Nanica chegou à F-1 querendo título em 2000, mas foi embora em dois anos
A temporada de 2000 da Fórmula 1 terminou com o título do alemão Michael Schumacher, superando por 19 pontos (108 a 89) o finlandês Mika Hakkinen - o primeiro de um piloto da Ferrari desde a conquista do sul-africano Jody Scheckter em 1979. De quebra, com 170 pontos, a escuderia conquistou o título do Mundial de Construtores, repetindo o feito de 1999.
Enquanto isso, a Pacific não estava lá.
A constatação, embora óbvia hoje em dia, seria uma grande frustração para o pequeno time britânico que estreou na temporada 1994. Em seu primeiro ano na F-1, a pequena equipe tentava arrebanhar fãs anunciando a todos o objetivo de brigas entre as grandes até o final da década.
A informação foi divulgada em uma carta datada de 28 de julho de 1994 (foto), publicada no Twitter pela conta @PacificRacingF1, mantida por fãs. O texto faz referência ao Pacific Grand Prix Supporters Club, ou simplesmente Club Pacific. O nome definia uma nascente associação de torcedores do time, que receberiam cartas, autógrafos e fotografias do time, além de descontos na venda de mercadorias durante o Grande Prêmio da Inglaterra daquele ano. Para fazer parte, o interessado pagaria 22 libras.
"Obrigado por seu interesse na Pacific Grand Prix. Esperamos que você se una a nós na busca por nosso objetivo: conquistar o título mundial no ano 2000", encerra o texto assinado por Graeme Glew, então diretor de marketing da escuderia britânica.
As ambições, no entanto, não resistiram ao fraco desempenho na pista. Ao longo de duas temporadas, o time não conseguiu pontuar - o melhor resultado foi a oitava colocação, conquistada duas vezes na temporada de 1995.
Mas o que deu errado? Por que a Pacific não foi campeã de Fórmula 1 em 2000?
O caminho de sucesso até a Fórmula 1
A história começa em 1979, quando Graeme Glew disputou a Fórmula Ford Britânica. O título ficaria com David Sears, que levou a melhor em um confronto direto contra Keith Wiggins. Nenhum deles chegaria à Fórmula 1 como piloto, mas os dois passariam a trabalhar anos mais tarde nos bastidores de equipes em categorias de acesso.
Em 1984, Wiggins criou a Pacific Racing para disputar divisões da Fórmula Ford. Em seus primeiros anos, o time causou furor. Na temporada de estreia, levou o norueguês Harald Huysman ao título europeu da categoria; em 1986, deu ao belga Bertrand Gachot o título britânico da F-Ford 2000; em 1987, contou com o finlandês JJ Lehto para faturar as taças britânica e europeia da série.
Com o passar dos anos, a Pacific passou a procurar espaço em categorias de acesso mais competitivas. Em 1988, chegou à Fórmula 3 britânica. No ano seguinte, chegou à Fórmula 3000, último degrau antes da Fórmula 1 - posto hoje ocupado pela Fórmula 2.
Àquela altura, a F-1 já era um objetivo de Wiggins. Em 1992, para tentar uma vaga no grid já para o ano seguinte, o chefe de equipe encomendou um chassi para a Reynard, fabricante com a qual já trabalhava nos tempos de F-3000. No entanto, a fabricante havia perdido boa parte de seu pessoal para equipes da própria Fórmula 1, em especial Benetton e Ligier; assim, o grupo responsável pela elaboração do chassi PR01 acabou bastante reduzido.
Com o projeto atrasado e sem conseguir atrair investidores para bancá-lo, Keith Wiggins decidiu adiar a entrada na Fórmula 1. Assim, a Pacific Grand Prix permaneceu na Fórmula 3000 em 1993, ao mesmo tempo em que corria contra o tempo para levantar fundos para estrear na elite. Naquele momento, Graeme Glew chegou à equipe - e constatou alguns problemas.
"Naquele momento, a equipe estava administrando a carreira de um jovem piloto chamado Oliver Gavin, que se tornou o piloto oficial de testes da Pacific Grand Prix. Mas lembro que ele só deu duas voltas de testes no circuito de Snetterton", contou Glew por e-mail ao UOL Esporte.
Namorado de princesa e foto de Senna: o ano de estreia
Ainda assim, o plano foi levado adiante, e a Pacific conseguiu se inscrever para disputar a temporada de 1994. À bordo do carro, estariam Bertrand Gachot, agora correndo com nacionalidade francesa, e seu compatriota Paul Belmondo, mais conhecido por seu currículo extrapista do que por seus resultados - filho do ator Jean-Paul Belmondo, ganhou holofotes no início da década de 1980 ao assumir um romance com Stéphanie, princesa de Mônaco.
Os resultados, é claro, começaram modestos. "O carro de 1994 foi desenhado por Paul Owen, da Reynard, e tinha algum investimento de Adrian Reynard, com quem tínhamos um bom relacionamento anterior. Mas era um design de Fórmula 1 velho da Reynard e se mostrou lento. Os motores Ilmor que (o preparador de carros) Heini Mader encontrou também se mostraram lentos e pouco confiáveis", explicou Glew.
