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Piloto boa-praça da F-1, Ricciardo prefere sorriso aberto a "ser um babaca"

Daniel Ricciardo, piloto da Renault em 2019 - William West/AFP
Daniel Ricciardo, piloto da Renault em 2019 Imagem: William West/AFP

Julianne Cerasoli

Do UOL, em Londres (ING)

27/11/2019 12h00

As entrevistas na Fórmula 1 costumam respeitar rigorosamente os horários previstos. Mas não com Daniel Ricciardo. Antes de receber o UOL Esporte, ele quer mesmo é descobrir quem fez o bolo que come com gosto. Quer dar os parabéns ao cozinheiro. Depois, fica curioso para saber quais os melhores lugares para visitar no Rio de Janeiro.

Não é por acaso. Viajar é uma das grandes paixões do piloto da Renault, e fazem parte dos planos de aposentadoria que ele revelou em um papo exclusivo. "Vou fazer duas viagens de carro, uma na Austrália procurando lugares para surfar. Outra, nos EUA, para ir atrás de música. Quero descobrir talentos."

A generosidade é outro traço marcante da personalidade de Ricciardo, como ficou claro durante o GP do Brasil. Não por acaso, é comum o australiano ser questionado se não é bondoso demais para ser levado a sério no mundo da Fórmula 1. Mas, de um shoey (comemoração característica toda vez que vai ao pódio, quando toma o champanhe usando o sapato como "taça") em outro, ele vai provando que só precisa de um carro mais competitivo que sua atual Renault para ser campeão.

UOL Esporte: Comecemos com a dúvida de muitos de seus fãs: de onde vem esse sorriso?

Daniel Ricciardo: Do Vietnã (gargalha). Quando eu vejo fotos de quando era mais novo, estava sempre sorrindo, sempre feliz. Então acho que é algo que sempre esteve dentro de mim, faz parte da minha mentalidade. Mas o sorriso que as pessoas veem aqui na F-1 é porque estou vivendo meu sonho e me pagam para fazer o que eu amo. E sou bonito, então isso ajuda!

UOL Esporte: E quando você se irrita, quanto tempo dura?

DR: (longa pausa) Eu me irrito, sim. Mas, quando isso acontece, dura pouco e é com intensidade. Gosto de socar coisas, quebrar coisas, quando estou irritado. E assim que eu faço isso, sinto que foi embora. Mas sou calmo e paciente, então isso não acontece com frequência

UOL Esporte: Você sente que esse seu jeito te prejudicou na sua carreira de alguma forma?

DR: Acho que, às vezes, as pessoas podem se aproveitar se elas acham que você é muito bonzinho. Podem pagar menos ou fazer com que eu faça algo a mais que não estava combinado. E isso não é só na F-1, é em geral. Se você fizer um favor, vão pedir dois. Mas, honestamente, nunca pensei algo como: eu gostaria de não ser desse jeito. Prefiro ser assim do que ser um babaca.

UOL Esporte: Você consegue ficar mais de cinco segundos ao lado do Lando [Norris, piloto da McLaren que estreou nesta temporada e tem o mesmo estilo brincalhão de Ricciardo] sem dar risada? Será que ele vai assumir seu papel como o piloto mais engraçado do grid quando você for embora?

DR: Eu conseguiria. Ele não. Acho que ele é somente bobo. E não acho que ele vai assumir meu lugar porque ele não é engraçado (com ironia). Nem é ele quem faz o Instagram dele! Mas ele está tentando, coitado (gargalha).

UOL Esporte: Como surgiu a ideia de beber o champanhe do sapato quando você chega ao pódio?

DR: Acho que muita gente faz isso em festas de universidades dos EUA e da Austrália, quando você está um pouco bêbado e estúpido e quer celebrar alguma coisa. Minha ideia foi fazer isso porque muita gente na Austrália reconheceria esse gesto, as pessoas se divirtiriam vendo. Mas também a F-1 é muito séria, então fazer isso gera algo mais leve para o esporte. Mas não esperava que tivesse essa repercussão. A ideia era fazer só uma vez, não esperava que continuasse.

