Topo

Corinthians Steamrollers escala operários e assume rótulo de "time do povo"

Treino do time de futebol americano Corinthians Steamrollers no Parque São Jorge, em São Paulo - Alex Almeida
Treino do time de futebol americano Corinthians Steamrollers no Parque São Jorge, em São Paulo Imagem: Alex Almeida

Daniel Marcusso

Do UOL, em São Paulo

23/10/2013 14h00

Ainda amador no Brasil, o futebol americano cresceu bastante nos últimos anos. E, diferentemente de seu país de origem, onde garotos formados em escolas e universidades viram estrelas famosas e milionárias, por aqui é a curiosidade pela modalidade que reúne jogadores amadores das mais diversas profissões, idades ou classe social.

Bicampeão brasileiro e tricampeão paulista, o Corinthians Steamrollers é um bom exemplo para situar a realidade do futebol americano no Brasil. Do dono de uma clínica de estética em Jundiaí a um mecânico da Zona Leste de São Paulo, o time é um dos mais fortes do país e caminha para o tricampeonato nacional, sob o comando do treinador italiano Marco Nessi.

Apesar do prestígio, nem todos os jogadores do Steamrollers, por exemplo, têm dinheiro para comprar os equipamentos necessários como capacetes, protetor para as costelas e protetor para as costas. Muitos acabam pegando emprestado do acervo da equipe. Além disso, nenhum deles ganha salário. Mas todos ganham o uniforme e tem despesas de alimentação e viagens pagas, algo raro entre os times de futebol americano brasileiros. E ainda são poucos os patrocinadores.

Quem acompanhou tudo desde o início foi Paulo Santos, conhecido como Paulinho. Em 2004, ele e o amigo Cauê Martins resolveram comprar um jogo de videogame diferente, estavam cansados do basquete, do tênis e apostaram em um de futebol americano, o NFL Street.

“O jogo era um futebol americano de rua, sete contra sete. O jogo era maravilhoso. A gente ficou apaixonado. No aniversário, ele ganhou da mãe uma bola de futebol americano de presente. Aí a gente ia todo dia para a rua, em Diadema, lançar e a cada dia chamava um amigo diferente. Ficava aquela criançada, todo mundo do Ensino Médio, se batendo depois da aula. Quando a gente viu, tinha 20 moleques indo para a rua para ficar brincando. Decidimos alugar uma quadra e toda sexta-feira após a escola a gente ia jogar”, disse Paulo Santos.

Surgia aí o Steamrollers que, mais tarde, em 2007, começou a desenhar uma parceria com o Corinthians, firmada em 2008, quando a Associação Esportiva Steamrollers passou a se chamar Corinthians Steamrollers e a treinar no Parque São Jorge. Agora com 22 anos, Paulinho trabalha como bancário em São Bernardo do Campo. E continua morando em Diadema.

Celso Neto, cornerback da equipe, e Matheus Torres, wide receiver, ambos de 18 anos, se interessaram pelo esporte pelo mesmo motivo: o videogame. Mas enquanto Matheus estuda em Moema, região considerada nobre da cidade de São Paulo, Celso, morador da Zona Leste, trabalha como metalúrgico em uma fábrica de brinquedos. Matheus treina com o uniforme completo, da calça ao capacete; Celso, começou treinando com os equipamentos emprestados pelo Corinthians e hoje tem o seu "shoulder pad" e "chest protector", aquela espécie de colete que protege os jogadores durante as pancadas. Como os dois entraram no time? Participando de uma série de provas. Iguais para ambos.

Thiago Chiplay, outro wide receiver, vendedor de peças automotivas da Zona Norte, dá uma ideia do motivo que transforma todos em irmãos, independente do bairro, do poder aquisitivo e da profissão. “Nesse esporte os fortes se encontram. Aquele cara que ia brincar de futebol e derrubava todo mundo, ia brincar de basquete e derrubava todo mundo, nesse esporte se encontra. Aquele cara que não tinha aquele talento também pra ir lá para a luta, só observava... Aqui é mais legal. Aqui você bate, você apanha, aqui é onde os doidos se encontram. É um esporte louco...”

E não é que até uma “promessa” do sertanejo universitário faz parte do time? Estudante de engenharia Igor Braga tem 19 anos e vai completar um ano e três meses jogando pelo Steamrollers. “Meu sonho era ter vivido lá fora e ter jogado profissionalmente no exterior. Só que como não deu certo eu acabei ficando por aqui e acabei, depois de fazer testes, no melhor time do Brasil".

