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Superação de drama e discrição são armas dos artilheiros 'sem grife' do BR

Ederson, do Atlético-PR, dedica todos os seus gols ao filho que morreu antes de nascer - Heuler Andrey/AGIF
Ederson, do Atlético-PR, dedica todos os seus gols ao filho que morreu antes de nascer Imagem: Heuler Andrey/AGIF

Luis Augusto Simon

Do UOL, em São Paulo

17/09/2013 06h00

A artilharia do Brasileirão é disputada por dois jogadores que estão muito longe do sucesso de mídia alcançado por companheiros de profissão e posição, como Fred, titular de Luiz Felipe Scolari na seleção, Luís Fabiano, homem-gol de Dunga na Copa de 2010, Pato, Guerrero, Leandro Damião e tantos outros. Os gols de Ederson podem levar o Atlético-PR à Libertadores, e os de William, manter a Ponte na Série A em 2014. Tarefas difíceis, mas nada foi fácil na vida dos dois artilheiros sem grife.

Os surpreendentes gols de 2013 que estão levando Ederson, 24 anos, à artilharia do Brasileiro nasceram em 2011, no dia mais triste de sua vida. Vinte e oito de agosto, para ser mais exato. O dia em que o atacante do ABC soube que Heitor, o filho tão esperado, não viria mais. “O cordão umbilical enrolou no pescocinho dele e ele morreu dez dias antes do parto. Nunca eu e a Deise sofremos tanto”, diz Ederson, citando a mulher.

Três dias depois, ele estava em campo para enfrentar o Salgueiro. Havia sido liberado pela diretoria, mas foi incentivado pela companheira. “A gente precisava seguir em frente. Eu prometi para ela e para mim mesmo que minha vida iria mudar e que chegaria longe. Com tanto sofrimento, estava escrito que haveria um futuro para nós”.

O gol da vitória por 1 a 0 foi fundamental para que o ABC se mantivesse na segunda divisão. E foi o primeiro em homenagem ao filho que não teve. “Todo gol eu grito por ele, penso em como teria sido bom conviver com o garoto, mas também grito pela Ester, minha filhinha de um ano”.

Ederson garante que, se alguém o convidasse a cravar, antes do início do campeonato, os candidatos à artilharia, não vacilaria em dizer seu próprio nome, em alto e bom som. “Como eu te disse, eu me preparei mentalmente desde 2011 para chegar ao sucesso. Minha preparação foi no sofrimento. Tenho muita personalidade”.

O trabalho não é só mental. Ele treina muito. Principalmente o que lhe dá alegria. “Quando acaba o treino, eu fico aperfeiçoando finalização. Dou bastantes chutes e sempre procuro um jeito de me colocar melhor em campo. Meu ídolo sempre foi o Romário, que se colocava de um jeito que ninguém conseguia. Ele, dentro da área, era procurado pela bola. Comigo não é assim, mas eu trabalho para melhorar. Nem saio de casa, só para jantar com minha mulher. Estou sempre em forma e não dou bobeira”.

O fato de ser um artilheiro sem reconhecimento da grande mídia não o incomoda. Ao contrário, é um aliado. “É bom não ter grife, é bom ficar em campo sem merecer preocupação especial dos zagueiros. Não prestam atenção em mim e eu vou fazendo meus gols. Quero ser artilheiro do Brasil e levar o Atlético para a Libertadores, quem sabe até ser campeão”.

E aí, pensa Ederson, acabarão os dias sem reconhecimento. “Se eu for artilheiro do Brasileiro, não tem jeito, vão reparar mais em mim. Até o Felipão, eu acredito. É um status diferente, a gente passa a ser considerado por quem decide. Seria ótimo ter uma chance na seleção, tenho certeza que não temeria nada. Iria para continuar minha carreira”.

Ser um “sem grife” também não tira um minuto de sono de William, centroavante da Ponte, que tem 160 gols contabilizados na carreira. “Tem colega com assessor de imprensa e que adora dar uma entrevista. Não tenho nada contra, cada um faz o que deseja, mas eu não sou assim. Sou quieto, fico apenas no meu canto, fazendo meus gols, é o suficiente para manter a minha família”.

  • Agif

    Rodado no futebol, William, da Ponte Preta, faz o gênero discreto e evita os holofotes

O início de William, de 30 anos, foi no Santos, em 2002, ao lado de Robinho e Diego. Foi um menino da Vila, com pouca fama, mas com sucesso. “Cheguei à seleção sub-20, fiz muitos gols no Santos, mas depois saí. Não culpo ninguém, nem sei por que saí. Fui para outros clubes e continuei marcando”.

Depois do Santos, foram mais dez clubes. Esteve na Coreia, em Portugal e na França. Foi ídolo do Vitória. “Fiz gol de acesso na temporada passada”. Agora, pela terceira vez, está na Ponte. Seus gols – já marcou 11 – são a esperança de que a grande tristeza não venha ao final do Brasileiro. “No início do campeonato, eu até falei que sonhava com a Libertadores, por que não, no ano passado fomos para a Sul-Americana. Dava para sonhar mais alto, mas deu tudo errado. Agora, a gente trabalha duro para não cair. Quem sabe eu não consigo alcançar o Ederson e salvar a Ponte?”.

William é muito calmo. Fala baixo, é tímido. Fora de campo, é lógico. “Quando eu entro, me transformo. Grito e discuto mesmo. Minha mulher disse que eu me transformo, mas acho que é assim mesmo. Já pensou se eu fosse bonzinho em campo e briguento fora? Não ia dar certo”.

Outra contradição que se vê no artilheiro é sua maneira de encarar o que, para todo mundo pareceria injustiça. “Eu sei que tenho potencial para um time grande, para fazer gols que levem o time para o título. Sei disso, mas não posso fazer nada. Estou feliz onde estou e encaro a vida a cada jogo. Vou lá, tento fazer gols e cada vez me respeitam mais”. Mesmo assim, tão conformado, ele se assustou com a chegada de Everton Costa ao Santos. “Me disseram que ele chegou e disse que não é muito de fazer gols. Acho que não deveria fazer isso, ainda mais no Santos, que teve tantos artilheiros famosos. Artilheiro tem de fazer gols”.

É assim que ele vive, é assim que dá boa vida à Jânia, sua mulher, e aos filhos Mateus e Lucas. Vida simples, de um artilheiro sem grife.