UOL Esporte: Até porque você ampliou isso e começou a fazer os outros pilotos beberem também...

DR: Eu sei que beber o champanhe do próprio sapato é ruim, então beber do sapato do outro é outro nível. Para mim, eu só ganho, porque se eles beberem, será do meu sapato. E se eu der e eles não beberem, a torcida começa a vaiar. Então é sempre bom para mim!

UOL Esporte: Mas seu último pódio foi ainda na Red Bull e as coisas não saíram tão bem neste último ano na Renault. O que faria você se arrepender por essa mudança?

DR: (longa pausa) Não acho que seriam os resultados em si, mas eu mesmo. Se eu deixar que as coisas me afetem, se começar a não gostar tanto do esporte, pensar que nunca vou vencer novamente. Acho que me arrependeria se isso fizesse mal a mim, e não por algo que a equipe possa vir a fazer ou não. Neste ano, estamos atrás da Red Bull no campeonato, mas estou mais feliz porque gostei desse desafio e acho que tirei mais de mim mesmo. Além disso, não acho que a Red Bull melhorou neste ano.

UOL Esporte: Você teme que a Renault deixe a F-1 no final de 2020?

DR: Não sei o que vai acontecer em 15 meses. Mas, no momento, não acredito que eles vão sair. E espero que eles queiram continuar porque ano que vem temos motivos para acreditar que será um bom ano para nós e acreditamos que podemos justificar nossa permanência no esporte.

UOL Esporte: A Ferrari é um sonho para você?

DR: Não diria que é um sonho, mas acho que todos os pilotos do grid gostariam de pilotar pela Ferrari. E, para mim, como meu pai é italiano, ele sempre torceu para eles. Mas mesmo do lado dele não sinto nenhuma pressão, nunca disse para eu fazer isso por ele. Se isso acontecer, seria uma sensação incrível, mas não diria que tenho mais vontade de estar na Ferrari do que aqui na Renault ou em qualquer outra equipe.

UOL Esporte: Quais foram as maiores dificuldades que você enfrentou na carreira?

DR: Fora das pistas, foi quando saí de casa adolescente e fui morar na Itália sem saber falar a língua. Eu não era maduro aos 17 anos, não sabia lavar roupa ou cozinhar porque minha mãe sempre foi muito boa para mim. Dentro das pistas, foi em 2010. Outros pilotos pareciam ser mais determinados do que eu e a Red Bull começou a questionar se eu era bom o bastante para chegar à F-1. Tive algumas conversas com o [consultor da Red Bull] Dr. Marko que foram duras. Eu precisava encontrar algo mais dentro de mim. Mas no final deu certo.

UOL Esporte: E como você encontrou esse algo a mais?

DR: Estava trabalhando com [o treinador de performance] Stuart Smith, que agora está com o Kvyat. Ele fez eu acreditar mais em mim mesmo. Porque esse era o problema: no fundo, eu não acreditava que era bom o bastante para vencer corridas na F-1. E ele conseguia ver que eu tinha talento, só precisava de uma atitude mais forte.

UOL Esporte: Aos 30 anos, você ainda tem alguns anos de F-1 pela frente, mas já fez planos para a aposentadoria?

DR: Quero fazer duas longas viagens de carro. A ideia é sequer um aeroporto por seis meses, isso é importante! Uma na Austrália mais para achar lugares para surfar. E nos Estados Unidos, eu iria atrás de música. No momento, é tudo o que eu tenho planejado. Não me vejo tendo qualquer relação com automobilismo. Gostaria de me envolver com música. Não toco nada, mas gostaria de me envolver encontrando talentos ou sendo empresário. Mas tem que haver algum nível de competição envolvida. Tem que ter algum desafio envolvido.

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