Paralelamente, entretanto, ele vive outra carreira. “Cantei desde pequenininho e durante a semana, quando eu não estou aqui treinando, eu faço shows. Já fiz Barretos, a Festa do Peão deste ano, só canto em festa top. Por onde eu passo o pessoal tá curtindo. Ainda não estou vivendo só de música mas é a minha intenção. Dando certo com certeza é o que eu quero fazer. E não pretendo largar o ‘Steam’. Até o momento em que eu conseguir conciliar tudo o que eu faço, vou fazer. Uma hora ou outra vou ter que abrir mão de alguma coisa. Mas aí a gente vê o que faz, né?”

Com pinta de galã, ele não escapa das brincadeiras dos parceiros por, apesar de ser forte, ser muito menor e mais magro do que os outros. Sem contar que ele já foi um dos “Colírios” da revista Capricho, os garotos escolhidos como os mais bonitos do Brasil pela publicação. Mas nenhum dos amigos deixa de reconhecer que ele tem talento. Tanto para a música, quanto para o esporte.

“Você só vai falar com os bonitão (sic) do time?”, brinca Thiago Honório, praticamente três vezes maior do que Igor Braga, e um dos melhores jogadores do time, onde treina há seis anos. Trabalhando na administração do Shopping Ibirapuera, ele não enxerga maneira melhor do que gastar os seus tempos livres do que jogando com o Steamrollers. “Somos um time. Quando (a gente) se reúne ali nas quatro linhas do campo tá todo mundo com o mesmo objetivo, né? Se tiver uma pessoa com outro foco já não dá certo, não consegue atingir (o objetivo). Além de ser um hobby é divertido jogar e um meio ótimo de ocupar o tempo livre, o final de semana.”

Quem concorda com o amigo é Jeferson, mais conhecido como Jeff. Dono de uma oficina em Guarulhos, ele trabalha como mecânico e no tempo livre pratica o futebol americano no Parque São Jorge. “Vi uns vídeos de futebol americano e acabei fazendo um trabalho sobre o esporte na época da faculdade. Fiquei sabendo da existência do Steamrollers e depois de alguns testes estou aqui desde 2007. O que mais me empolga é o corporativismo."

E tem até jogador que veio da Itália e hoje faz parte do time. Caso de Erico Coutinho, de 31 anos. “Eu jogava na Europa, na Itália, e vim para cá porque meu pai é brasileiro. Aí quando eu cheguei, procurei um time e achei o Corinthians. São quase dez anos de atuação lá e aqui.” Ele trabalha com o pai, que tem uma construtora e mora na Pompeia, zona Oeste de São Paulo.

Outra barreira que não existe é a idade. Se na NFL um jogador que passa dos 30 está perto da aposentadoria, aqui a história é outra. Basta ter vontade e mostrar disposição. Marcos Souza, projetista da Volkswagen, mora em São Bernardo do Campo e não perde um treino do time, realizado no Parque São Jorge às quartas, sábados e domingos. Ele está com 41 anos.

“Já gostava do futebol americano mas só assistia pela TV. Um dia passei num parque e vi uma galera brincando e mesmo com 38 anos resolvi participar do esporte. Com um ‘tamanho avantajado, mais do que 120 quilos, há três anos e meio vim para o Steamrollers”, conta o jogador, que começou sua trajetória esportiva em um time de Santo André, o Cougars, que atualmente treina em São Caetano. “Me dedico todos os finais de semana ao esporte pra ter uma condição de vida melhor e participar dessa brincadeira gostosa com os amigos.”

Quem se encontra na mesma situação é o provável atleta mais famoso do time, o ator – entre outras atividades nas quais ele se classifica – Alexandre Frota, que acaba de completar 50 anos e está no time há três e meio. “Aqui no Brasil o futebol americano é ainda mais democrático do que nos Estados Unidos, onde também é. Por exemplo, ele ainda absorve um cara como eu de 50 anos. E eu lamento ter vindo para o futebol americano já com essa idade. Queria ter 25 anos que nem os moleques têm hoje em dia".

Para o quarterback Charlie Johson, que é norte-americano, joga desde os sete anos e passou por times como o Cleveland Lions e Greensboro Pride e veio para o Brasil especialmente para jogar com o Corinthians, a explicação para tudo está no campo: “Todos se unem porque tem um objetivo comum. Todos praticam horas juntos debaixo do sol - e o sol do Brasil não é brincadeira - para vencer um jogo. É algo que faz parte da natureza humana, se todos trabalham unidos, acabam formando uma família. E é isso que nós temos aqui, definitivamente, uma família formada por pessoas muito diferentes”. Ricardo Trigo, diretor do time e também jogador, no qual atua há nove anos, conclui: “Num esporte como o futebol americano, existe essa qualidade de todo mundo se unir em prol de um objetivo: ganhar".