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Fórmula 1

Villeneuve defende Ecclestone e ataca "meninos" no grid da Fórmula 1

Livio Oricchio

Do UOL, em Spielberg (Áustria)

26/06/2014 14h06

O seu currículo diz por si só: o canadense Jacques Villeneuve, 43 anos, forma com o ítalo-americano Mario Andretti e Emerson Fittipaldi o trio dos únicos pilotos da história a serem campeões na F1, na F Indy e vencerem as 500 Milhas de Indianápolis. O máximo no automobilismo.

Mas Jacques traz algo a mais consigo. É filho de Gilles Villeneuve.  Seu pai é ainda hoje um mito, apesar do acidente fatal na classificação do GP da Bélgica de 1982, com Ferrari. Jacques herdou parte daquela gana insaciável de vencer de Gilles.

E fora da pista demonstra o mesmo arrojo. Expressa o que pensa, doa a quem doer. Sua visão de quase tudo é sempre polêmica. Na F1 de hoje, por exemplo, quase nada se salva. E os pilotos são "meninos e não homens". Sua previsão para o futuro é sombria. "Sem Bernie Ecclestone a F1 vai morrer."

Apesar de ter parado de correr na F1 em 2006, depois de 163 GPs, o título de 1997, com Williams-Renault, 11 vitórias e 13 poles, Jacques deixa claro que se lhe chamaram para competir está pronto, seja onde for. "É o que me mantém vivo." No mês passado assumiu todos os riscos ao voltar a disputar as 500 Milhas de Indianápolis, 19 anos depois de tê-la vencido. "Que divertimento!" Acabou em 14.º.

Na Áustria, Jacques conversou durante longo tempo com o UOL Esporte, mais uma conversa que entrevista propriamente. Vai a todas as corridas, por ser comentarista da TV Sky da Itália, além de colaborar com o Canal Plus da França.

UOL - Jacques, você se tornou comentarista de F1 nos últimos dois anos e os telespectadores adoram seu estilo direto e objetivo. Está gostando da experiência?
Jacques Villeneuve (JV) -
É divertido, mas sem dúvida não é como a minha paixão por pilotar. Eu conheço bem o ambiente, as coisas do carro, a F1, portanto é fácil para mim. O que gosto nesse projeto é que tanto na TV italiana quanto na francesa tenho total liberdade. Posso dizer o que penso, basta apenas que os meus comentários sejam claros. Se fosse uma TV muito política, falar só dos franceses, fingir, mentir, não aceitaria o convite.

UOL - Você parece se divertir no paddock.
JV -
Sim, mas se tiver uma opção para pilotar uma temporada inteira, se puder escolher entre estar atrás de um volante ou comentar as corridas certamente vou preferir continuar como piloto. Fiz este ano as 500 Milhas de Indianápolis, participei do Rally Cross, é o que me mantém vivo. Se tiver uma chance nas 24 Horas de Le Mans também vou, mas só se for num carro capaz de me permitir lutar pela vitória. (Villeneuve é comentarista da Sky Itália e do Canal Plus na França.)

UOL - Como foi voltar a correr em Indianápolis 19 anos depois de você vencer a corrida mais famosa do mundo?
JV -
Adorei, que velocidade! Estávamos no limite. Trabalha-se bastante, aqueles carros, o tráfego, os riscos, o coração bate mais forte. Acaba a corrida e você sabe que fez algo especial, isso me agrada muito, realizar uma ação que nem todos conseguiriam. (Este ano Villeneuve aceitou o desafio de, aos 43 anos, voltar a correr em Indianápolis, prova vencida por ele em 1995, quando também foi campeão da Fórmula Indy, pela equipe Green. Largou em 27.º lugar e recebeu a bandeirada em 14.º, pela equipe Schimidt Peterson Motosport.)

UOL - Você se sente ainda um piloto competitivo, em condições de lutar pelas vitórias e disputar títulos?
JV -
Seguramente. A minha vontade de vencer é a mesma de quando eu era menino, com a vantagem de que agora eu tenho experiência. Essa maturidade te ajuda a tomar as decisões certas nos momentos mais difíceis. Quando você é jovem é mais fácil você errar. Os anos a mais te mantêm mais calmo, ajudam entender a hora certa de tomar uma decisão, enquanto no começo você não pensa muito. A experiência, a idade têm papel importante no poder concentração, cresce, as corridas parecem que ficam mais curtas.

