Em Hockenheim, o mito Jim Clark está ainda mais vivo
Enquanto neste fim de semana a F1 enfrenta na Alemanha céu azul e a temperatura mais elevada do campeonato até agora, 33 graus, com o asfalto a 58, no dia 7 de abril de 1968, também em Hockenheim, chovia forte e fazia frio.
A pista alemã recebia a etapa de abertura do Campeonato Europeu de Fórmula 2. Viria a ser trágica. O automobilismo perderia um dos seus maiores pilotos de todos os tempos, o escocês Jim Clark.
O ambiente no autódromo, dia 7 de abril, era de festa. Alguns dos mais prestigiados pilotos em atividade, competiam na F1 também, estavam presentes em Hockenheim, como os representantes da Matra, os franceses Jean Pierre Beltoise e Henri Pescarolo; da Ferrari, o neozelandês Chris Amon, e as estrelas do evento, os campeões do mundo na F1, Clark e seu companheiro no lendário Gold Leat Team Lotus, o inglês Graham Hill.
Seriam duas baterias de 20 voltas cada no veloz traçado de 6.786 metros.
Em 1998, para lembrar os 30 anos da perda de Clark, o hoje repórter do UOL Esporte entrevistou Max Mosley, presidente da FIA. Nem todos sabem, mas Mosley antes de criar a marca de carros March, ser chefe de equipe e depois assumir a FIA, em 1991, foi piloto. E alinhou sua Brabham na corrida de Fórmula 2 em Hockenheim em que o mundo perdeu Clark.
"O que primeiro me vem à mente daquele dia foi que hoje nenhum diretor de prova autorizaria a largada naquelas condições. Eu não via nada. Havia uma cortina de água na minha frente. Lembro de olhar para cima, a fim de identificar a clareira do corte das árvores para descobrir o traçado", disse Mosley.
"As condições de segurança comparadas com hoje provocam risos na gente. Recordo também de não haver guardrails em boa parte do circuito. E nossos carros eram bem rápidos já", comentou o inglês.
Na quinta volta da primeira bateria, Clark era o oitavo colocado. A Lotus 48 de F2 não estava à altura dos modelos da Matra e da Brabham. Clark contornou a curva 1 e entrou na imensa reta, em meio à floresta, que o levaria até a OstKurve, quando a contornaria e seguiria por outra reta bem extensa, quase paralela à primeira, até voltar à parte que ainda atualmente se chama estádio, onde estão as arquibancadas.
Sem que até hoje não haja uma conclusão precisa do que aconteceu, no meio da reta Clark perdeu a direção da sua Lotus 48 e saiu da pista, à esquerda da passagem dos carros, a cerca de 230 km/h. Sem guardrail, colidiu de lado com uma árvore, dividindo o chassi ao meio. Os componentes da Lotus se espalharam por larga área.
No impacto, Clark teve fratura da coluna cervical e da caixa craniana, morrendo quase de imediato.
O hoje jornalista e escritor alemão Hartmut Lehbrink - trabalhou no Auto Motor und Sport - estava em Hockenheim há 46 anos. "Em primeiro lugar, ficamos surpresos com a presença de Clark, Hill, campeões, porque havia no mesmo dia, na Inglaterra, a respeitada prova 1000 km de Brands Hatch, para carros esporte turismo", lembra.
E a Lotus tinha uma relação profunda com a Ford, pois foi a primeira a utilizar o lendário motor Ford V-8 Cosworth no seu modelo 49 de F1, em 1967. O projeto era tão revolucionário que o seu conceito de integrar o monocoque ao motor é até hoje utilizado na F1. Hill seria campeão do mundo de 1968 com a Lotus 49-Ford Cosworth. A Ford estava pronta para disputar os 1000 km com um modelo esporte turismo para Clark e Hill quando seu diretor recebeu uma ligação de Colin Chapman, fundador e proprietário da escuderia, para informar que iria competir na abertura da Fórmula 2. A razão era o contrato assinado com a Firestone, segundo alegou Chapman.
Lehbrink resgata mais da experiência na prova. "Nós vimos a ambulância entrar na pista, sem saber do que se tratava. E só depois da bandeirada, na 20.ª volta, os rumores de um acidente grave com Clark chegaram no paddock."
Mosley também fala da corrida. "Não havia rádio, nos comunicávamos através dos cartazes expostos pela equipe no muro dos boxes, como sempre. Apesar do acidente de Jim (Clark) ter sido no início da corrida (quinta volta), seguimos competindo normalmente. Foi só depois de trazer meu carro para os boxes que fiquei sabendo do ocorrido".
Lehbrink destaca exatamente essa questão de como a comunicação não tem nada a ver com a forma como tudo se processa hoje. "Um grupo de integrantes da Lotus começou a percorrer o paddock para dar a notícia, pessoalmente. A expressão das pessoas ainda está viva em mim. Choque, profundo choque. Não acreditávamos que Clark havia morrido ali."
