Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Travestis e futebol, o que essas palavras têm a ver?
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Alguns anos atrás, não muitos, vamos dizer 5, se você digitasse "travesti" + "futebol" no Google, todas as matérias que apareceriam seriam de algum escândalo com jogadores famosos envolvendo travestis. De Romário processando Thalita Zampirolli por, supostamente, ter sido enganado por ela (como se fosse um dever ético de pessoas trans avisar do genital que temos ou tivemos entre as pernas — se bem que, para mim, isso é puro jogo de cena para tentar "preservar" a reputação do cidadão, um processo combinado talvez?), a Ronaldo alegando problemas com álcool e falta de terapia como razão para ter levado três travestis para um motel, passando, obviamente, por Toninho Cerezo e todo o escarcéu que fizeram em torno do fato de sua filha, Lea T, ter se assumido uma mulher trans. Isso para ficar nos que me vieram à mente sem ter que pensar muito.
No entanto, se hoje vocês fizerem o mesmo experimento, o resultado pode ser bastante diferente. Pelo menos aqui no meu buscador, quando digitei essas palavrinhas mágicas, a primeira página inteira de resultados foi não desses escândalos que a mídia sensacionalista tanto gosta, mas tão somente de matérias a respeito de pessoas trans começando a ocupar espaços no futebol e em outros esportes.
Matérias sobre os Meninos Bons de Bola, primeira equipe nacional formada exclusivamente por homens trans e pessoas transmasculinas, matérias sobre Sheilla Souza, primeira mulher trans a disputar uma partida profissional de futebol feminino no Brasil, matérias sobre Jaiyah Saelua, mulher trans (ou "fa'afafine", na terminologia da cultura samoana) que por cerca de uma década fez parte da seleção masculina da Samoa Americana, pequeno país localizado no meio do oceano Pacífico. Saelua tem inclusive participações nas eliminatórias da Copa do Mundo, um feito inacreditável num esporte tão dominado pela LGBTfobia.
Mas a nossa presença num esporte tão popular não se resume a estarmos dentro do campo. Vocês acham que travesti não torce pra time de futebol? Acham que, por uma pessoa ser travesti, ela não pode/deve se interessar por esporte nenhum e, em especial, esse esporte? Lamento vos informar, mas isso está longe de ser verdade. Eu, por exemplo, sou palmeirense desde que me entendo por gente, tendo começado a torcer pelo Verdão no comecinho dos anos 1990, na famosa Era Parmalat.
Vibrei com uma época que conseguiu juntar nomes de peso como Roberto Carlos, Edmundo, Rivaldo, Edílson, Evair, tirando o Palmeiras de uma seca de títulos que já durava 17 anos (com a qual nem cheguei a sofrer, porque na época eu tinha 7, 8 anos). Cansei de me imaginar, no futebol de botão, algum dos goleiros absurdos que eu já vi passarem pelo Palmeiras, Velloso, Sérgio, Gato Fernández, o inesquecível Marcos ou, mais recentemente, Fernando Prass e agora o brilhante Weverton.
O hino, bom, eu acho uma das coisas mais cafonas e pedantes da face da terra (eu sou das Letras, metida a escritora, me desculpem), mas mesmo assim não consigo não me emocionar toda vez que ouço essa porcaria tocando. E cada vez que o Verdão levanta uma taça, o que tem sido até bastante frequente, lá vou eu botando o hino no último volume e me esgoelando de cantar "Quando surge o alviverde imponente", para desespero da vizinhança.
Porém, não, essa não vai ser uma coluna de louvação ao Palmeiras. A maturidade veio, um pouco de noção também, o que acabou esfriando os ímpetos da torcedora em favor da militante. Não tem sido raro eu me decepcionar com o Palmeiras, aliás. A ideia aqui será outra, portanto: falar de esportes a partir de uma perspectiva LGBTQIA+, feminista e antirracista. Porque, se o esporte é realmente uma paixão nacional, não dá pra ignorar que o que acontece nesse espaço reverbera por toda a sociedade. E, se é assim que as coisas são, então bora lutar por um esporte em que caiba o nosso Brasil inteiro (e mesmo quem não é daqui).
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