UOL - Os carros da F1 de hoje são bastante distintos da Williams-Renault de 1997, quando você foi campeão. Como você acompanha tudo de perto, por estar aqui ainda na F1, qual das competições prefere, a de sua época de sucesso ou a atual?
JV -
Não gosto desse modelo que está aí. Sempre apreciei os aspectos mecânicos da F1. O piloto, a equipe podem dispor dos dados apurados pela telemetria, mas apenas para ver o que fazer, como trabalhar o carro. Para mim isso se faz com uma folha de papel, o engenheiro do lado e muita conversa. O piloto tem de ter olhos para ver como a suspensão está funcionando e saber por qual razão, por exemplo, o carro está saindo de frente. Tem de analisar o movimento da suspensão e ser capaz de associar ao que se passa com o carro. Os pilotos de hoje não aprenderam nada disso. Os mais antigos, como Fernando Alonso, que entendem do funcionamento do carro, conseguem tirar proveito disso.

UOL - Michael Schumacher disse, quando voltou a correr de F1, pela Mercedes, em 2010, que uma dos aspectos que sentia dificuldade era a profunda interação necessária com os vários recursos do carro. Rubens Barrichello comentou sobre isso que a idade é um impedimento quando comparado aos mais jovens.
JV -
Depende de você. Eu sempre gostei bastante de computadores, tenho grande interação, faço programas. O que não gosto na F1 é essa associação excessiva entre as duas coisas, computador e carro, para ajudar o piloto. Os engenheiros de hoje não querem que os pilotos digam como o carro está se comportando, pois os computadores fazem tudo. Não desejam que os pilotos trabalhem como antes. Você não precisa entender o funcionamento do carro para melhorá-lo, é tudo automático. Há sistemas como o hidráulico da Mercedes, responsável pelo controle da altura da frente e traseira, em que os ajustes são contrários à lógica, não intuitivos, você como piloto não pode entender. Eles fazem o acerto e depois te explicam como é.

UOL  - Podemos entender que você seria ainda competitivo mesmo nessa F1 supertecnológica.
JV -
Penso que sim. Mas não posso dizer isso porque vão dizer ah.... Fisicamente esses carros são fáceis de ser pilotados, são mais lentos de quando eu deixei a F1 (no meio da temporada de 2006, GP da Alemanha, quando pilotava para a BMW Sauber), portanto não seria problema. Mas na Europa seria impossível. Se você tem mais de 25 anos já é um velho. Estava em Indianápolis (no mês passado) e as pessoas estavam felizes em me ver assumir os riscos de disputar as 500 Milhas aos 43 anos. Foi tudo bem, fiz tudo certo na corrida e eles te jogam para cima, não para baixo, o ambiente é outro. Aqui na F1 é tudo diferente. Há quem esteja feliz por Sebastian Vettel não ir bem. Ele é o atual tetracampeão do mundo, dizem que ficou lento, é horrível ouvir isso.

UOL - Voltando a atual temporada, você tem sido um crítico das bandeiras levantadas pelo regulamento.
JV -
Sim, apesar de algumas belas corridas, mas não graças ao novo regulamento. O que existe hoje não é a F1. Essa bandeira de preservar o verde, economizar despesas é tudo falso, não funciona. A F1 deve ser extrema, deve ser uma coisa não normal, algo não humana, 1000 cavalos. Lembro do tempo do Senna, em que eu via as provas na TV e dizia a mim mesmo 'Meu Deus, não vou ser capaz de pilotar esses carros'. Quando você chega lá se adapta. Hoje os carros são lentos, sem barulho, ainda que isso seja secundário. E tudo artificial demais, como o DRS (flap móvel para facilitar as ultrapassagens), agora querem introduzir as faíscas, estão tentando se tornar americanos, fazer um show e não privilegiar a competição. Adotaram o DRS e tivemos 50 ultrapassagens numa corrida. Reclamaram que era demais. Quando você começa com esses artificialismos não pode voltar mais atrás, quer dizer que você está morrendo, acabou. Não pode mais fazer corrida de verdade.

UOL - Como seria, então, a sua F1?
JV -
A primeira providência seria proibir toda telemetria. A F1 seria homem, carro, equipe e trabalho. Daria muito mais liberdade, em especial quanto aos motores. Ok, limitar o consumo de combustível é algo interessante, algo bom, então estabeleceria um limite de gasolina, digamos 60 quilos, e diria veja o que você faz com isso. Se for capaz de produzir um motor de 1.400 cavalos, ótimo para você. Essa seria uma competição real, haveria desenvolvimento tecnológico, cada concorrente apresentaria o seu projeto. Hoje é tudo igual, arquitetura fixa (V-6 a 90 graus), onde está o desenvolvimento? E não custa menos, mas igual. Outra medida que tomaria seria reintroduzir a guerra entre fabricantes de pneus, não haveria um fornecedor apenas. (Todos competem com pneus Pirelli desde 2011.)

