GPs fora de época fazem F1 se adaptar a frio incomum; saiba o que mudou
Quando a Fórmula 1 planeja seu calendário, vai atrás de calor, condição em que os carros funcionam melhor e pilotos se sentem bem fisicamente. Começando na Austrália em março e terminando no Oriente Médio no final de novembro, a categoria consegue fugir dos meses mais frios no hemisfério norte, que recebe a grande maioria das etapas. Cerca de metade do campeonato é disputada na Europa, com etapas desde o fim da primavera, em maio, até o fim do verão, no início de setembro.
Isso, em um ano normal. Na pandemia, a F1 foi obrigada a improvisar. Das 22 corridas previstas, serão disputadas 17, sendo 13 delas na Europa, o que também significa que, desta vez, não deu para escapar do frio.
Não que um F1 não consiga correr com temperaturas mais baixas, mas isso gera alguns desafios extras para os carros e os pilotos. A primeira etapa realizada já no outono europeu foi na Alemanha, onde os termômetros não passaram dos 10ºC. Neste final de semana, em Imola, também é esperado mais frio que o normal, e o mesmo deve acontecer na etapa seguinte, na Turquia.
O efeito mais óbvio para os pilotos quando as temperaturas estão mais baixas é nos pneus, mais difíceis de serem aquecidos. Para gerarem aderência, eles precisam estar em temperaturas altas (no mínimo 95ºC). Quando o competidor freia e vira o volante, a temperatura sobe. Nas retas, ela cai. E especialmente quando o pneu perde temperatura logo depois que sai dos cobertores que as equipes usam nos boxes, é mais difícil recuperá-la.
Por conta disso, Lewis Hamilton identificou dois momentos em que sentiu mais o frio na corrida de Nurburgring. "Foi incrivelmente difícil com a relargada [depois do Safety Car entrar na pista] e nas voltas logo que saímos dos boxes - os pneus não estavam funcionando para mim".
Já Max Verstappen destacou um outro ponto importante. "Pelo menos finalmente tivemos algo gelado para beber durante a corrida! Normalmente, fica muito quente. Tirando isso, diria que tudo correu normalmente", explicou o piloto.
Mas dá para sentir frio no carro? As únicas reclamações dos pilotos foram em relação às extremidades. "Tive problemas sentindo meus dedos durante a corrida, porque eles estavam ficando gelados. Foi difícil mexer nos controles do volante", revelou Nico Hulkenberg.
Já outros sofreram com os pés gelados: durante os treinos livres na Alemanha, o inglês Lando Norris apareceu no rádio pedindo para a equipe McLaren uma meia extra, Ricciardo revelou ter usado dois pares de meias durante a corrida, o que surpreendeu seus colegas. Afinal, tanto a meia, quanto a sapatilha usadas pelos pilotos são padronizadas e especialmente finas para não alterar a sensibilidade fundamental para que eles sejam precisos com os pedais.
"O Daniel não está acostumado com o frio", brincou Verstappen, antes de levantar a "suspeita" de que Ricciardo usou duas meias porque tinha algo irregular no carro. "Seu carro deve ter algum buraco no bico ou algo do tipo. Deve ter algum truque." Ao lado dos dois, Hamilton questionou, também em tom de brincadeira, se o regulamento permitia o uso de duas meias. "Por favor não protestem! Não hoje!".
Tremores, falta de sensibilidade e riscos de doenças cardiovasculares
O UOL Esporte conversou um médico fisiologista para entender os efeitos do frio no corpo dos pilotos de Fórmula 1. Os competidores podem ter falta de sensibilidade nas extremidades, tremores que podem resultar em cãibra e correm um risco maior de sofrer problemas cardiovasculares. Ou seja, não é à toa que a categoria mais importante do automobilismo mundial procura fugir das temperaturas baixas.
"Quando o corpo perde o calor interno, acontece a termogêneses induzida pelo frio: começar a tremer. Os músculos esqueléticos contraem, e sofrem um tremor propriamente dito. Isso gera calor e gasta energia. Assim o organismo consegue contornar esse problema de perda de calor", explicou o médico Carlos Eduardo, professor titular da Escola de Educação Física e Esporte, vinculado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretor da Unidade de Reabilitação Cardiovascular e fisiologia do exercício do Instituto do Coração.
Esses tremores, segundo o médico, podem causar cãibras, justamente porque há uma grande contração do corpo por um período longo. No Grande Prêmio de Portugal, Lewis Hamiton teve esse problema. Não se pode afirmar certamente que foi por conta da temperatura externa, mas pode ter sido, sim, um dos fatores.
Os pilotos relataram a falta de sensibilidade em extremidade. Essa é outra forma que o organismo encontra para se defender do frio: a vasoconstrição periférica. "O corpo evita que muito sangue vai para a pele e que perca calor. Então diminui a circulação para a pele e isso faz com que ajude a conservar a temperatura interna da pessoa", acrescentou o doutor Calos Eduardo.
