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Final da Libertadores tem carisma, mas mostra que América do Sul é obsoleta

Felipe Noronha

Do UOL, em São Paulo

31/07/2014 06h00

O Nacional-PAR, 16° colocado entre os classificados para as oitavas de final da Libertadores, chegou à final da competição de forma inédita. Também novidade será a presença do San Lorenzo-ARG na decisão, 15° na fase inicial. O duelo entre, na teoria, os dois piores classificados para o mata-mata da principal competição da América do Sul é, provavelmente, o mais carismático da história do torneio. Um time nanico contra o time do papa. Fantástico para a história, sim. Mas esqueça isso por um momento: os finalistas expõem, na verdade, a fraqueza do futebol sul-americano atual.

O símbolo máximo de como o futebol jogado neste continente é, ainda, o 7 a 1 sofrido pelo Brasil para a Alemanha. Até porque, antes da derrota, a seleção brasileira tirou Chile e Colômbia do Mundial - ou seja, as seleções vizinhas não mostraram nada suficientemente bom para eliminar o Brasil antes do vexame maior. Claro, é preciso afirmar que esse abismo do jogo mostrado aqui não é para toda a Europa - e sim para a parte europeia que segue o modelo alemão. Poucos ainda, mas exemplares.

E San Lorenzo e Nacional deixarão ainda mais claro que o continente está longe de optar pelo estilo de jogo consagrado pelos alemães: toque de bola veloz, sem centroavante fixo, buscando o chute depois da movimentação constante de seus jogadores, de preferência por trás da defesa rival, incapaz de acompanhar tal estilo.

Não só isso: além de expor o continente, deixarão o Brasil ainda mais constrangido. O Nacional, na primeira fase da Libertadores, empatou por duas vezes com o Atlético-MG, ainda atual campeão continental; já o San Lorenzo humilhou o Botafogo na última rodada da primeira fase, vencendo por 3 a 0 em um jogo em que podia ter feito mais, muito mais. Pior: nas quartas de final, tirou o Cruzeiro, atual campeão brasileiro e que lidera a edição 2014 do campeonato com folga.

Essa abertura culmina com a explicação: se desde o 7 a 1 ficou claro que o futebol brasileiro precisa de renovação, precisa mudar o jeito de jogar, estudar o futebol de fora e parar de apostar em táticas óbvias, como explicar o fracasso em um torneio no qual seus finalistas mostram exatamente o contrário de toda esta teoria?

Porque nem Nacional, nem San Lorenzo, são times que ficarão para a história como inovadores. Dificilmente alguém, no futuro, citará o campeão como um marco no futebol sul-americano. Porque, basicamente, eles são mais do mesmo futebol antiquado visto por aqui. Que, tristemente, ainda funciona enquanto jogado por estas terras.

nacional -  -
 O Nacional se baseia em apenas um fator: a raça. A partida de volta contra o Defensor, na qual chutou apenas três vezes ao gol, nunca com perigo, prova isso. O time se postou dentro da área defensiva e levou duas bolas na trave, além de ver Nacho Don, seu goleiro, ser o melhor da equipe em campo. Não há meias de qualidade, e o toque de bola inexiste. Seus gols surgem em lances ocasionais, quando um contra-ataque funciona ou a bola espirra para alguém livre. Nenhuma inovação, apenas mais uma retranca que, aproveitando a falta de qualidade sul-americana, vai longe no que devia ser o palco do bom futebol no continente.

Contra o Vélez Sarsfield, nas oitavas de final, talvez a principal prova: contra o time que mostrou futebol mais ofensivo na primeira fase, e que cuja base foi montada por Ricardo Gareca, técnico contratado pelo Palmeiras para tentar mudar os rumos do pobre futebol apresentado pelo clube nos últimos anos, bastou ao Nacional arranjar um gol de pênalti e jogar com os onze atletas atrás da linha da bola para se classificar com um 2 a 2 na Argentina, jogo no qual suas principais jogadas surgiram de bicões para a frente, quando o Vélez atacava desesperado.

san lorenzo -  -
 Já o San Lorenzo mostra alguma qualidade com a bola no pé. Mas do mesmo jeito que o Brasil se acostumou a ver: um básico 4-4-2, em que o principal articulador de jogadas é Romagnoli, 33 anos, eterna promessa que nunca correspondeu ao que se esperava há anos - e que falhou em ter sucesso no fraco futebol português. 

E assim como o Nacional, o San Lorenzo tem como sua principal jogada outra tática nada inventiva: a bola parada. Cruzamentos para cabeçadas geraram diversos gols e lances de perigo do time argentino. Assim como o Brasil na Copa, a bola parada é, claramente, mais treinada que o tático. Na Copa, o Brasil mostrou que, no alto nível, isso não dá mais certo. Na América do Sul, o San Lorenzo prova que vale essa insistência.

Resta torcer para que isso não se torne uma muleta de quem ainda apoia o futebol obsoleto praticado no Brasil. Que quando Nacional ou San Lorenzo se torne campeão da América, não apareça um treinador brasileiro dizendo que o time vencedor mostrou que toda a conversa sobre renovar o futebol por aqui é a prova definitiva de que, como definiu Luiz Felipe Scolari, a vergonha passada pelo Brasil foi apenas graças a um apagão. Não foi. Foi graças ao estilo de jogo da América do Sul. Ultrapassado, como mostra seu principal torneio.