Sebastian Vettel curtiu as férias de meio de ano, em 2013, sentindo-se bem mais confortável que na folga das últimas semanas. É bem provável que nesses dias que antecedem a próxima etapa do campeonato, o GP da Bélgica, dia 24, o tetracampeão do mundo esteja aproveitando a pausa no calendário para tentar entender melhor o que acontece com ele.
Da prova na Austrália a da Hungria, no ano passado, Vettel somou 172 pontos, era o líder do campeonato. Havia vencido quatro vezes e chegado ao pódio em sete ocasiões. O companheiro, Mark Webber, sempre um parâmetro para compreender a eficiência do seu trabalho, era o quinto colocado, com 105 pontos. Dos 277 pontos obtidos pela Red Bull, Vettel contribuiu com 62,09%. Webber, 37,90%.
A necessidade de Vettel, 27 anos, refletir sobre o seu momento, este ano, provém do fato de Daniel Ricciardo, 25 anos, atual companheiro, pela primeira vez num time vencedor, ter assumido o seu papel de protagonista na escuderia. Restou a Vettel representar o mesmo de Webber nos últimos anos, um mero coadjuvante da Red Bull, cuja responsabilidade maior era somar pontos para o Mundial de Construtores.
A Red Bull-Renault não tem este ano um carro tão veloz, equilibrado e resistente como o dos últimos quatro campeonatos. Vettel não pode ser cobrado por não repetir o extraordinário sucesso nesse período, mas confrontar sua produção com a de Ricciardo faz sentido. E é o que quase todos fazem na F1.
Antes de o campeonato começar, a lógica propunha que Vettel não teria grandes dificuldades para ser mais eficiente que Ricciardo. Parecia ser uma disputa desigual. Mas os resultados das 11 etapas realizadas surpreenderam a todos. Quase todos. "Eu esperava, sim, poder disputar um temporada como estou fazendo", diz Ricciardo, cheio de autoconfiança.
Vantagem enorme
Os números ilustram bem o confronto entre os pilotos da Red Bull. Hoje Ricciardo é o terceiro na classificação do campeonato, com 131 pontos. Nico Rosberg, da Mercedes, lidera com 202. Vettel está apenas em sexto, com 88. Na luta interna com Ricciardo, Vettel perde, e por muito, tanto pelas melhores colocações no grid como nas das corridas. O placar: 7 a 4 nas classificações e 8 a 2 nas corridas.
A prova de que Vettel está para Webber, este ano, assim como Ricciardo está para Vettel, encontra-se na contribuição de cada um para a equipe. Vettel tem 40,18% de participação nos 219 pontos da Red Bull enquanto Ricciardo, 59,81%.
É possível ir além: a grata surpresa da temporada, Ricciardo, venceu no Canadá, na Hungria, as primeiras vitórias na carreira, e obteve, ainda, três outros pódios. Vettel subiu duas vezes no pódio, terceiro na Malásia e no Canadá, mas não ganhou nenhum GP. Em 2013, Webber também não havia vencido e foi ao pódio em três ocasiões até o GP da Hungria.
Não deve estar sendo nada fácil para um piloto que é considerado um fenômeno, pois aos 26 anos já tinha conquistado quatro títulos seguidos, de 2010 até o ano passado, ver o companheiro, bem menos experiente, ser mostrar tão mais capaz. Com o mesmo equipamento.
Essa situação inesperada já provoca questionamentos a respeito do real valor de Vettel como piloto. Não são poucos os que associam o seu período histórico de vitórias à maior eficiência dos carros da Red Bull, concebidos pelo genial Adrian Newey, em relação aos concorrentes.
Essa visão, contudo, parece ser simplista demais para justificar o excepcional trabalho realizado por Vettel, como diz Newey. "Já trabalhei com grandes pilotos, campeões, como Nigel (Mansell), Alain (Prost), Ayrton (Senna), Damon (Hill). Com Sebastian é diferente. Ele é tão bom como os melhores pilotos, mas muito mais jovem."
A opinião dos especialistas
O UOL Esporte ouviu profissionais de vários segmentos da F1 a respeito do momento de Vettel. A pergunta foi a mesma para todos, em conversas exclusivas ou nas entrevistas coletivas: por que Vettel está sendo tão menos eficiente que Ricciardo?
O primeiro a falar é o vencedor da luta, até aqui, Ricciardo. "Acredito que encontrei uma fórmula de pilotar que me permite explorar melhor os pneus. Meus stints (séries de voltas sem pit stop) em geral são maiores, o que tem me ajudado. Penso que esse tem sido um dos meus pontos fortes este ano."
