A ressurreição do Paraná: do campo para a mobilização popular
Era 23 de Abril de 2011 quando o Paraná empatava em 2 a 2 com o Arapongas em casa e caía para a Segunda Divisão do Campeonato Paranaense. O poço parecia não ter fundo. O clube que nasceu sob o slogan “o clube do ano 2000” e que por meia década reinou no futebol paranaense, relegando Atlético e Coritiba a um segundo plano inclusive no cenário nacional, chegava ao colapso com a queda para a B local, quatro anos depois de perder a vaga na elite do Brasil.
O Paraná não acabou, como preconizavam os rivais. Voltou a primeira divisão local, passou algum aperto para se manter na B nacional e chegou a 2017 dois anos depois da intervenção do grupo “Paranistas do Bem”, formado por empresários como Carlos Werner, que comprou o jogo com o Inter, nesta terça (3) às 20h30, e o levou para a Arena da Baixada, com uma ação promocional que mexeu com Curitiba. O clube, que cogitou se retirar do futebol profissional, virou a chave. E nunca esteve tão próximo de voltar à primeira divisão nacional como em 2017.
O UOL Esporte conversou com Leonardo Oliveira, o presidente do clube, e Rodrigo Pastana, gerente de futebol e cérebro da ressurreição paranista por mais de uma hora. Na pauta, a recuperação financeira do clube, o redimensionamento de tamanho diante da dupla Atletiba e a constatação: “temos confiança na capacidade de subir e se manter na Série A”
Paraná, clube de futebol
“Hoje todo mundo é profissional no futebol”, conta Oliveira, “No final de 2016 chegamos à conclusão que o clube precisava de um diretor de futebol remunerado. E encontramos o Rodrigo (Pastana). Sabíamos que 2017 ia ser um ano difícil, com orçamento enxuto. Inicialmente o plano, dentro da capacidade financeira, eram os 45 pontos e não perder a vaga na B”
“E ficar entre os 10 para buscar o calendário nacional na base”, comenta Pastana, o idealizador do futebol do clube, segundo Oliveira. “No departamento de futebol tudo foi determinado pelo Pastana, dentro de um orçamento, pra fazer que as coisas andem independente dos problemas que o clube tem. O clube hoje tem 580 ações na Justiça do Trabalho. O clube todo, social, futebol, ações dos mais diversos valores.”
“O futebol tem que ter a tranquilidade, por que é o carro chefe do clube”, diz o presidente, “É o que está fazendo com que o clube consiga pagar esse passivo. Temos que manter uma receita, com o futebol funcionando. O Rodrigo leva isso diariamente, os atletas sabem da situação do clube, entendem como estamos trabalhando. Até hoje está tudo em dia com os atletas e isso vem fazendo com que o futebol até nos surpreenda em resultado.”
Outrora um dos maiores clubes sociais do Brasil, o Paraná praticamente abriu mão da gestão de piscinas e afins. “O sócio é sócio com acesso ao estádio e ao clube. O departamento social foi adaptado, todas as atividades foram reduzidas ao mínimo, terceirizamos muita coisa. A Kennedy (sede social) está quase toda terceirizada: as piscinas, a quadra de sintético, o ginásio... nós ficamos com uma parte para o futsal por que é parte do programa da base. Todas essas áreas dão muitos benefícios aos sócios, que pagam uma taxa mínima para manter lá. Trouxemos receita para o futebol sem perder mais patrimônio.”, conta Oliveira
O sonho de acesso diante da realidade financeira
O Paraná está pronto para voltar à Série A? “A gente nunca tem total certeza disso, né? Vê clubes aí com até maior capacidade financeira que batem e voltam. Acho que o segredo está exatamente nessa tranquilidade que a diretoria vem tentando dar, de gestão, de o departamento de futebol ter autonomia para construir a formação da equipe dentro do que é planejado. Num suposto acesso é planejado se manter. É difícil você cravar: estamos preparados. Mas tenho certeza que temos capacidade de subir e se manter, só subindo para ter certeza”.
