Sem preconceito: Botafogo da várzea coloca mulheres nos cargos de técnico e presidente
David Abramvezt
Do UOL, em São Paulo
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Arquivo pessoal
Dona Fátima, presidente do Botafogo do Jaçanã, e sua filha Eloá, técnica do time
O Botafogo do Jaçanã é um time de mulheres. Mas não do jeito que você pensou. Se em times femininos elas jogam, no time da Zona Norte de São Paulo elas mandam. Mulheres ocupam os cargos de presidente e técnico e ainda formam a diretoria. Só ficam longe em um momento: quando chega a hora de os jogadores vestirem o uniforme para mais uma partida nos campos de várzea de São Paulo.
"Todos na várzea sabem que, no Botafogo do Jaçanã, quem manda são as mulheres. E somos respeitadas por isso. Nós temos orgulho e trabalhamos para que nada falte aos nossos jogadores. Fazemos de tudo para honrar essa camisa que amamos", afirma Dona Fátima, a presidenta (para imitar como Dilma Rousseff gosta de chamar o seu cargo) do clube. "Eu e as outras cinco mulheres estamos sempre cuidando da administração, só mesmo no vestiário, quando os jogadores estão se trocando, que a gente não entra", emenda a dirigente.
A mandatária do clube é a matriarca da família, Fátima. Sua filha, Eloá, é a técnica do time. Outras quatro mulheres exercem cargos de direção. Essa revolução feminina começou há um ano, quando o marido de Dona Fátima, Miltinho, morreu. Ele era o presidente e técnico do Botafogo. Sem ele, a mulher, que foi vice-presidente por 15 anos, assumiu a administração do clube e a filha, o comando da comissão técnica. Outras duas diretoras, Zilda e Odete, são irmãs do ex-presidente.
Famoso por sua habilidade nos campos de várzea, Miltinho fundou o clube no fim de 1990. Grande ídolo, foi também técnico desde a fundação. Em todo esse tempo, a filha o acompanhava. E acabou aprendendo a função. O pai foi um professor tão bom para Eloá, conhecida como Nega pelos seus atletas, que ela recebe muitos elogios dos comandados.
"A Nega entende bastante de futebol e todos a respeitam por isso. Ela sabe mostrar quem manda", admite Vitor, zagueiro e capitão do time do Jaçanã. "Ter mulheres no comando é normal para a gente. Só sentimos diferença mesmo na hora de se trocar no vestiário. E quando ficamos bravos. Por educação, às vezes temos que maneirar nos palavrões e na agressividade ao reclamar", acrescenta o defensor.
A linha dura é estratégia da treinadora. "Depois que meu pai morreu, muita gente dizia que a mulherada não ia conseguir tocar o Botafogo. Estavam errados, porque estamos aqui firme e fortes. Eu aprendi tudo de futebol com o meu pai. Cresci do lado dele, acompanhando os jogos nos campos de várzea", conta. "Jogador que não respeita o comando, é mandado embora. Eles são acostumados porque meu pai era linha-dura. É melhor dispensar do que ter gente insatisfeita que não vai lutar pela sua camisa".
Ao contrário da filha, que vive os jogos intensamente, Dona Fátima não gosta de ver as partidas do seu time. Para não ficar exaltada, ela vai ao campo, mas dá um jeito de se distrair e não prestar atenção no que ocorre dentro das quatros linhas. Isso aconteceu na derrota por 2 a 1 do Botafogo para o Jaçanã, no último domingo, pela segunda rodada da Copa Kaiser, no último domingo, no Benfica, na Vila Maria. A presidente ficou andando no estacionamento. Chegou até a sair para caminhar numa pista de acesso à Marginal Tietê, que fica ao lado do camo.
"Eu fico muito nervosa e não consigo ver o jogo. Fico andando de um lado para o outro e fico muito cansada. Acaba o jogo e estou acabada", relata Dona Fátima. "É o jeito dela. Minha mãe fica muito tensa e acha melhor assim. Mas, depois do jogo, ela quer saber exatamente o que aconteceu, quem jogou bem, quem foi mal e se o juiz apitou direito", fala a treinadora Eloá.
Com seus rituais e o toque feminino, o "time das mulheres" vem fazendo uma campanha irregular na Copa Kaiser de 2013. Em duas rodadas, foram um empate (1 a 1 com o GTX, da Casa Verde) e uma derrota (2 a 1 para o Jaçanã). Assim, a equipe ocupa a terceira colocação do grupo 1 da Zona Norte, com um ponto, atrás do rivais que já enfrentou. Mas a classificação para a etapa 2 da principal competição de futebol amador da cidade ainda é bem possível. Como os três primeiros da chave avançam, basta ao Botafogo um empate com o lanterna, Existente, também do Jaçanã, daqui a dois domingos.
"Nós acreditamos muito nesse time e podemos chegar longe. É só ganharmos entrosamento e jogarmos com muita vontade", disse Nega. "Vamos lutar forte para levar o Botafogo para as próximas fases", acrescentou Dona Fátima.
Uma coisa é certa, com ou sem vitórias, os jogadores aproveitam o fato de o Botafogo do Jaçanã ser comandando por tantas mulheres. "Além da ótima organização do time, coisa de mulher, tem outro lado muito bom. Depois de todos os jogos, não importa o resultados, a diretoria serve um grande almoço para todos nós. Tem tudo à vontade: cerveja, comida, refrigerante. E ainda podemos levar esposa, namorada, família. Isso é muito legal", falou o beque Vitor, há sete anos no Botafogo.