Outro alemão, Rainer Schlegelmich, uma lenda entre os fotógrafos, contou para o UOL Esporte, em Hockenheim, o que viveu no autódromo naquele dia triste. "Eu comecei a trabalhar em 1962. Clark representava o máximo dos pilotos. Era o Ayrton Senna da época. E tornou-se meu ídolo."
No dia 7 de abril Rainer estava fotografando o grid. "Havia um cartaz da Total, a petroleira francesa. Tot em alemão significa 'morto'. E eu fiz uma foto em que Clark cobre o final da palavra, o "al" de Total, e aparece apenas o Tot. Os dois aparecem na foto dessa forma, Clark Tot ou Clark morto", lembra o profissional.
"Posso dizer que me senti muito mal naquele dia. Tirei as fotos básicas que precisava depois de saber e fui para casa, em lágrimas. Ali entendi que eu me dedicava a um esporte realmente perigoso e precisava me preparar para enfrentar aquela tristeza profunda outras vezes", disse, em tom sentido, ao UOL Esporte.
Em 2012, para celebrar os 40 anos do GP de Mônaco de 1972, o repórter entrevistou Jean Pierre Beltoise, vencedor daquela prova histórica de F1 para o Brasil. Com sua BRM, sob chuva intensa, o francês venceu seu único GP na F1. Mas Emerson Fittipaldi, da Lotus-Ford Cosworth, terminou em terceiro e assumiu a liderança do Mundial pela primeira vez.
Beltoise foi o vencedor, também, das duas baterias da etapa da Fórmula 2 em Hockenheim. "Lembro, como não? Como me lembro dos 1000 km de Buenos Aires." Nesta corrida de Esporte Protótipos, em 1971, na Argentina, Beltoise estava empurrando sua Matra sem gasolina de volta aos boxes e Ignazio Giunti, com Ferrari, e o acertou em cheio, morrendo. "Não tive culpa", afirma até hoje Beltoise.
A respeito do evento de F2 em Hockenheim, Beltoise falou: "Acabou a corrida, fui para o pódio e então me disseram que Jim estava morto. Foi um choque."
Mas nem a morte de Clark impediu a realização da segunda bateria, horas depois. "Acho que era o melhor a fazer", defende hoje Lehbrink. O público não sabia do acidente de Clark. Os carros alinharam para a segunda bateria e quando saíram do estádio, foram para a parte da floresta, o barulho diminuiu e o locutor pediu que todos se levantassem na arquibancada", conta o alemão.
"Começou dizendo que tinha uma notícia muito ruim para dar. E foi bem objetivo ao afirmar 'Senhores, Jim Clark está morto'. Vi pessoas chorando, muitas, como havia visto já antes no paddock."
O que todos queriam saber era o que teria causado o acidente. Pilotos como Clark e Senna passavam a ideia de imortalidade. Lehbrink descreve a cena: "Ouvimos de tudo na hora. Até que torcedores atravessaram na frente de Clark, o que não considero impossível por não existir cerca na época. Qualquer cidadão que caminhasse pelas trilhas da floresta acessava a pista".
A investigação determinou que a causa foi a explosão do pneu traseiro direito, motivada por passar sobre elementos perfurantes existentes no asfalto. Foi a opinião também do mecânico de Clark, Dave Sims. O inglês Derek Bell, que competia para Frank Williams com Brabham, estava atrás da Lotus de Clark. Para ele, o motor da Lotus falhou e ao funcionar de novo provocou a guinada do carro para a esquerda, favorecido pelo piso molhado.
Herbie Blash, o atual vice-diretor de prova da F1, mecânico de F2 na época, diz que todas as versões que ouviu poderiam explicar o acidente de Clark. "Portanto nunca saberemos com precisão. A versão do pneu faz sentido, do corte do motor também, de pessoas atravessando a pista. A destruição do carro foi tão grande que uma análise exata tornou-se impossível."
No ponto da reta onde Clark saiu da pista os responsáveis pelo Circuito de Hockenheim criaram uma chicane e lhe deram o nome Jim Clark. Naquele mesmo local, em 1972, o norte-irlandês, radicado na Nova Zelândia, Bert Hawthorne, também numa corrida de F2, perdeu a vida. Seu carro perdeu velocidade e acabou atingido pelo de Bernd Terbeck, matando-o.
Niki Lauda disputava a corrida. Para a imprensa, na época, o austríaco contou que parou no box e perguntou o que era aquele carro pegando fogo na pista e por qual razão não apagaram. Só depois veio a saber que no acidente havia morrido Hawthorne.
Ao lado do Clark Memorial, na área de floresta de Hockenheim, há uma placa no solo, encoberta pelo mato, para lembrar a perda de outro piloto naquele local, Hawthorne.
Na realidade, o Memorial foi deslocado cerca de 150 metros para a frente, em 2002, quando o circuito foi recriado, extinguindo a maior parte do segmento que entrava na floresta.
A localização do Memorial não importa. O que interessa é que hoje, 46 anos depois da perda de Clark, há sempre flores e mensagens mostrando que a elevada obra desse excepcional piloto, campeão do mundo de 1963 e 1965, com Lotus, e vencedor das 500 Milhas de Indianápolis, em 1965, viverá para sempre.
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