Oliveira comenta como funciona a mecânica do dinheiro no clube para o futebol. “O foco da receita é o futebol profissional. Dentro do que tínhamos de capacidade de arrecadação, definimos um orçamento com valores mínimos, com valores seguros de que poderíamos pagar.” Pastana completa: “Hoje não chega a 50% do que o clube arrecada. Esse ano arrecadamos mais que gastamos.”
Para ele, não atrasar os salários é um dos segredos da boa campanha. “É pior quando a folha é baixa. O cara que ganha 100 paus, deixar atrasar um ou dois meses, é uma coisa. Ninguém gasta 100 paus num mês, ninguém tem esse custo de vida. Agora, quando ganha 8, 10, 15 no máximo, vai fazer falta.”
A montagem do elenco com orçamento reduzido
“O acerto que nós conseguimos esse ano, não foi fácil. O time encaixou. Se deslizarmos, falta força para levantar”, conta Oliveira, para ser completado por Pastana com números: “Gastamos R$ 380 mil com atletas, R$ 80 mil no staff. Uma folha bem baixa para a B, duvido que tenha menor. O Inter tem 9 milhões”. Oliveira segue: “Inter, Goiás com R$ 3 milhões. Enfrentamos Atlético-MG, 10 milhões, Vitória e Bahia, 5 a 6 milhões, Coritiba uns 4, Atlético mais um pouco talvez.”
Sem dinheiro, o Paraná procura extrair o benefício técnico em primeiro lugar, oferecendo a vitrine. “Você faz contratos curtos com atletas que poderíamos ter retorno no futuro, mas por que eles vão sair deixando o retorno técnico. Os agentes entenderam o projeto e bancaram. Tivemos jogadores do São Paulo, do Atlético, usando a vitrine do Paraná.”
A solução está em recuperar a capacidade de formação. Hoje, a base é mantida pelo empresário Carlos Werner. “Desde que assumimos, a base vem numa evolução grande. Pegamos com 9 meses de salários atrasados, poucos meninos, que surgiam e iam para outros clubes. Ainda não temos a condição de oferecer o que os concorrentes oferecem, mas nós deixamos jogar. Se destacou, vai ter oportunidade”, relata Oliveira. Pastana vê que o sucesso na B reabre essas portas. “Com calendário nacional na base, você faz a coisa mudar. O jogador quer vir. E os contratos passam a ser mais duradouros”, diz, lembrando que para jogar os campeonatos de base da CBF é preciso estar pelo menos entre os 10 da B.
Demissionário em maio, o técnico Wagner Lopes foi o responsável pela idealização do sistema de jogo ao lado de Pastana. Ele saiu, mas o modelo ficou. “Nunca pensamos em trocar, ele ficaria até novembro com o compromisso de que ele não sairia para pedida interna, mas que não continuaria no ano que vem, por que ele tem o projeto de vida dele, que era voltar para o Japão. Não esperávamos que surgisse essa proposta antes, na metade da temporada deles. Aí a sacada foi analisar perfil”, conta o presidente.
“Sempre falei para o Leo que a gente tinha que fazer um time com fome”, comenta Pastana, “Que não tenha disputado a B, ou apenas jogado por times menores, ou não tenha jogador em Curitiba, que tem uma vitrine legal. Os três treinadores que passaram tinham o mesmo modelo de jogo, com linha baixa, transição rápida, time leve do meio para frente, sistema defensivo sólido. Foi falado para o Christian (de Souza), para o Lisca (ambos ex-técnicos)... o Matheus (Costa, atual técnico) acompanhou desde o início.”
O episódio da saída de Lisca
“Resume-se em um dia ruim. Até tudo o que aconteceu, não tínhamos problemas diferentes do que temos com qualquer outro profissional. O trabalho de campo dele é muito bom, perfeccionista. Infelizmente em um dia muito ruim, péssimo mesmo, acabou gerando uma bola de neve que culminou com a agressão e não tinha como superar isso”, comentou Oliveira. “Nosso ambiente é nossa prioridade. Um fato como esse, todos presenciaram, não tinha como negar, não deu para superar. Combinamos de colocar todo mundo numa mesa, colocar uma borracha em cima e fazer um pacto. Mas aí aconteceu a agressão e acabou impedindo qualquer reconciliação”, prosseguiu.
