A barca furada de Rogério Ceni
Achou o título da crônica um tanto forte? Eu também. Tentarei explicar, se você me acompanhar nas linhas abaixo.
Comecemos pelo óbvio: Rogério é ambicioso - e essa característica o ajudou como jogador. Como desejasse ser o melhor, dedicou mais de duas décadas da vida a comportamento profissional exemplar. Não por acaso se tornou ídolo e o mais importante goleiro na história do São Paulo. Um gigante, o verdadeiro mito para a torcida tricolor.
Ele carregou ambição e perfeccionismo para a função de técnico, profissão que decidiu encarar desde que pendurou as luvas, ao final da temporada de 2015. Depois de um ano sabático (2016), deu pontapé inicial como "professor" no próprio São Paulo em 2017.
A experiência frustrante durou meses apenas, e o tirou de cena por outro ano. Até reaparecer no Fortaleza, com muito sucesso, entre 2018 e 2019, com títulos da Série B, Estadual e Copa do Nordeste. No clube cearense, portanto, ganhou cancha, maturidade, respeito e taças.
Um nome em ascensão, aos 46 anos de idade e dois e meio de beira de gramado. Lastro suficiente para chamar a atenção do Cruzeiro, que recorreu a ele quando Mano Menezes pegou o boné e largou o time em crise, com desclassificações e na zona de rebaixamento.
Aí entram em ação o enrosco e a barca furada.
O amigo cruzeirense pode perguntar: "Por que é fria treinar meu time? É menor do que outros?" Nada contra o Cruzeiro, longe disso: trata-se de potência nacional, camisa pesada. Mas anda um saco de gatos, dentro e fora de campo, capaz de sugar energia de treinador rodado (Mano) e virar aventura de risco para um novato (Rogério).
Sim, senhor, Rogério criou imagem monumental como atleta que conquistou tudo quanto é campeonato. Como treinador, está no início da caminhada. Tem pinta de que vingará. Porém, por ora, vive a fase de aprendizado. Uma coisa é liderar no gramado; outra, impor-se do banco de reservas.
O mês de trabalho na Toca da Raposa por enquanto comprova a diferença entre calçar chuteiras ou mocassim. Rogério obteve bons resultados iniciais no Brasileiro, afastou um pouco a equipe da zona do descenso, mas tropeçou na Copa do Brasil (ok, essa já estava meio fora de cogitação mesmo) e, na sequência, levou surra do Grêmio de dar dó. O Cruzeiro voltou a conviver com o fantasma da queda.
Vá lá, até aí, tudo dentro do previsível. As oscilações são normais e é preciso um período de adaptação à nova orientação técnica. Complicado é lidar com cobras criadas, que aparentemente não se sentem confortáveis com o comando. Thiago Neves levantou a bandeira da revolta, cutucou o "chefe" em público e expôs o racha no vestiário.
Rogério sentiu o golpe, lançou um velado pedido de socorro e, em princípio, recebeu apoio de dirigentes e organizadas. Então, está fortalecido e prestigiado? Eu não afirmaria isso. Alguém lá vai confiar em cartolas e torcedores? Os primeiros entregam cabeças sem nenhuma cerimônia; bastar apertar-lhes o calo. Os outros são passionais.
Não são poucos - e me incluo nesse grupo - os que se perguntam por que Rogério topou o desafio do Cruzeiro neste momento. Estava bem no Fortaleza e poderia esperar o final do ano, quando certamente apareceriam convites para 2020. Quem sabe do próprio Cruzeiro? Aceitaria, com a condição de chegar com "terreno limpo". Em vez disso, se jogou na fogueira.
Bom, Rogério já é bem grandinho, conhece o mundo da bola e imagina-se que saiba o que fez.
Para não fechar a crônica em tom catastrófico, é possível dizer que terá algo a lucrar no Cruzeiro: se superar o furacão, se chegar ao fim da temporada com o time em boa situação, ficará com imagem de disciplinador e estrategista. Ponto para ele.
Se, ao contrário, for tragado pelo tsunami e o time afundar mais, na próxima talvez faça como macaco velho: não porá a mão em cumbuca nem vai agarrar-se em galho seco.
A propósito: o Cruzeiro tem pela frente só Palmeiras e Flamengo, nas próximas duas rodadas. Está fácil a vida do Rogério?
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