Vettel respondeu, com a dignidade que o caracteriza, ao UOL Esporte: "Daniel é capaz de tirar algo mais desse carro, coisa que eu, ainda, não consegui. Estamos falando de milésimos de segundo. E tive também mais problemas técnicos que ele. Daniel está realizando um ótimo trabalho. Cabe a mim entender como ser tão rápido com o carro que temos, diferente dos que estava acostumado".
Dá para ver que os dois pilotos quase dizem o mesmo. Ricciardo destaca a sua compreensão de como explorar os pneus, este ano, e Vettel salienta que o companheiro "tira algo a mais do carro". Uma das razões parece mesmo relacionar-se ao melhor aproveitamento dos pneus.
A Pirelli produz pneus distintos dos distribuídos em 2013. Eles são, agora, mais duros. A provas têm menos pit stops. Esse fator associado à redução de pressão aerodinâmica, imposta pelo novo regulamento, tornou os carros, de modo geral, menos estáveis.
Vettel não consegue frear quase dentro da curva, como fazia, ser então agressivo no volante para apontar o carro na curva e já em seguida acelerar, sem que o RB10-Renault não exija correções frequentes no volante, algo um tanto novo para ele na F1.
Não é tudo: o controle dos freios este ano é distinto, a carga nas rodas traseiras é distribuída eletronicamente, por causa da maior solicitação do sistema de recuperação de energia cinético, o MGU-K. "A freada ficou diferente, ainda tenho onde evoluir nisso", disse Vettel, no Canadá. Principalmente por essa razão os seus pneus se deterioram mais rápido que os de Ricciardo.
Moral baixo
Helmut Marko, ex-piloto de F1 nos anos 70, homem-forte da Red Bull, quem decidiu investir na formação de Vettel como piloto e o levou para a equipe, comentou: "Sebastian vem enfrentando bem mais problemas técnicos que Daniel", diz.
É um fato. O alemão abandonou em Melbourne, Mônaco e Áustria em razão de problemas na unidade motriz, o motor turbo V-6 de 1,6 litro e os dois sistemas de recuperação de energia. Isso para suas dificuldades se limitarem apenas às corridas. Também as enfrentou nas sessões de classificação e nos treinos livres.
"É desestimulante para um piloto ter tantas panes enquanto com o seu companheiro nada acontece. Acredito que Sebastian se deixou abater um pouco moralmente", comentou Marko. "Estamos tentando fazer o nosso carro reagir mais de acordo com o que Sebastian gosta."
O austríaco explicou, ainda, um detalhe importante: "A Renault tem falhado muito. Nossos pilotos reclamam, também, da forma como a potência surge, muito abrupta, tornando a condução mais difícil nas saídas de curva. Sebastian está sentindo mais esse efeito."
A visão de Niki Lauda, três vezes campeão do mundo e hoje sócio e diretor da Mercedes, é semelhante a da família Horner. Christian Horner é o diretor da Red Bull e Garry Horner, seu pai, o proprietário da escuderia Arden, da GP2. "Sebastian se educou a pilotar carros muito equilibrados, como os construídos pela Red Bull nos últimos anos", explica Lauda.
"A mudança do regulamento, pelas mais variadas razões, fez com que a Red Bull perdesse parte de sua força. Nós (Mercedes) temos hoje um carro melhor que o deles. Sebastian está tendo de aprender a lidar com a nova realidade, não dispor do melhor equipamento, ou de um carro não tão veloz e equilibrado como os que estava acostumado", argumenta o austríaco.
Seu discurso prossegue: "Daniel vive momento oposto. Ainda que o carro da Red Bull deste ano não seja tão bom quanto o dos títulos de Sebastian, mesmo assim é bem melhor do que Daniel estava acostumado". Ricciado pilotou para a HRT-Cosworth em 2011 e em 2012 e 2013 para a Toro Rosso-Ferrari.
Para Lauda, Ricciardo apenas está dando sequência ao que fazia na Toro Rosso, mas com algo bem mais eficiente nas mãos, enquanto Vettel andou para trás em termos de disponibilidade de um bom equipamento. "Esse salto para a frente é mais fácil do que ter de descobrir como ser rápido com um carro não tão bom."
Piloto excepcional
Lauda não gosta nem que lhe mencionem se Vettel talvez seja menos do que os seus resultados espetaculares sugeriam. "Quem diz isso não entende nada (de F1)", afirma. "Prost era mais rápido que eu em 1984, na McLaren, na sessões de classificação. Ponto. Com aquele carro ele era alguns milésimos melhor, como Daniel agora. Vamos ver o ano que vem, quando acredito que o campeonato será mais equilibrado. Sebastian é um piloto excepcional."