Pastana concorda: “Os profissionais não chegaram ao futebol de graça. Chegaram pela profissionalização. Eu defendo muito a integração e o respeito entre as partes: fisiologista, preparador, nutricionista, médico, executivo. Enquanto não houver esse entendimento pelos treinadores, não será possível ser profissional. Os técnicos são supervalorizados, muito. O Paraná não nasceu com o Lisca. Tudo foi avisado, tudo foi falado, desde 2 de janeiro. Num dia, você passar o dia todo desrespeitando tudo o que aconteceu? Ninguém é maior que o clube.”
“Aqui tudo é exemplo. Se eu empurro o carrinho de roupas, é por que nas viagens não dá pra levar roupeiro. E se eu posso empurrar um container, o meu capitão também pode. Todo mundo é tratado igual e eu não posso ter uma pessoa levantando o dedo e falando, ‘sou eu, sou eu’”, encerrou Oliveira.
O risco de perder a Vila Capanema e mais patrimônio
“Já trabalhamos mais nesse processo, mas a situação do País não permite esse tipo de coisa. Ano que vem tem eleição, em um ano não se resolve um problema de mais de 50 anos. Vai ficar para uma próxima gestão, mas não vejo riscos de o Paraná perder a Vila agora. O País não tem capacidade organizacional para tanto, tem muita politicagem aí. É um patrimônio histórico do futebol, estádio de Copa, não é assim chegar aqui e derrubar. Mas não sabemos nem com quem vamos discutir”, comentou o presidente.
“O Paraná tem capacidade de pagar suas dívidas, tem potencial para isso. Mas se matarem a galinha dos ovos de ouro vai acabar. Vão matar, comer, e vão morrer”, analisa Oliveira, “Nós trabalhamos esse ano com 95% da nossa renda de televisão bloqueada. Na Série B, é a principal receita”. Ele contou um pouco das mazelas de gerenciar as dívidas, a partir do leilão frustrado da Sede Boqueirão.
“Foi a leilão, não o estádio, em quatro hastas. Na segunda houve lance de R$ 8 milhões, foi dado um cheque sem fundo como sinal, a juíza anulou. Na 4ª hasta houve lance inferior ao mínimo. Eles retiraram o lance e a juíza colocou o imóvel em venda judicial, avaliado em R$ 18 milhões, com lance mínimo de 50%. Tivemos duas propostas e seria importantíssimo. Justamente para acelerar o pagamento da dívida trabalhista do clube, por volta de R$ 14 milhões.”
“Nós até julho já pagamos R$ 5 milhões”, prosseguiu Oliveira, “Não é assustador, mas a capacidade financeira... por isso é que avaliamos que a oportunidade de Série A é interessantíssima, por que teríamos capacidade de pagamento muito melhor.
“Se tivesse um certo entendimento da Justiça do Paraná”, comentou Pastana, “Poderíamos ter feito um acordão trabalhista e estar muito melhor. Essa gestão tem feito grandes esforços para pagar uma parte desta dívida, estaríamos numa situação muito mais cômoda, sem a necessidade de leiloar a sede do Boqueirão. Em São Paulo, na sua totalidade, isso foi feito de forma simples e rápida. Aqui há muito conservadorismo. O Guarani sobrevive hoje muito mais pelo acordo do que pelas receitas. O clube não sustentam só o futebol profissional. Sustentamos o que, umas 80 famílias? Falta esse entendimento, com certeza.”
A participação de Carlos Werner na gestão do clube
“Hoje o Werner está praticamente zero na participação gerencial. Ele atua mais focado no projeto da base. Na verdade, em parceria, ele mantém a base. Mas se resume a isso. Em 2017, ele se afastou completamente do profissional”, disse Oliveira, contando que não só ele tem negócios com o clube. “Vários empresários. Mas são negócios. Todos têm contrapartida. Esse jogo que vendemos para ele, foi um processo destes. Ele vai realizar uma operação financeira.”