UOL - Apesar de todas as limitações citadas por você, algum piloto o impressiona?
JV -
E eles podem dizer o que pensam? Parecem meninos e não homens, para quem está de fora é difícil entendê-los e não é por causa da idade. Talvez a culpa seja de suas equipes que não lhes dá liberdade. O que vejo de fora é que os que aprenderam a trabalhar o carro conseguem fazer algo a mais. Depois da primeira corrida disseram que Magnussen era o novo gênio. Depois de duas corridas passou a ficar atrás do companheiro, Jenson Button. É preciso ter mais calma antes da falar. (O dinamarquês Kevin Magnussen, de 21 anos, foi segundo colocado na estreia na F1, pela McLaren, este ano, na abertura do campeonato, na Austrália.)

UOL - Há falhas importantes na formação dos pilotos, pelo que podemos entender pela sua explicação.
JV -
Se hoje um piloto jovem e seu pai vierem falar comigo, perguntando o que fazer, pedir uma orientação, responderei para procurar outra coisa. Hoje, para ser piloto, ou você tem alguns milhões de dólares no banco ou alguém te sustenta por prazer. Não sei como conseguem seguir adiante com a carreira. Outra possibilidade é entrar na família Red Bull porque Helmut Marko gostou de você. Não há outra maneira além dessas. É melhor jogar futebol, as chances serão maiores. Mesmo você sendo veloz, jovem ninguém vai se interessar por você. Querem saber o quanto de dinheiro você pode levar para eles.

UOL - O suíço Fabio Leimer, campeão da GP2 no ano passado, veio a público dizer que mesmo com o título da GP2 e US$ 14 milhões não conseguiu vaga na F1. Houve quem pagou mais.
JV -
No paddock ninguém olha para a GP2, não é importante. Os homens da F1 não olham também para as demais categorias, não têm nenhuma importância. A GP2 não seleciona quem tem talento, os carros são estranhos e no passado seus pilotos não iam bem na F1. Ou você tem muito dinheiro para chegar na F1 ou não há como. É terrível o que está acontecendo, não estão selecionado talento. A McLaren resolveu assumir riscos ao contratar Magnussen.

UOL - Você é casado com um brasileira, Camila.
JV -
Sim, de São Paulo. Temos dois filhos, dois meninos, um de 17 meses e um de 5 meses. Mas moram conosco também os meus outros dois filhos, dois meninos, de 7 e 6 anos. São quatro homens lá em casa, na Suíça. Foi uma mudança grande para a Camila, nada fácil, é muito trabalho, mas ela é bastante responsável.

UOL - Se alguns dos seus meninos decidir ser piloto, como reagirá?
JV -
Vai, tchau. Se desejar saber alguma coisa de mim, claro, vou ajudar, mas se eu tiver de pagar sua carreira não. Não creio nessa história de dar uma chance aos jovens só por ser jovem e a vida é difícil. Damos chance a quem merece ter chance, o que é diferente.  Se ele se mostrar de verdade interessado, estiver disposto a correr os riscos, acordar cedo, submeter-se aos sacrifícios de ser piloto, sim. É legal pensar na F1 como algo onde há muito dinheiro, jet set, mas o desafio para chegar lá é grande. É preciso paixão, abrir mão de muita coisa e viver em função disso.

UOL - Uma vez que seu filho atendesse a esses pré-requisitos, o ajudaria, então por exemplo a correr de kart?
JV -
Iria primeiro disputar corridas de esqui, como eu fiz, é suficiente. Ali poderia entender sua mentalidade como enfrentar os problemas para se tornar mais rápido. Eu praticamente não competi de kart. No esqui você pode desenvolver essa filosofia do que é preciso para ser mais eficiente e depois transportá-la para o carro. Ele vai sentar e começar a descobrir como ser veloz, como fez no esqui. Se for capaz no esqui será no carro e em outros esportes. Se quiser, poderá fazer a escola de pilotagem.