O piloto tido como o mais completo em atividade, Fernando Alonso, da Ferrari, evita a todo custo comentar o que se passa com Vettel. O espanhol não chega a ser um desafeto do alemão, mas questiona se ele tem toda a capacidade que as vitórias, poles positions e títulos em profusão indicam.
Este ano, respondeu ao ser perguntado sobre a sua visão das dificuldades de Vettel. "Temos problemas demais para resolver na Ferrari. Não sei o que se passa nas outras equipes."
Mas no ano passado, espontaneamente, comentou em mais de uma ocasião: "Hoje Sebastian dispõe do melhor carro. Mas não será sempre assim. Vamos ver como ele reagirá quando não mais tiver um carro tão rápido. Vamos ver, de fato, quão bom ele é". Dentro de si, é possível que hoje Alonso imagina ter já a resposta.
Nos dias do GP de Mônaco, Flavio Briatore, chefe de equipe por detrás de dois títulos de Michael Schumacher, na Benetton, em 1994 e 1995, e os dois de Fernando Alonso, na Renault, 2005 e 2006, elogiou Vettel para o UOL Esporte: "Não é fácil para um piloto que ganha tudo ver o companheiro vencê-lo com frequência", diz.
"Mesmo assim Sebastian não se desestabilizou. Não o vejo culpando ninguém por isso, a não ser a si próprio. É surpreendente para um piloto. E eu os conheço muito bem", falou Briatore.
Tão bom quanto Senna
Giorgio Ascanelli era o diretor técnico da Toro Rosso-Ferrari em 2008, a melhor da história da equipe. "Sebastian fez 35 dos nossos 39 pontos. Obteve a única vitória e pole da Toro Rosso, preciso dizer mais alguma coisa?", falou. O critério de pontuação era outro. O vencedor recebia 10 pontos enquanto hoje, 25.
O italiano foi engenheiro de Ayrton Senna na McLaren e Nelson Piquet na Benetton. "Pode acontecer, sim, de um piloto ser alguns milésimos mais lento que o companheiro não por questão de competência. Isso pode estar relacionado a uma série de fatores, como a maneira de o carro reagir diante de um novo regulamento", diz.
"Na temporada seguinte o carro da equipe muda, o piloto não é tão penalizado com suas reações e ele passa a ser mais rápido que o mesmo companheiro que no ano anterior o vencia." Ascanelli recomenda aos fãs evitarem julgamentos precipitados e diz ser um grande admirador de Vettel. "Está nos nível dos maiores da história."
Há quem veja Vettel como um piloto "brilhante" se larga na frente e dispõe de um carro veloz. Mas nem tão eficiente quando tem de negociar ultrapassagens, iniciar as provas não nas primeiras filas, como tem ocorrido este ano.
"Para alguns pilotos, a maioria posso dizer, é mais difícil liderar que andar atrás. O primeiro colocado não tem referências, ele deve criá-las. É mais fácil cometer um erro", explica Herbie Blash, vice-diretor de provas da F1, há 50 anos no automobilismo, sem citar Vettel. "E há os pilotos que são competentes, lógico, mas não expressam o seu melhor quando não são líderes."
Desde a estreia na Red Bull, em 2009, este ano é a primeira vez que Vettel se vê largando em 13.º, como na Austrália e Áustria, 11.º, Bahrein, 10.º, Espanha, por exemplo. Em 2013, largou nove vezes na pole position e venceu em impressionantes 13 ocasiões, sendo nove delas nas nove últimas etapas.
Visão mais clara
Nessa sua reflexão a respeito das oito etapas que restam para o fim do campeonato, agora nas férias, Vettel provavelmente entendeu melhor os motivos de estar perdendo a disputa com Ricciardo.
Mas não deve estar muito animado com relação às chances da Red Bull nas duas próximas provas, a de Spa-Francorchamps, dia 24, e a de Monza, dia 7 de setembro. Ainda na Hungria, dia 26, comentou: "Pelo que vimos até aqui, este ano, não são pistas que nos favoreçam, com suas longas retas".
Tudo verdade, ninguém duvida de Vettel. Mas o conjunto RB10-Renault da Red Bull tem suas deficiências para Vettel e para Ricciardo. O confronto não é apenas com o W05 Hybrid da Mercedes de Nico Rosberg e Lewis Hamilton, e a Williams FW36-Mercedes, de Valtteri Bottas e Felipe Massa. Antes de qualquer disputa existe a do com o companheiro de equipe.
E quando um carro não corresponde às expectativas, como o da Red Bull, este ano, não importa se por responsabilidade maior da fornecedora da unidade motriz, a luta com o outro piloto da equipe ganha maior dimensão, por ser o parâmetro de julgamento do trabalho dos pilotos.
Daqui para a frente, Vettel poderá não estar sob exame dos profissionais da F1, mas de boa parte da torcida, sim.
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