"Os maiores problemas eram a falta de patrocinadores e o orçamento dos pilotos. Gachot era um acionista da equipe, então não trazia nada, e Belmondo também não trazia muita coisa", completou o dirigente, que conseguiu atrair companhias como Ursus (uma fabricante de vodkas) e Unilever a estampar suas marcas nos carros.
O que se viu na pista foi pouco empolgante. Nas 16 corridas daquela temporada, Gachot conseguiu tempo para alinhar no grid apenas cinco vezes, enquanto Belmond passou pela pré-qualificação em apenas em duas provas. Em todas elas, os carros da Pacific abandonaram.
Ainda assim, Graeme Glew leva uma lembrança bastante particular daquela temporada - e justamente do trágico GP de San Marino, que terminou com as mortes de Roland Ratzenberger (Simtek) e Ayrton Senna (Williams). Naquela etapa em Ímola, um dos mecânicos do time acabou fraturando uma das pernas ao ser atropelado no pitlane. O acidente, no entanto, acabou em segundo plano.
Ainda assim, Glew guarda com carinho a foto que ele alega ser a última de Senna antes de colocar o capacete para a corrida. "Meu filho, então com oito anos, me pediu para tirar uma foto de seu herói. Mal saberia eu que seria a última", lamentou.
Os primeiros bons resultados (e o fim) em 1995
A equipe tentaria nova sorte em 1995, quando a redução do número de equipes acabaria com a pré-qualificação nos treinos, mas a questão financeira continuaria a ser um problema. A solução veio de uma fusão com a tradicional Lotus, que baixara as portas no fim de 1994. Com a união das duas equipes, chegaram também os motores Ford e um novo lote de patrocinadores. Paul Belmondo foi substituído pelo italiano Andrea Montermini, vice-campeão da Fórmula 3000 em 1992.
O cenário era positivo, e o GP do Brasil que abriu a temporada terminou com Montermini em nono lugar. Mas as provas seguintes não indicavam que a Pacific conseguiria brigar pelo título em 2000: Gachot abandonaria as seis provas seguintes, enquanto seu companheiro italiano seria desclassificado em Mônaco e terminaria o GP da França dez voltas atrás do vencedor, Michael Schumacher.
Na segunda metade da temporada, o time promoveu um rodízio de pilotos e conseguiu performances modestas. Montermini foi oitavo na Alemanha e 12º na Hungria. No GP da Europa, o suíço Jean-Denis Délétraz conseguiu um 15º lugar. Giovanni Lavaggi disputou quatro provas e abandonou todas. Por fim, na última etapa da temporada, Bertrand Gachot foi o oitavo.
A performance em Adelaide acabou sendo o canto do cisne da Pacific. "O problema, como sempre na Fórmula 1, era o dinheiro. Não havia o suficiente para manter a equipe (em 1996). Apesar de a Pacific ter conseguido concluir a temporada, a equipe faliu pouco tempo depois", contou Graeme Glew, que se transferiu para a Arrows em 1996.
Hoje, o ex-diretor da Pacific trabalha como consultor na Fórmula 1, além de ser um dos responsáveis pelo site F1.co.uk. E reconhece que sua ex-equipe talvez tenha mirado muito alto ao buscar o título da categoria máxima da Fórmula 1 em 2000. "O plano era um alvo seis anos à frente, o que na verdade foi um bocado ambicioso", analisou.
Dura lição para equipes menores
Fora da Fórmula 1, a Pacific ainda tentou sobreviver em outras categorias, mas durou pouco tempo. Em 1996 e 1997, esteve novamente na Fórmula 3000 com resultados modestos. Por fim, disputou as 24 Horas de Le Mans de 1997 e duas corridas no Campeonato de Endurance da FIA de 1998, até que finalmente encerrou suas operações.
Terminava assim a trajetória de uma equipe que contou com nomes como Christian Fittipaldi (1991), Cristiano da Matta (1996) e Marco Greco (1990), além de Eddie Irvine (1989) e David Coulthard (1993). Para Graeme Glew, a história da Pacific reforça a dificuldade que equipes que brilham em categorias de acesso têm para repetir o bom desempenho quando se arriscam na Fórmula 1.
"Na minha opinião, é impossível para uma equipe de base subir de categoria. A Carlin foi a última a tentar, mas desistiu", disse Glew. A Carlin disputa categorias como Indy Lights e Fórmula 4 britânica em 2017, e esteve cotada para entrar na Fórmula 1 em 2011.
"Talvez o grupo Liberty Media (novos donos da F-1) possa vir com um plano para ter um grupo B da Fórmula 1, que funcione como acesso, de forma que estes times possam correr no fim do grid", completou, fazendo paralelo a categorias que contam com diferentes divisões dividindo a pista ao mesmo tempo - caso do Mundial de Endurance, por exemplo.
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