Topo

Antero Greco

Que se abram as portas para estrangeiros

MB Media/Getty Images
Imagem: MB Media/Getty Images

27/12/2019 04h00

O sucesso dos Jorges, o argentino Sampaoli no Santos e o português Jesus no Flamengo, pode ter peso significativo no futuro do futebol brasileiro. Os dois técnicos estrangeiros chamaram a atenção pelos métodos e pela maneira como construíram equipes combativas e ao mesmo tempo agradáveis de acompanhar. No caso rubro-negro, vencedora papa-títulos.

O Flamengo trata de manter Jesus no mínimo até o meio de 2020, quando termina o acordo atual. Desde já, faz de tudo para convencê-lo a ficar por tempo indeterminado. Para tanto, acena com a manutenção do grupo campeão de 2019, já está firme no mercado (Pedro Rocha e Gustavo Henrique) e tem perspectiva de ganhos altos.

Panorama tentador para qualquer profissional.

O Santos se satisfez tanto com o hermano, apesar das rusgas dele com a diretoria, que repete a dose para a próxima temporada. Desta vez, trocou a Argentina por Portugal ao chamar o veterano Jesualdo Ferreira para tocar o barco. Tem um pouco de "cisma" nessa escolha, algo como apelar para um rival de Jesus, com quem travou duelos na terrinha. Se vai dar certo, não sei; no mínimo, será curioso quando se encontrarem à beira do gramado por aqui.

O Internacional também olhou para os vizinhos do Sul e pescou Eduardo Coudet, 45 anos, em ascensão no país dele por boas passagens por Rosario e Racing. Há quem o veja como discípulo de El Loco Bielsa, excêntrico mas inegavelmente brilhante. A experiência anterior com gringo, o uruguaio Diego Aguirre, não foi muito bem sucedida, assim como aquela com Jorge Fossati (2010). Agora, talvez, haja mais boa vontade.

O Atlético Mineiro namora Rafael Dudamel, até recentemente goleiro e hoje treinador da seleção venezuelana. Antes do Natal, sondou a possibilidade de ter Sampaoli, que pediu um caminhão de dinheiro e outros benefícios. O Palmeiras também flertou com o tatuado técnico.

Dudamel - Gabriel Carneiro/UOL - Gabriel Carneiro/UOL
Dudamel pode chegar ao Atlético-MG; técnico faz trabalho de destaque na seleção da Venezuela
Imagem: Gabriel Carneiro/UOL

Essa busca por novidades no comando das equipes pode ser modismo; normal, isso ocorre em todo lugar, ainda mais se houver casos de retorno acima do esperado. E aí está Jesus que não nos deixa mentir. A empreitada depende de diversos fatores, que vão da empatia dos atletas com o "chefe", dos recursos que lhes são oferecidos, dos resultados, da adaptação ao estilo de vida do Brasil e ao calendário esportivo destas bandas.

Nosso futebol não é terreno estéril para "professores" que vêm de fora. Ao longo da história, houve muitos episódios, alguns marcantes, outros frustrantes. Para não tomar seu tempo, cito de cabeça Armando Renganeschi, argentino que desembarcou aqui como jogador, na década de 1940, não foi mais embora e treinou uma dezena de equipes locais.

Lembro-me do paraguaio Fleitas Solich (Fla, Flu, Corinthians, Palmeiras...), do argentino Filpo Nuñes (academia do Palmeiras, anos 60), do húngaro Bela Gutman (passagem-relâmpago pelo São Paulo em 58). Sem contar Ricardo Gareca (Palmeiras, 2014), Juan Osorio (São Paulo, 2015), Edgardo Bauza (São Paulo, 2016), Reinaldo Rueda (Fla, 2017) e outros.

A presença de "sapos de fora" incomoda os colegas brasileiros. O ciúme, o receio de perda de mercado são sentimentos negativos, mas humanos, comuns e universais. Há tendência a ficar com pé atrás com estrangeiro, a quem se vê como "diferente", alguém estranho a nossos hábitos e cultura. O que não é reflexo do que estamos acostumados a ser nos incomoda.

No entanto, precisamos nos abrir. A história da Humanidade é feita de migrações, imigrações, miscigenações de credos, raças, culturas. Um povo não consegue isolar-se, e o isolamento levaria à estagnação, à paralisia, ao atraso, ao desaparecimento.

Olhos e mentes escancarados para o mundo servem para que aprendamos. Basta ver como estrangeiros correm atrás de cérebros brilhantes, seja em qual área for, e independentemente de origem, cor da pele, preferência política ou religiosa.

Para ficar no futebol, note-se o salto de qualidade de gigantes (e médios e até pequenos) da Europa, desde que passaram a ter liberdade para contatar em massa gente de fora de seus limites.

O futebol sem fronteiras cresceu e ficou universal. Brasileiros estão espalhados pelo mundo, encantando plateias. Então, por que não darmos chances para jogadores e, agora, técnicos de outras partes. Todos temos a ganhar - mesmo que ocorram algumas bolas fora.

Um lindo 2020 para todos nós.

Por um mundo sem fronteiras!