UOL - Por que você nunca gostou de falar de seu pai?
JV -
Gosto, sim. O que acontece é que quando comecei todos me perguntavam se eu desejava dar sequência ao que o meu pai fazia, continuar sua história. Não queriam me ver, mas tinham o sonho de ver Gilles Villeneuve. E não era o caso. Eu respondia que estava lá em razão de eu gostar do automobilismo e não por causa de meu pai. Para evitar discutir com alguém parei de falar nele.

UOL - Como o vê hoje?
JV -
Seguramente era muito talentoso.  Ter sido piloto me despertou o gosto pelo automobilismo, mas mais do que isso foi a forma como cresci. Aos 4 anos eu já brincava de motocross, fazia saltos. E o fato de meu pai ter morrido me ajudou a crescer como homem, tinha 13 anos. Se estivesse vivo, conviver com o que ele representava seria pesado demais para mim, não teria funcionado, eu teria continuado sendo um menino. Todas as coisas que te acontecem na vida acabam por te ajudar.

UOL - O quanto de Gilles Villeneuve há em você, era um piloto que assumia elevados riscos.
JV -
É interessante. Às vezes digo algo e depois leio o que meu pai disse a respeito do mesmo tema, algo que eu não poderia saber que ele comentou, e há similaridades importantes. Existe alguma coisa, sim, que passa no sangue. E há a questão da educação, o que você aprende até os 8, 10 anos de idade.  Se eu não tivesse ganhado a minha moto aos 4 anos e não tivesse visto o respeito que os outros tinham pelo meu pai... o que também foi importante na minha escolha. Trouxe dele essa gana de buscar o limite, usei no esqui e levei para o automobilismo. Mas há uma diferença. Eu também corria elevados riscos, mas penso que pensava um pouco a mais antes que o meu pai. Quando batia forte (por duas vezes na temida curva Eau Rouge, em Spa-Francorchamps, na Bélgica), me sentia atingido não poder ter me ferido, mas de vergonha de entregar à equipe um carro destruído. Porém penso que se corresse na época do meu pai eu também teria morrido.

UOL - Quando assisti a imagens de seu pai correndo, com aquele estilo único, agressivo, corajoso, o que sente?
JV -
Acho fascinante. As pessoas têm um amor por ele que vai além dos resultados que conquistava. As pessoas entendiam que fazia aquilo por paixão, isso era a coisa mais importante para ele. Meu pai fazia os torcedores sonharem, era uma época de heróis, assistiam à corrida e diziam a si próprios que não poderiam fazer aquilo, não poderiam assumir aqueles riscos. Hoje, no entanto, olha esses pilotos, são meninos. As pessoas pensam consigo 'Ah, eu posso jogar play station então posso pilotar um F1', não existe mais fascínio. O que é fascinante hoje é o dinheiro, o jet set, as mulheres. Meu pai fez muita gente sonhar e não tinha filtro, era espontâneo, natural.

UOL - A geração de seu pai, o companheiro de Ferrari, Jody Scheckter, Nelson Piquet, Nigel Mansell, Alan Jones, dentre outros, faria sucesso hoje na F1?
JV -
Seguramente. Corriam com o que tinham, com o que conheciam. Se corressem hoje, com a idade daquela época, depois de dois anos andariam junto com os pilotos de hoje, talvez até melhor porque eram homens. Aprender (os recursos de hoje) não é segredo, tem gente com 60 anos que nunca viu computador e de repente se mostra capaz. O problema daquela geração é que não treinavam fisicamente, não seguiam nenhuma dieta e aos 40 anos eram já velhos para a F1. Isso mudou muito.

UOL - Como será a F1 depois de Bernie Ecclestone? (O homem que comanda a competição fará 84 anos dia 28 de outubro).
JV -
Para mim a F1 vai morrer. Não sobreviverá. Não vejo como pode sobreviver sem ele. A F1 não é uma democracia. Se fosse não teria chegado onde chegou. Quando as decisões terão de ser tomadas pelos representantes das dez equipes não vai funcionar, cada um vai querer uma coisa diferente. Bernie é capaz de falar com os governos, fazer as coisas mais difíceis. Ele decide.

UOL - Já se fala em contratar uma empresa especializada em criar espetáculos para ajudar a F1.
JV -
Estão tentando fazer da F1 um show, mas é um esporte. Se eles se limitarem a fazer da F1 apenas um show, as pessoas vão assistir a um circo, não a um esporte. Os pilotos não são mais heróis, que é o que as pessoas desejam ver. Chegam aqui na Áustria e dizem que a pista é perigosa, o que é isso? Perderam a referência.

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