“Não temos benfeitores ou investidores no clube. Tem muita coisa falada que não é verdade”, comentou Pastana. “Temos colaboradores sim, outros clubes que nos cederam jogadores com salários pagos, mas o futebol é tocado com patrocinadores, a contrapartida da vitrine, um ou outro negócio como esse, mas não temos Mecenas. Não recusaremos, obviamente, mas hoje não temos benfeitor.”
O tamanho do Paraná diante da dupla Atletiba
“O Paraná ficou muito tempo no sonho do “clube dos anos 2000”. Levou tempo para botar os pés no chão. Tem que viver o Paraná que nós temos hoje. Esquece a década de 90. Lembra com gratidão, mas tem que viver isso aqui. Não tem parede de granito, cadeira de veludo, não tem luxo. Mas tá bem sólido isso aqui, o que tem é o que dá para ter. E quem está aqui sabe disso”, afirmou Oliveira.
“É verdadeiro, o clube não está no patamar de Atlético e Coritiba. O primeiro passo para crescer é saber o seu tamanho. Todos os que trabalham aqui sabem o tamanho e querem fazer crescer”, comenta Pastana. Oliveira ainda fez outra ponderação sobre o tamanho do clube diante dos rivais citadinos: “Acho que a torcida entendeu mais rápido do que quem dirigia o clube. O fato de não ter a mesma condição que eles têm não nos coloca tão longe deles na condição de vencê-los. Fomos mais longe que o Coritiba na Copa do Brasil. O esporte tem isso. Com organização, sabendo o tamanho do clube, você pode vencer um cara que tem 50 vezes a sua capacidade. Fizemos com Bahia, com Vitória, com o Atlético-MG. O que não pode é ser cobrado para ter o mesmo. Coritiba e Atlético têm obrigação de chegar na final do Paranaense. Se nós chegarmos, é por que um deles falhou.”
A perspectiva de lotar a Arena da Baixada é um novo passo nesse resgate. “Nossa torcida tem a maior média de público nos últimos anos. Esse ano, o que a torcida vem fazendo é brincadeira. Foram nos buscar no aeroporto duas vezes, todo mundo remando para o mesmo lado. Todo mundo engajado, esse é o diferencial”, analisa Oliveira.
As negociações com a dupla Atletiba e a TV no Paranaense e Brasileirão
“Para 2018 a Globo tem contrato. E já tem discussões aí com a Globo mesmo, isso está sendo bem tratado. Na Primeira Liga, nós entendemos que a divisão de cotas foi algo muito próximo do que nós tivemos expectativa. Se os clubes tivessem se organizado mais cedo, tinham conseguido o ideal para eles. Para nós, foi bom. Para o Paranaense, por mais que o campeonato seja desvalorizado em relação a outros centros... não é rachando interior e Paraná com Coritiba e Atlético que nós vamos resolver”, pediu Oliveira.
Pastana completa: “Hoje nós temos cinco representantes nas séries nacionais (Operário para a C-18, Londrina e Paraná na B e Atlético e Coritiba na A). A gente precisa se unir para melhorar o nosso produto. Com a desorganização que vem tendo... nos últimos 5 anos sempre teve problemas. Como é que vai vender esse produto? Eu que vim de outro lugar posso falar: é mais forte que muitos outros que se valorizam. A gente precisa valorizar. O primeiro passo é a união, para chegar na Federação e dizer, vamos fazer algo juntos e bom?”
Oliveira criticou o clima eleitoral permanente na FPF. “A Federação tem que ser debatida na eleição. É o momento da discussão. Mas durante a gestão não adianta politicagem. Esquece. Passou a eleição, tem que brigar pelo futebol paranaense. Não dá para viver em processo eleitoral por seis anos. Se não for assim é perde-perde.”
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