Além de tudo isso, as baixas temperaturas somadas à direção em alta velocidade causam um aumento da pressão arterial, o que se torna um alerta quando o assunto é doença cardiovascular.
"Quando você está pilotando um carro de F1 a 300 km/h ou mais há um fator de estresse muito grande no organismo. Isso eleva, naturalmente, a pressão arterial. Junto com isso, tem o frio e essa vasoconstrição arterial. São dois fatores que elevam a pressão arterial, e não tem como não dizer que é um fator de risco a mais no quesito cardiovascular. Não estou dizendo que alguém pode ter um problema lá. Mas o aumento da pressão arterial pode causar infarto, AVC e até estenose da aorta. São condições extremas", destacou o fisiologista.
"Para amenizar tudo isso, eles devem pensar em uma boa alimentação e boa condição física. Alimentos bons são vegetais de raízes como cenoura, rabanete, alho, cebola... Outra coisa são grãos: aveia, oleagenosas em geral. Uma boa hidratação é importante, porque o frio leva a aumentar a diurese (fazer xixi) e é preciso repor esse líquido. Momentos antes da corrida é interessante tomar líquidos quentes", recomendou Carlos Eduardo.
É no frio que inovação da Mercedes faz a diferença
A Mercedes não fazia ideia de que o campeonato teria mais corridas no frio quando desenvolveu um sistema chamado DAS, que faz com que a temperatura dos pneus dianteiros e traseiros fique mais homogênea. Esse é um grande drama para as equipes porque os pneus dianteiros tendem a perder temperatura mais facilmente que os traseiros, e isso deixa os carros instáveis.
Então é por isso que, nas corridas no frio, a Mercedes tem usado o DAS "mais do que nunca", como admitiu o chefe de estratégia do time, James Vowles. "Em Nurburgring, usamos nos treinos livres, em uma volta lançada, e também na corrida, quando estávamos atrás do Safety Car, porque os pneus estavam ficando cada vez mais frios."
Não por acaso, na relargada, o líder Hamilton conseguiu abrir uma vantagem considerável para Verstappen, segundo, logo de cara. E venceu a corrida. É esperado que ele e Valtteri Bottas tenham o mesmo tipo de vantagem nas duas próximas etapas.
Frio x carros de F1
O grande efeito de temperaturas relativamente baixas no ar e no asfalto é nos pneus. Mesmo uma mudança de um grau já pode trazer alterações para o comportamento do carro, uma vez que o pneu é o único elo de ligação entre a pista e o carro. As equipes usam cobertores para deixar a borracha na temperatura ideal mas, assim que se preparam para um pit stop, por exemplo, o pneu já começa a perder temperatura e cabe ao piloto aquecê-lo novamente.
"Você tem que ser muito agressivo com sua pilotagem. Há algumas coisas que você pode fazer com o carro para tentar induzir mais calor, como mexer com cambagem, ângulos de ataque das rodas e dutos de freio", explicou George Russell, piloto da Williams.
Mas os efeitos não param por aí. O ar frio é mais denso porque as moléculas estão se movendo menos, e ar a performance do carro da Fórmula 1 estão intimamente ligados. Sob estas condições, os motores vão gerar menos potência que o normal, assim como haverá mais arrasto, ou seja, o ar mais denso é uma barreira maior para o carro ganhar velocidade. Mas, por outro lado, no frio também se gera mais pressão aerodinâmica, também porque a densidade maior vai "grudar" o carro mais no chão.
A grosso modo, o arrasto maior vai diminuir a velocidade de reta e a pressão aerodinâmica maior vai melhorar as performances nas curvas. Então, à primeira vista, um compensa o outro, mas isso depende do carro de cada equipe: para um time como a Ferrari, por exemplo, que costuma tirar pressão aerodinâmica do carro para atenuar o excesso de arrasto e a deficiência de potência, fica mais difícil encontrar o equilíbrio. Ainda mais se lembrarmos que, para gerar temperatura no pneu, é recomendável usar mais carga aerodinâmica nos carros.
É aí que mora o problema: é preciso certo equilíbrio pois, qualquer alteração no carro mirando adaptá-lo melhor para o frio tem seus efeitos colaterais. "É difícil porque você não tem uma saída perfeita para o problema", disse Russell. "Não dá para gerar mais temperatura sem perder algo. Dá para endurecer um pouco a suspensão para forçar mais o pneu. Mas isso também vai reduzir a resposta do carro para o piloto, então fica mais fácil travar o pneu". Junte-se a isso o fato desses circuitos - Imola e Istambul - terem sido adicionados ao calendário de última hora no calendário, sendo confirmados no final de agosto, e dá para entender o tamanho do desafio.
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