Nada mole vida: ambulantes perdem a voz e se arriscam para fugir do rapa
”Olha o rapa! Olha o rapa!”
Basta ouvir o grito para começar a correria. Nem é preciso saber de onde vem. Os ambulantes catam todas as suas mercadorias do jeito que dá e saem correndo. Alguns escapam, outros não têm a mesma sorte e perdem tudo. “Está difícil trabalhar”, é o que todos dizem.
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A vida de ambulante na final da Copa do Brasil não é nada fácil.
Horas antes de Cruzeiro e Corinthians entrarem em campo, eles já estão a postos. E são muitos. No caminho entre a estação do metrô Artur Alvim e a Arena Corinthians, é difícil o torcedor andar sem esbarrar em algum deles e impossível não ser abordado. A concorrência é grande. Por isso, haja gogó e criatividade para bombar as vendas.
“Uma é 3. E três é 10”, grita um, em tom de piada, com a lata de cerveja na mão. “Ô casal, vai um refri? Cerveja pro mozão?”, berra o colega do lado. Um deles é até adepto do humor politicamente incorreto: “Tem caipirinha, tem maconha”. “Na verdade, não tem maconha nada. Mas se a gente fala, o pessoal olha. Safados, né?”, brinca. Eles usam tanto a voz que terminam o dia roucos, isso quando não ficam totalmente sem voz. “Tem dia que não consigo falar”, diz um deles.
O torcedor não tem muito do que reclamar. Tem todo tipo de produto e para todos os gostos. Cavalinho do Fantástico, roupa de criança, quadro com imagem em 3D, comida, camisa, boné, faixa de campeão, cerveja, vinho, pizzas inteiras e por aí vai. Alguns objetos mais inusitados chamam a atenção como o pirocóptero que passa sobrevoando a esplanada da Arena com suas luzes brilhantes. O brinquedinho pode cair no chão que não quebra e sai por R$10.
O ambiente é até descontraído com a abordagem simpática aos clientes. Mas pode mudar repentinamente a qualquer sinal do ‘rapa’. Maeli Santos é uma das únicas mulheres ambulantes entre os homens e se preparava para posar para foto da reportagem exibindo seu par de brincos vistosos e o batom vermelho. Com sorriso tímido e ao mesmo tempo lisonjeada por dar uma entrevista, ela testa a pose e parece se divertir no momento. De repente, uma correria interrompe o clique. Ele fecha o semblante na hora, cata suas coisas em sinal de desespero e dispara para o ponto mais longe possível onde não possa ser alcançada.
Era mais uma ação da Guarda Civil Metropolitana, que estava na final com 10 viaturas e 37 homens. Eles ficam em pontos estratégicos do estádio sempre de olho no comércio ilegal para apreender as mercadorias e combater a pirataria. Quando passam, a movimentação parece a de um arrastão e chega a ser perigoso ficar na frente sob o risco de ser atropelado.
Para escapar deste tipo de prejuízo, os ambulantes nem pensam. Até se arriscam correndo para o meio da avenida mesmo com o movimento de carros. Em um certo momento, um deles pulou em um barranco e quase se machucou. Alguns são mais espertos e já têm artimanhas. Enrolam os produtos em tecidos que são mais fáceis de serem agrupados ou usam sacolas que camuflam a mercadoria. Outros têm mais dificuldades por causa da mobilidade. O vendedor de cavalinhos do Fantástico carrega até 10 kg nas costas. Os vendedores de churrasquinho até se queimam na brasa ao juntar tudo. Nesta noite, Márcio Roberto, que vendia capas de chuva, perdeu R$ 300.
Maeli não vê os fiscais como vilãos. Sabe que que o comércio é ilegal, mas diz não ter outra escolha porque precisa do trabalho. Essa é a justificativa de quase todo mundo ali. “Daqui a pouco, o pessoal está roubando porque não nos deixam trabalhar honestamente", lamentou Reginaldo Branco, vendedor de cocada.
Márcio Roberto reclama de não poder fazer seu trabalho honesto e diz que até já foi agredido. "Eles não deixam a gente trabalhar. Sou pai de família. Eu tenho dois filhos para criar e ainda tem um no forno. E eles batem, oprimem, botam medo. Batem com cassetete, se bobear até com coronhada."
Mas Maeli vê também o outro lado. “Eles (ambulantes) não contam que eles enfrentam os policiais. Isso eles não contam. Querendo ou não, a gente está fazendo algo que não pode.”
Um deles sugere que haja algum tipo de licença para eles trabalharem, nos moldes das barraquinhas que ficam próximas à estação Artur Alvim. Mas enquanto isso não acontece, eles seguem nessa briga de gato e rato. Ao fim do jogo, já era quase 1h, e eles ainda estavam tentando vender os últimos produtos para o pessoal que saía do estádio. Até que se ouve o grito: “Olha o rapa”.
Parece a última corrida da noite.
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