Denúncia de jogador da NFL aumenta debate sobre racismo policial nos EUA
Denúncia realizada por Michael Bennett nessa quarta-feira (6) reacendeu o debate sobre racismo policial nos Estados Unidos. Campeão da NFL, a liga profissional de futebol americano, em 2014, o jogador do Seattle Seahawks usou sua conta no Twitter para se queixar de abordagem a ele após a vitória de Floyd Mayweather sobre Conor McGregor, em Los Angeles. Vídeo publicado pelo site americano "TMZ" deu força à sua história.
Bennett deixava a arena onde ocorreu a luta de boxe quando ouviu barulhos de tiros. Em meio à confusão iniciada, foi abordado por policiais.
"Um policial me mandou ir para o chão. Enquanto eu estava deitado, corroborando com suas ordens para não me mexer, ele colocou sua arma perto da minha cabeça e me avisou que se eu me mexesse ele ia 'explodir a porra da minha cabeça'. Aterrorizado e confuso com o que estava ocorrendo, um segundo policial chegou e forçou seu joelho nas minhas costas, dificultando que eu respirasse. Eles então puseram algemas nos meus pulsos tão forte que meus dedos adormeceram", contou Bennett.
Na opinião do jogador, sua abordagem teve motivações racistas.
"Eu sempre tive uma forte convicção que protestar ou pedir justiça é simplesmente a coisa certa a se fazer. Esse fato é, sem dúvida, o motivo pelo qual eu sento durante o hino nacional antes de cada jogo – porque igualdade não vive nesse país e não importa quanto dinheiro você fizer, qual emprego você tiver ou quanto você dá, quando você é visto como um 'negro', você será tratado dessa forma", afirmou.
O incidente mexeu com Bennett. De acordo com seu irmão Martellus Bennett, que também atua na NFL e defende o Green Bay Packers, o jogador dos Seahawks ficou abalado por dias depois do ocorrido.
"Às vezes, um acordo é a melhor coisa que que você pode dar. Michael está indo bem. Acho que os primeiros dias após o incidente foram mais duros", disse Martellus, segundo reportagem do jornal americano "USA Today". O jogador teve de deixar reunião dos Packers para lidar com a emoção de ver o vídeo em que seu irmão foi abordado pelos policiais.
"Eu nem sabia que existia um vídeo. Tive de deixar a reunião do time porque caí nas lágrimas pensando sobre o que poderia ter acontecido, o que poderia ter sido. Estava tão perto. Hoje em dia, você nunca sabe", declarou.
O incidente repercutiu ao redor da NFL. Um dos primeiros a manifestar apoio a Bennett foi seu técnico, Pete Carroll, que afirmou que a situação é uma metáfora do preconceito presente na sociedade americana.
"O que aconteceu com Michael é uma ilustração clássica da realidade de desigualdades que é demonstrada diariamente. Que esse incidente nos inspire a responder com compaixão quando desigualdades forem trazidas à tona e nos permita ter coragem para brigar por mudanças. Podemos fazer melhor do que isso", disparou o treinador dos Seahawks.
O caso motivou até mesmo comunicado de Roger Goodell, comissário da NFL, que não costuma se pronunciar em meio a polêmicas envolvendo a liga. Dessa vez, mesmo evitando conflito com a polícia, o dirigente manifestou seu apoio a Bennett, tratado por ele como modelo.
"Michael Bennett representa o melhor da NFL. Um líder no time dele e na comunidade dele. Nossa maior preocupação é o bem-estar de Michael e de sua família. Enquanto entendemos que o Departamento de Polícia de Las Vegas vai cuidar disso, as questões que Michael está levantando merecem atenção séria de todos os líderes de cada comunidade", declarou Goodell, por meio de comunicado oficial.
O debate chegou também a Colin Kaepernick. Aos 29 anos de idade, o quarterback está há um ano sem clube depois de organizar protestos cobrando igualdade racial durante execução do hino nacional americano, ajoelhando-se antes de jogos da NFL.
"A violação que aconteceu contra meu irmão Michael Bennett é nojenta e injusta. Estou do lado de Michael e estou do lado do povo", escreveu Kaepernick, em sua conta no Twitter.
Nesta quinta-feira (7), a temporada da NFL tem início com o quarterback com agente livre. Quem defende Kaepernick acredita que sua forte posição ideológica ao denunciar racismo na sociedade americana afaste franquias da liga profissional americana. Goodell, no entanto, não demostra a mesma simpatia a ele do que a demonstrada a Bennett.
