"Desafio de ser chefe da McLaren é ter tempo para pensar", diz De Ferran
Quando o brasileiro Gil de Ferran assumiu a chefia da McLaren, em julho do ano passado, a promoção foi encarada com certa desconfiança por parte do paddock da Fórmula 1. Afinal, tratava-se de alguém que, embora tivesse larga experiência administrando equipes no automobilismo, tinha tido uma passagem relativamente curta pela categoria como chefe da BAR-Honda entre 2005 e 2007. Somado a isso, sua missão não era nada fácil: tirar a McLaren de uma das maiores crises de sua história.
Afinal, o tradicional time inglês, fundado na década de 1960 e que já conquistou 12 mundiais de pilotos na história, não vence uma corrida desde 2012, e desde então não consegue terminar sequer no top 4 entre as equipes.
Mas Gil de Ferran vê os primeiros sinais de que o trabalho vem sendo bem feito: depois da McLaren terminar 2018 em sexto no campeonato muito em função dos pontos marcados no início do ano, mas tendo terminado apenas uma vez nos pontos nas seis últimas provas, o time começou 2019 marcando presença no top 10 nas duas primeiras classificações e mostrando sinais de uma temporada mais promissora.
Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o brasileiro fala dos desafios do cargo de chefe da McLaren e de como é trabalhar com uma das duplas de pilotos mais jovens do grid.
UOL Esporte: Depois de chegar como conselheiro em maio, seu primeiro fim de semana como chefe da McLaren foi em Silverstone, em julho do ano passado, e naquele momento você falava na qualidade das pessoas que tinha encontrado no time. Como evoluiu sua percepção da equipe de lá para cá?
Gil de Ferran: A gente tem trabalhado muito nessa reorganização da equipe e ainda estamos nessa caminhada. No momento, estamos trabalhando melhor e esse começo de temporada, que está sendo mais competitivo do que o final da temporada passada para nós, está sendo a reflexão e o resultado desse trabalho.
UOL Esporte: E como tem sido o entrosamento para alguém que estava chegando de fora da F-1?
Gil de Ferran: Foi tranquilo. No momento em que eu cheguei, foi minha primeira tarefa: ?aprender? a equipe, conhecer as pessoas e entender os procedimentos. Porque é um time que existe há muitos anos e tem uma qualidade intrínseca em relação aos processos e às pessoas que estão aqui. Então a minha abordagem foi tomar muito cuidado para entender bem as oportunidades e não tentar mudar coisas que funcionavam bem, mudar por mudar. É preciso muita calma.
UOL Esporte: E qual é a parte mais difícil do trabalho? O Mattia Binotto, da Ferrari, diz que o mais difícil é lidar com os pilotos, pois essa é a única diferença em relação ao cargo antigo dele, de diretor técnico. E para você?
Gil de Ferran: Tenho uma tendência de focar intensamente em poucos assuntos. Desde os tempos da escola eu sou assim - tinha umas matérias em que eu ia super bem e outras em que eu ia super mal! - e meu maior desafio ainda é esse: abrir o meu leque. Na posição em que eu me encontro, isso é um desafio porque há muitos assuntos que requerem muito foco.
UOL Esporte: Como é um dia de chefe de equipe? Com que tipo de demanda você tem de lidar? Vem um engenheiro falando de um assoalho novo para o carro, e logo depois alguém falando de um patrocinador?
Gil de Ferran: Exatamente. Tem assuntos comerciais, financeiros, técnicos, humanos, estratégicos. Uma hora você está tentando decidir algo muito técnico e no outro você está conversando sobre assuntos organizacionais. E também tem o aspecto temporal: às vezes você está discutindo coisas que se referem ao próximo GP, e logo depois está discutindo as regras de 2021 e como isso afeta a organização. E no minuto seguinte você está tentando definir sua agenda: onde vai ficar, de onde viaja, etc. É interessante, é um desafio intelectual muito grande.
UOL Esporte: E quantas horas você trabalha por dia para dar conta de tudo isso?
Gil de Ferran: Raramente menos de 10. Na média, 12h por dia. E a grande dificuldade é você ter tempo para pensar. Não gosto de encher minha agenda. Preciso de tempo para refletir. Tem certos emails que é melhor não responder em dois minutos, pois certos assuntos requerem reflexão. E achar tempo para pensar em algo complexo é um desafio grande.
UOL Esporte: E como é trabalhar com pilotos tão jovens [a McLaren tem a segunda dupla mais jovem do grid, com Lando Norris de 19 anos e Carlos Sainz, de 24]? Mesmo sendo uma conversa de ex-piloto com pilotos, essa questão geracional faz diferença?
Gil de Ferran: O Lando é mais novo que meus filhos e o Carlos está no meio dos dois. É engraçado pensar nisso. Você tem de deixar essa coisa de idade de lado quando está sentado em uma reunião com eles e os engenheiros porque, apesar de serem jovens, como profissionais, eles estão em um nível altíssimo.
UOL Esporte: Eles chegam aqui hoje com um nível muito mais alto do que você tinha aos 18 anos?
Gil de Ferran: Sem a menor dúvida! Quando eu tento voltar atrás e lembro o estado de mentalidade e de habilidade como piloto que eu tinha nesta época, não há a menor comparação. O desenvolvimento deles me parece muito mais acelerado.
UOL Esporte: Mas sua experiência como piloto ajuda?
Gil de Ferran: Não sei se ajuda porque, à medida que os anos vão passando, mais distante isso fica. Mas acho que o esporte mudou em muitos aspectos, mas não em outros. O estado de espírito, do controle emocional, não mudou e nunca vai mudar - e é algo comum em outros esportes. A experiência que eu tive sobre muitos desses aspectos se relaciona bem com coisas pelas quais eles passam. Embora a maneira como cada um digere as experiências seja diferente, a gente conversa muitas vezes sobre isso.
Depois de três etapas disputadas, a Fórmula 1 volta neste domingo, com o GP do Azerbaijão. Lewis Hamilton lidera entre os pilotos e a Mercedes, entre as equipes.
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