"O Timão fez a cracolândia sorrir", diz morador da região após vitória do Corinthians
Rodrigo Durão Coelho
Do UOL, em São Paulo
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Leandro Moraes
Usuários fumam crack a céu aberto na rua Vitória, no centro de São Paulo
O jovem Carlos, 21 anos, é viciado em crack. Dorme na rua, come mal e acumula sujeira no corpo e nas roupas. Mas nesse domingo ele estava feliz. Ou melhor, "meio feliz", após a conquista do Mundial de Clubes por seu time, o Corinthians.
"Hoje é um dia um pouco mais feliz", disse ele à reportagem do UOL Esporte, sorrindo, na avenida São João, no centro de São Paulo. "Na verdade, eu estou meio feliz, porque não dá pra esquecer totalmente os problemas da vida, dormir na rua é muito difícil, tem muita maldade. Mas o Corinthians ganhar dá uma amenizada", completou.
Carlos é um dos usuários de drogas que perambulam pelo centro após as operações do começo de 2012 que acabaram com as casas onde se costumava fumar crack, nas imediações das Estação da Luz. Muitos drogados ainda circulam por lá, mas focos importantes foram combatidos, como o do cruzamento da rua Helvétia com a Barão de Piracicaba, conhecido como o coração da antiga cracolândia.
Neste domingo, assim como Carlos, outros se sentiram integrados à sociedade. Palavras oficiais confirmam a calma com a partida da final de Mundial de Clubes. "Hoje está tranquilo, bem mais do que nos outros domingos, por causa do Corinthians, claro", diz um policial parado na esquina, onde foi instalado um centro da PM.
No local fica também o bar de dona Sirlene, que se desdobrava para atender a clientela que acompanhava agoniada o segundo tempo da partida. "Eu dei foi sorte hoje, o pessoal aqui é corintiano por acaso. Eles vieram foi viajar pro Norte", explica ela, apontando para o ônibus ilegal parado em frente. De fato, uma multidão com malas em punho esperava para embarcar no veículo que se preparava para partir até o Maranhão. "Como corintiano tem em todo lugar, a gente aproveita", completa.
Mas a erupção vista no bar com o gol de Guerrero convenceria qualquer de que os presentes ali são torcedores reais. "De noite aqui só tem Batman, homens-morcego", explica o garçom e violinista mexicano Eduardy Cuervo, torcedor do Monterrey ("odeio o Chelsea por ter eliminado meu time") e morador da rua há dez anos, referindo-se a aparência dos viciados. "Mas hoje o Corinthians fez a cracolândia sorrir."
Sirlene, entretanto, mostrava pouco entusiasmo sobre a operação que diminuiu o número de viciados na frente de seu bar, pelo menos durante o dia. "Só varreram a sujeita e esparramaram o lixo. Dá uma volta no quarteirão para você ver."
Carlos, 21 anos, usuário de drogas
Estou meio feliz, porque não dá pra esquecer totalmente os problemas da vida, dormir na rua é muito difícil, tem muita maldade. Mas o Corinthians ganhar dá uma amenizada
A poucas quadras de lá, dezenas de usuários pitavam a droga despreocupados, em frente ao bar do sr. Valter, na esquina da rua Vitória com Conselheiro Nébias. "Abri hoje só por causa do jogo, mas me arrependi", diz ele. "Esses aí (apontando para a multidão de viciados na calçada da frente) atrapalham o movimento."
Enquanto boa parte da cidade acordou mais cedo para ver o jogo, a multidão parecia estar ainda acordada da noite passada e sem pressa para dormir. Ou assistir a partida. De vez em quando algum olhava para a TV do bar, mas sem entrar. "Eu deixo eles pisar aqui só quando precisam de um copo d'água", diz Valter, que não teve muita sorte nem com a clientela "normal". Engrossou a ponto de "enfiar a mão" no peito de um cliente - e na presença da reportagem - que havia bebido bem além da conta.
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Edir usa camisa do Chelsea e medalha de São Jorge
Mas nem a apatia crack resistiu a celebração que se seguiu ao final da partida. Um usuário, munido de tambor, tratava de animar o resto e, aos poucos gritos de "Vai Corinthians" se fizeram ouvir da multidão maltrapilha. Outro improvisou mais um tambor com uma lixeira, contribuindo para a animada bagunça sonora. "Aqui também é Corinthians", gritou um outro, como se reclamasse para si – mesmo que momentaneamente - um pouco da cidadania perdida.
Quem não perdeu o bom humor foi o sr. Edir. Parecendo bem à vontade com uma camisa do Chelsea (e uma medalha de São Jorge), acompanhou a partida de um dos melhores lugares em um bar na esquina da avenida Rio Branco com General Osório. Se, no primeiro tempo não poupou provocações aos demais presentes – quase todos corintianos – ao final do jogo, continuou espirituoso.
"Ninguém torceu mais para o Corinthians que eu", disse alto. "Torci para que o Corinthians se ferrasse", completou às gargalhadas, arrancando sorrisos nos outros presentes.