"Quero ver todo mundo ganhando uma oportunidade, incluindo Colin, mas essas decisões são tomadas por pessoas do futebol americano. Quando times têm uma necessidade e times sentem que podem melhorar com um indivíduo em particular, que conhece o sistema, tem mais talento ou por qualquer motivo que seja, é isso que eles fazem. E ainda estou convencido de que ele vai ter essa oportunidade quando a oportunidade certa surgir. É sobre isso que nossa liga é", opinou o comissário, segundo o site americano "Yahoo!".
Jogadores da NFL não são os primeiros a denunciarem racismo na polícia americana. Em junho, o tenista James Blake desistiu de processar a entidade por má conduta após ser confundido com suspeito de fraude de cartão de crédito. Além disso, em 2014, astros da NBA organizaram protesto e aqueceram com camiseta com as últimas palavras do menino negro Eric Garner, inocente morto em perseguição.
Questionada sobre o incidente com Bennett, a polícia de Las Vegas negou que haja racismo envolvido no caso.
"Muitos chamaram o acidente de hoje de preconceito policial, de policiais focando somente a raça de um indivíduo que eles vão parar. Posso dizer para vocês que não vejo evidência disso. Não vejo evidência de que a raça teve papel neste incidente", disse Kevin McMahill, autoridade do Departamento de Polícia de Las Vegas, segundo o jornal americano "USA Today".
De acordo com reportagem do "Huffington Post", a polícia americana matou 140 negros em 2017, o que corresponde a 21% das vítimas de suas operações. No entanto, a raça corresponde a somente 13% da população dos Estados Unidos.
VEJA NA ÍNTEGRA O COMUNICADO DE MICHAEL BENNETT
Caro mundo,
No sábado, 26 de agosto de 2017, eu estava em Las Vegas para comparecer à luta entre Mayweather e McGregor na minha folga. Após a luta, enquanto eu estava retornando ao meu hotel, mais de uma centena de pessoas ouviu o que pareciam tiros. Como muitas das pessoas na área, eu corri do barulho, buscando segurança. Policiais de Las Vegas me escolheram e apontaram armas por fazer nada além de ser um homem negro no lugar errado na hora errada.
Um policial me mandou ir para o chão. Enquanto eu estava deitado, corroborando com suas ordens para não me mexer, ele colocou sua arma perto da minha cabeça e me avisou que se eu me mexesse ele ia “explodir a porra da minha cabeça”. Aterrorizado e confuso com o que estava ocorrendo, um segundo policial chegou e forçou seu joelho nas minhas costas, dificultando que eu respirasse. Eles então puseram algemas nos meus pulsos tão forte que meus dedos adormeceram.
O excesso de força dos policiais foi insuportável. Eu me senti desamparado deitado no chão algemado, encarando o risco real de ser morto. Tudo que eu podia pensar era “eu vou morrer por nenhum outro motivo além de ser negro e, de alguma forma, a cor da minha pele ser uma ameaça’. Minha vida passou pelos meus olhos enquanto eu pensava nas minhas filhasmeninas. Será que eu brincaria com elas de novo? Ou veria elas terem filhos? Ou poder beijar minha esposa de novo e dizer que a amo?
Eu perguntava aos policiais “o que eu fiz?” e lembrava eles que eu tinha direitos e eles deviam respeitá-los. Os policiais ignoraram meu suplício e, em vez disso, me mandaram calar a boca e depois me levaram para o porta malas de um carro de polícia, onde eu sentei por um período que pareceu uma eternidade até eles perceberem que eu não era um bandido, um criminoso comum ou um negro qualquer, mas Michael Bennett, um jogador de futebol americano famoso. Depois de confirmarem minha identidade, eu acabei liberado sem nenhuma justificativa legítima para o abuso dos policiais.
Eu sempre tive uma forte convicção que protestar ou pedir justiça é simplesmente a coisa certa a se fazer. Esse fato é, sem dúvida, o motivo pelo qual eu sento durante o hino nacional antes de cada jogo – porque igualdade não vive nesse país e não importa quanto dinheiro você fizer, qual emprego você tiver ou quanto você dá, quando você é visto como um “negro”, você será tratado dessa forma.
O sistema falhou para mim. Eu posso apenas imaginar o que Eric Garner, Michael Brown, Grayvon Martin, Tamir Rice e Charleena Lyles sentiram.
Eu peguei os serviços de John Burris, advogado de direitos civis de Oakland, para investigar e explorar todas minhas opções legais, inclusive entrar com um processo civil pela violação dos meus direitos constitucionais.
Sinceramente, Michael Bennett
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