente erro de Alonso na corrida de 2005, pouco comum na carreira, Juan Pablo Montoya, da McLaren-Mercedes, assumiu a ponta com Raikkonen em segundo, Button, terceiro, e Schumacher, quarto. Na 46.ª volta, a luta entre Button e Schumacher é intensa. O inglês perde o controle da BAR-Honda e colide no Muro dos Campeões. Com o título de 2009, com Brawn-Mercedes, Button se torna o quarto campeão do mundo a admirar mais de perto o Muro dos Campões, depois de Jacques Villeneuve, Damon Hill e Michael Schumacher.
 
 
 
2011
 
O GP do Canadá, sétimo do ano, foi disputado no dia 12 de junho. Corrida histórica, por durar mais de quatro horas, e um desempenho antológico de Jenson Button, da McLaren-Mercedes. A chuva interrompeu a competição na 26.ª volta de um total de 70 e só foi reiniciada mais de duas horas depois, com a melhora nas condições do tempo.
 
O domínio da Red Bull era assustador naquela temporada. Adrian Newey, diretor técnico da equipe, e os técnicos da Renault e Magneti Marelli, responsável pela eletrônica do motor Renault, desenvolveram um complexo e eficiente sistema de aproveitar os gases do escapamento para aumentar a geração de pressão aerodinâmica. 
 
Sebastian Vettel se apresentou para a prova de Montreal com um retrospecto arrasador. Venceu na Austrália, Malásia, Turquia, Espanha e Mônaco. E na outra etapa, China, foi segundo. Somava 143 pontos, ao passo que Lewis Hamilton, da McLaren-Mercedes, segundo no Mundial, 85. Nada sugeria que Vettel não ganharia também o GP do Canadá.
 
Curiosamente, Vettel iniciou sua preparação no circuito Gilles Villeneuve, na sexta-feira, se acidentando. Onde? Como campeão do mundo em 2010, honrou a tradição: no Muro dos Campeões. Vettel, portanto, não quis ficar atrás de outros vencedores de campeonato e em 2011 se apresentou ao Muro da Fama, como o definiu, este ano, no comunicado da Red Bull.
 
O acidente não o impediu de largar na pole position. Fernando Alonso, da Ferrari, era o segundo no grid. A corrida começa com os carros atrás do safety car, por causa da chuva. Na sexta volta o safety car deixa a pista. Na oitava, Jenson Button e Lewis Hamilton, a dupla da McLaren, batem na reta dos boxes. Hamilton abandona. O safety car volta a ser acionado.
 
Na 26.ª, a chuva aumenta e Charlie Whiting, diretor de prova, é obrigado a interromper a competição. Apenas cerca de duas horas depois é reiniciada. Button e Alonso se tocam na 37.ª volta. O espanhol abandona. Button danifica o aerofólio dianteiro cai para 21.º e último. Ele já havia cumprido um drive through por exceder a velocidade no período do segundo safety car. 
 
A recuperação de Button principalmente a partir da 37.ª volta é impressionante. Realiza várias ultrapassagens, como sobre Mark Webber, Red Bull-Renault, Michael Schumacher, Mercedes, e encosta em Vettel, o líder. Na última volta, o alemão erra na freada da curva 6, atravessa o carro da Red Bull e Button o ultrapassa para receber a bandeirada, dois quilômetros e meio mais adiante, de forma espetacular, em primeiro. Havia uma trilha seca no asfalto, apenas. Quem saísse perdia o controle do carro, como foi o caso de Vettel. 
 
O mesmo Button que em 2005 escreveu se nome no Muro dos Campeões, como vencedor em 2009 do campeonato, em 2011 também entrou para a história, com um trabalho dentre os mais notáveis na F1. 
 
Agora em 2014, já a partir de sexta-feira, haverá nada menos de cinco campeões do mundo na pista do circuito Gilles Villeneuve, Fernando Alonso, 2005 e 2006, Kimi Raikkonen, 2007, Lewis Hamilton, 2008, Jenson Button, 2009 e Sebastian Vettel, 2010, 2011, 2012 e 2013. E os carros, conforme o próprio tetracampeão vem afirmando, estão mais difíceis de serem pilotados. Raikkonen e Hamilton ainda não fazem parte do grupo dos campeões fãs do Muro dos Campeões. 
 
Depois de tudo isso, agora responda: o Muro dos Campeões é ou não uma atração a mais no GP do Canadá de 2014?
 

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