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Brasileiro supera morte trágica do pai em acidente aéreo para chegar à NFL

Cairo ao lado do pai, que também se chamava Cairo, e da mãe, Magali, após premiação da liga universitária - Reprodução/Arquivo Pessoal
Cairo ao lado do pai, que também se chamava Cairo, e da mãe, Magali, após premiação da liga universitária Imagem: Reprodução/Arquivo Pessoal

Daniel Brito

Do UOL, de Brasília

07/11/2014 06h01

Para cada vez que consegue um chute certeiro por entre as traves nos campos de futebol dos Estados Unidos, o brasileiro Cairo Santos, 22, levanta os braços e aponta os dedos indicadores ao céu. É um gesto parecido com o de Kaká, quando faz um gol. Mas não se trata de uma cópia ao astro do futebol, até porque esta é uma história de futebol americano e não de "soccer".

Cairo é o primeiro atleta nascido no Brasil a disputar a grande liga de “football” nos Estados Unidos. Méritos do paulista de Limeira que deixou Brasília, onde morava com a família, aos 15 anos, para estudar na Flórida. Ele tomou gosto e aprendeu a jogar o esporte da bola oval em pouco mais de um ano. Até assinar contrato e se firmar como kicker (chutador) do Kansas City Chiefs, em maio deste ano, foi preciso o apoio irrestrito da família, a mãe, Magali, a irmã mais velha, Talita e, principalmente, do pai, que também se chamava Cairo.

E é para o pai que o atleta dedica cada um dos field goals (pontuação extra) bem sucedidos para os Chiefs, apontado para o céu. O pai era aviador e morreu em um acidente aéreo em Sapezal, no Mato Grosso, 480 quilômetros a noroeste de Cuiabá.

“Ele sempre comemorava com só uma mão para o céu, que era para agradecer a Jesus. Após a morte do pai, ele passou a levantar as duas mãos e apontar, a outra mão é para o pai, que era o maior fã do Cairinho”, revela Magali, evangélica da Assembleia de Deus, referindo-se ao filho de forma carinhosa no diminutivo.

O pai do kicker havia sido piloto da Varig, acostumado a voos internacionais. Quando a companhia abriu uma rota diária saindo de Brasília para o interior do Pará, Cairo assumiu o posto na capital federal e trouxe a família de São Paulo  em meados dos anos 1990. Com o tempo, ele largou a Varig, que em seguida deixaria de voar e decretaria falência. Mas Cairo passou a se dedicar à aviação acrobática.

Fazia shows pelo Brasil em aeronaves semelhantes aos da esquadrilha da fumaça, com grupos de amigos, cada qual em seu avião, ou por conta própria. Foi em uma dessas apresentações que ocorreu a tragédia. No final da tarde de 15 de setembro de 2013, Cairo se arriscou num parafuso seguido de um looping. Mas parece ter perdido o controle e o avião se chocou violentamente contra o solo, mas incrivelmente não explodiu. O piloto, contudo, morreu no momento da colisão.

Coincidência

A aeronave havia sido comprada anos antes por Cairo pai em St. Agustine, cidade na Flórida na qual o filho havia aprendido a jogar “football”. Eles voltaram ao Brasil voando, após 17 paradas.

Cairo filho jogara 48 horas antes da tragédia pelo Tulane Green Wave, de Nova Orleans, na divisão 1 da liga universitária NCAA, e celebrara a marca de 100% de aproveitamento nos field goals em 26 tentativas. Estatística acumulada desde a temporada 2012, quando colocara todas as 21 tentativas de pontuação extra dentro da trave em forma de Y. Desempenho lhe rendeu a nomeação para a seleção do campeonato (chamada de Consesus All-American) e o prêmio Lou Groza, aos melhores kickers da liga universitária. Ambas em 2012.

O paulista estava em seu último ano no curso de business (economia) e a repetição de um bom desempenho em 2013 era importante para colocá-lo em boas posições no draft (sorteio) da temporada 2014-2015. Assim, teria mais chance de ganhar um salário astronômico logo no ano de estreia na NFL ou até mesmo ir para uma equipe postulante ao título do Super Bowl.

Mas a tragédia fez a performance de Cairo cair sensivelmente.

Após o velório do pai, para o qual veio ao Brasil com as passagens pagas pela universidade, Cairo enfrentou cinco conexões para voltar a tempo de defender o Tulane contra o Syracuse, no Estado de Nova York. E, pela primeira vez em 27 tentativas de field goals, o brasileiro falhou. E não conseguiu repetir os 100% nas três rodadas seguintes.

“Cairinho me ligava tão preocupado, ele dizia que a morte do pai tinha mexido e isso estava afetando o desempenho nos jogos”, relatou Magali, a mãe. “Ele sofreu muito nesta época”, reforçou a irmã, Talita. “Conversava com meu pai praticamente todo dia, o apoio que ele me dava era muito importante para mim, porque éramos tão próximos. Mas vou sempre me lembrar dele quando marcar pontos”, disse Cairo.

A temporada se encerrou com o aproveitamento do brasileiro na casa dos 69% nos pontos extra. Um percentual alto, mas não o bastante para ser draftado. Após um período de testes e treinamentos no primeiro semestre de 2014 nos Chiefs, ele acabou acertando com a equipe de Kansas City. Tem o menor salário do elenco, com US$ 420 mil anuais (aproximadamente R$ 90 mil mensais). Mas desbancou o então dono do posto no time, Ryan Succop, que acabou se transferindo para o Tennesseee Titans.

Passou por um momento pitoresco justamente contra o Tennessee Titans, logo em sua estreia, em 7 de setembro, quando acertou a trave nos dois chutes que tentou, feito raro no futebol americano. Mas, redimiu-se com a torcida ao dar a vitória contra o San Diego Chargers, na Califórnia, com um chute de 48 jardas, nos últimos instantes de partida. E esse ele também dedicou à irmã, Talita, que completara 24 anos naquele dia. 

Já está com 84% de aproveitamento nos field goals. E a próxima oportunidade de homenagear a família será contra o Buffalo Bills, fora de casa, no domingo, 9. Três dias antes de seu 23º aniversário.